31/07/2019

Uma vítima da segunda guerra civil romana na Hispânia?

A campanha de escavação no sítio de Puig Ciutat, em Oristà, trouxe a descoberta de um esqueleto. Resta determinar se é homem ou mulher, mas certamente será uma fonte de informação para a equipe de arqueólogos e um antropólogo que comandam as investigações neste local único, palco de uma batalha entre Júlio César (100-44 a.C.) e Pompeu (106-48 a.C.), no contexto da segunda guerra civil romana (49-45 a.C.). Até agora é o único ser humano na Hispânia que apresenta evidências dessa guerra.
Os dados fornecidos pela análise antropológica deste habitante do campo ou da cidadela podem ser a chave para determinar quem eram o habitantes deste local nas terras altas de Lluçanès. É pelo nome da região que a equipe decidiu baptizá-lo como Lucius ou Lucy, esperando para determinar seu sexo.
Puig Ciutat foi escavado desde 2010 e em cada campanha surgiram novas evidências da batalha que ali ocorreu por volta de 49 a.C., com projécteis de funda e catapulta lançados do perímetro da fortificação.
A cidade ocupa cerca de cinco hectares, situada num planalto junto ao sinuoso ribeiro  Gavarresa, com falésias que atingem os cinquenta metros de altura em algumas secções e grossas paredes construídas nos flancos mais acessíveis. As fundações da muralha sugerem um desenho ibérico original, por isso não seria estranho que as tropas de Pompeu Magno aproveitassem e expandissem uma fortificação pré-existente.
Até agora, nove anos de escavações revelaram paredes, casas, cerâmicas e projécteis. A semana passada revelou o primeiro vestígio humano. O antropólogo Ot Ordeig,  aplicando as mais recentes tecnologias, interrogará estes ossos para tentar compreender a causa da morte, como se alimentava, as doenças de que sofria, o seu lugar de origem e o  seu ADN.
Lucius /Lucy apareceu soterrado(a) sob as madeiras queimadas de uma das casas na área sul do local. Terá sido o impacto a causa da morte? Por enquanto é um mistério.
As campanhas anteriores revelaram que neste local os romanos lutaram contra os romanos. As cerâmicas e os restos de armamentos no interior das muralhas são romanos e os projécteis enviados do exterior também. Os sitiantes venceram esta batalha. Quais foram os conflitos entre os romanos na antiga Hispânia? Aqueles em que Júlio César e Pompeu lutaram pelo domínio político e militar do império. Pelo contexto podemos perceber que é César quem ataca, não pela evidência arqueológica, mas pela evidência documental, e esta poderá ter sido a batalha decisiva.
Uma das questões que continuam por responder: qual a razão pela qual César considerou necessário conquistar esta cidade. Uma das hipóteses é que Pompeu tinha cortado a via mais favorável à deslocação do exército de César (Via Augusta) e que Puig Ciutat (civitas romana em documentos medievais), sem ser o lugar mais central na Hispânia, correspondia a cinco hectares nas terras altas, com defesas naturais excelentes e, desta forma, seria útil para o controle do território.
Puig Ciutat
Escavações em Puig Ciutat. 
Ponta de lança em Puig Ciutat
Possivelmente uma ponta de pilum (lança)

25/07/2019

Fragmentos cerâmicos de Ateius na cidade romana de Ammaia

Nas escavações da cidade romana de Ammaia encontraram-se produtos das oficinas de Cneius Ateius, um dos grandes produtores e exportadores de loiça fina, marcada com os seus selos, por isso designada de sigillata (selo - sigilum), desde a Península Itálica (terra sigillata de tipo itálico - sigillatae italicae).
A oficina de Ateius, em Arretium (Arezzo), era uma das maiores empresas de olaria. Para ele trabalhavam 23 escravos especializados, confirmados pela Epigrafia. Presumivelmente, seriam mais tarde «libertos », depois de concedida a carta de alforria, e, ocasionalmente, formariam uma espécie de associação de que constavam as marcas de Zoilus, Zoe, Xanthai, Prisci, Ras, Hilarius. Dos numerosos oleiros fornecedores da Península Ibérica, naturais de Arezzo, estão documentados Cn. Ateius, P. Cornelius, M. Perennius, Rasinius.
Qual terá sido o percurso desta cerâmica fina, de cor vermelha-acastanhada e polida, que encontraram na cidade romana de Ammaia o seu consumidor final?
Fabricadas na península Itálica no século I d.C., foram encaixotadas e expedidas para a Península Ibérica, certamente, por via marítima. Descarregadas num qualquer porto lusitano, talvez Olisipo (atual Lisboa), talvez Salacia (atual Alcácer do Sal). Em qualquer destes locais conhecemos loiças da oficina de Cneius Ateius. A partir do porto deverá ter sido transportada em carroça ou no dorso de animais, reexpedidas para o interior do território. Diretamente para Ammaia ou, mais provavelmente, para uma qualquer outra cidade de onde, por sua vez, foram reencaminhadas para Ammaia.
A loiça de Ateius é conhecida em Augusta Emerita, a capital da Lusitânia, e é possível que fosse esta cidade o principal pólo de atracção destes artigos. Assim, como poderia ser também o principal centro de redistribuição nestes territórios interiores.
Tantas coisas nos podem dizer estes fragmentos cerâmicos.
Cneius Ateius
Fragmentos cerâmicos de Cneius Ateius descobertos na cidade romana de Ammaia
Cneius Ateius
Fragmentos cerâmicos de Cneius Ateius descobertos na cidade romana de Ammaia

13/07/2019

Marcas de arquiteto na cidade romana de Ammaia.

