27/01/2014

Nova bibliografia relativa à I Guerra Mundial

Ainda há muitos livros a serem publicados sobre a I Guerra Mundial. Muitos deles com uma qualidade excepcional, não apenas por reorganizarem ou sintetizarem, de modo mais claro ou inovador, a vasta informação já existente sobre este momento central da história contemporânea, mas também por oferecerem interpretações originais.
É obrigatório começar por destacar os três volumes da Cambridge History of the First World War (2013), coordenados por um dos principais especialistas do tema, o excelente historiador Jay Winter (Universidade de Yale). Os três volumes oferecem uma erudita fusão entre síntese e novidade. Estamos perante o mais completo compêndio sobre o que interessa saber sobre a I Guerra Mundial: causas e origens, actores e consequências. De facto, nos seus 73 capítulos (sem contar com as introduções e os exaustivos ensaios bibliográficos) deparamo-nos com um sem-número de perspectivas críticas actualizadas e com uma série de novas interrogações e renovadas interpretações. A diversidade de temas, a pluralidade e a profundidade das análises, e a solidez das interpretações são impressionantes. O primeiro volume, intitulado Global War, parte da premissa de que uma “guerra global requer uma história global”. O que é cumprido com rigor e pormenor. O segundo volume, intitulado The State, centra-se na análise do impacto que o conflito teve nas instituições do Estado e na sua relação com a sociedade civil num contexto de sucessivos estados de excepção. O terceiro volume, intitulado Civil Society, oferece um riquíssimo conjunto de textos que ilumina o papel de várias instituições e práticas sociais no conflito mundial. Esta obra colectiva perdurará por certo como a obra de referência sobre este tema.
Igualmente rica é a Encyclopédie de la Grande Guerre, 1914-1918. Histoire et Culture (2004), publicada de novo, numa versão revista e aumentada, sob coordenação de Stéphane Audoin-Rouzeau e Jean-Jacques Becker. Trata-se de um instrumento de trabalho indispensável, com dezenas de textos escritos por especialistas de renome internacional. Temas como os do uso de armas químicas, o do uso de contingentes militares recrutados no interior dos impérios coloniais europeus, o das múltiplas formas de recusa de participação no conflito, o do papel dos intelectuais, entre muitos outros, são explorados com rigor e clareza.
O magnífico livro de Christopher Clark The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914 (2013) merece uma recomendação entusiástica. Informado, original e polémico, The Sleepwalkers consegue equilibrar uma lúcida análise do conjunto de causas estruturais que explicam a emergência do conflito — por exemplo, o sistema de alianças internacionais, as rivalidades imperiais, a excessiva militarização ou a natureza pouco democrática das sociedades envolvidas — com a difícil demonstração da irracionalidade político-diplomática predominante. Mobilizando um sólido conjunto de argumentos que devia ser obrigatoriamente lido por políticos, militares e “estrategos” de serviço, Clark mostra o papel central que as ilusões de grandeza, os erros de percepção e interpretação (baseados em escassa, apressada e mal apurada informação), as suposições infundadas (que muito ficam a dever à malfadada centralidade dos “especialistas” em cenários), os preconceitos e os estereótipos sobre os inimigos (em muito devedores dos mais ignaros racismo e xenofobia) ou a cultura do medo desempenharam. O sonambulismo tem custos imprevisíveis, e inaceitáveis. Como em muitos momentos históricos marcados pela aceitação da desumanidade — aprender a aceitar o desumano ficou mais fácil para muitos a partir desta altura —, é crucial interrogar a responsabilidade das “elites” envolvidas.
Uma reflexão erudita sobre o papel das elites políticas europeias, sobretudo sobre os seus processos de tomada de decisão, é precisamente o que nos oferece Margaret MacMillan, no esplêndido The War That Ended Peace: The Road to 1914 (2013), que deve ser lido em conjunto com o seu Paris 1919: Six Months That Changed the World (2003). A combinação de uma certa cultura de expectativa positiva face à guerra, de uma paranóia generalizada — sobre o outro, sobre a “degeneração” social e societal —, de uma megalomania institucionalizada (ainda por cima em sociedades crescentemente militarizadas), de um jingoísmo popular e ainda de um punhado de julgamentos e decisões mais do que questionáveis foi fatal. Uma coisa fica clara para MacMillan e para os que a lêem: a violência e a mortandade eram evitáveis, existiram responsáveis concretos, mas não culpados únicos.
Para os cultores da história contrafactual, que tanto tem de estimulante exercício intelectual como de perigoso instrumento de revisionismo histórico, recomendamos o livro de Richard Ned Lebow, Archduke Franz Ferdinand Lives!: A World without World War I (2014). Lebow oferece-nos vários mundos plausíveis partindo da supressão de um único dado histórico: o assassinato do arquiduque Francisco Fernando em Sarajevo, em 1914. Que mudanças significativas seriam plausíveis nas trajectórias biográficas de inúmeras personalidades da época e nos desenvolvimentos geopolíticos globais? Por exemplo, como pensar a inexistência de um Estado de Israel face à inexistência do Holocausto, face à inexistência do nacional-socialismo na Alemanha? The Plot Against America, de Philip Roth, talvez seja mais entusiasmante, mas o livro de Lebow constitui uma história alternativa que demonstra como pequenos acontecimentos (e pequenas irresponsabilidades) podem provocar consequências tão nefastas e duradouras como as que a I Guerra Mundial desencadeou.
Uma última nota de leitura sobre um livro que só será publicado em meados deste ano, mas que promete transformar-se num notável exemplo do modo como se pode repensar a história da I Guerra: Empires at War, 1911-1923, coordenado por Erez Manela e Robert Gerwarth. O objectivo é duplo: primeiro, redefinir a cronologia do conflito, da invasão italiana da Líbia até aos inúmeros e violentos conflitos que se prolongaram até 1923, na sequência da desagregação da Rússia Czarista e dos Impérios Austro-húngaro e Otomano; segundo, demonstrar que se tratou de um antagonismo global entre Estados-império e não entre Estados-