Projectar uma cidade romana de raiz era uma tarefa complexa, lançada pelos agrimensores, que definiam as grandes linhas viárias e as insulae (quarteirões), bem como os espaços públicos da cidade.
Mas, para lá das grandes linhas, havia também a realização das tarefas mais concretas, como seria a montagem de um pórtico com as suas colunas. Para estas tarefas, o arquitecto teria de dar e deixar instruções para quem devia executar o trabalho: são estas as marcas (ou guias) dos arquitectos. Com a obra acabada, estas marcas ficariam invisíveis. Mas, quando lidamos com ruínas, podemos ter a felicidade de as encontrar.
Aqui estão as marcas de arquitecto gravadas nos plintos das colunas do pórtico que flanqueava uma das ruas da cidade romana de Ammaia (freguesia de São Salvador da Aramenha, concelho de Marvão).

Ammaia foi fundada nos finais do século I a.C. e obteve o estatuto de «civitas» durante o reinado de Cláudio (no poder entre 41-54). Receberia o estatuto de município durante a época de Vespasiano (no poder entre 69-79). Desenvolveu-se como um importante núcleo urbano devido à sua localização e à exploração dos recursos minerais e naturais da região, como o quartzo e o ouro. Um outro factor determinante terá sido a sua localização num ponto de cruzamento de vias romanas que uniam importantes núcleos urbanos na altura, ligando uma dessas vias a de Ammaia à capital da província, Emerita Augusta.
Ammaia
Marcas de arquiteto na cidade de Ammaia

09/07/2019

Museu Machado de Castro integrado na área classificada como Património Mundial da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia

O Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra foi integrado na área classificada pela UNESCO como Património Mundial da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia.
A inclusão do Museu Nacional Machado de Castro na área classificada como Património Mundial, em 2013, foi decidida na 43.ª Sessão do Comité do Património da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Monumento nacional desde 1910, o espaço do museu foi centro administrativo, político e religioso na época romana, foi templo cristão, pelo menos desde o século XI e paço episcopal a partir da segunda metade do século XII.
Museu Machado de Castro
Museu Nacional Machado de Castro

04/07/2019

Morreu o historiador António Hespanha

O historiador António Manuel Hespanha nasceu em 1945, em Coimbra, cidade onde se licenciou, em 1967, obtendo posteriormente o doutoramento em História e Política Institucional Europeia, tendo defendido a tese As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal - séc. XVII (1986) sobre o sistema de poderes das monarquias tradicionais europeias.
Foi professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Nas suas obras, defendeu a existência de um pluralismo político e jurídico no Antigo Regime, contrariando a tendência para a excessiva valorização do papel da coroa. Mas também abordou o colonialismo e o império, como historiador e como presidente da Comissão Nacional paras as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.
Jurista de formação, investigou as práticas jurídicas e publicou vários livros dedicados à História do Direito, nomeadamente no Antigo Regime, antes das revoluções liberais.
Hespanha, António
António Hespanha (1945-2019)

Património megalítico do Alentejo abandonado

A acção do homem ou a ausência dela aceleram a degradação dos mais importantes vestígios pré-históricos da Península Ibérica que resistiram milhares de anos praticamente intactos. Concentrados em grande número no distrito de Évora há muito que deixaram de merecer a atenção da administração central. O «esquecimento» tem alimentado os alertas e os protestos das populações e dos autarcas locais, ao longo de décadas, contra a degradação do importante património megalítico da região.
Podemos salientar o monumento megalítico «Cromeleque dos Almendres», onde está o maior conjunto de dolmens e menires da Península Ibérica e um dos mais importantes da Europa.
No total são 98 megalitos com uma altura entre 1 e 2 metros, que desenham uma figura oval orientado de Este para Oeste. O monumento tem 80 metros de comprimento por 40 de largura. O cromeleque localiza-se próximo ao topo de uma encosta suave, voltada a leste, num monte de 413 metros de altitude, a cerca de 12 km a oeste da cidade de Évora. O conjunto foi descoberto em 1964 pelo investigador Henrique Leonor Pina, durante os trabalhos de mapeamento para a Carta Geológica de Portugal. Naquela altura foi realizada a limpeza da vegetação que ocupava o sítio e foram descobertos algumas peças de cerâmica e um machado de pedra polida.
Nas últimas décadas foram realizadas várias campanhas arqueológicas no local e grande parte dos monólitos, que se encontravam caídos, foram recolocados nas posições originais durante os trabalhos de recuperação.
No entanto, nos últimos anos nada se tem feito para preservar e proteger este património.
Almendres
Cromeleque dos Almendres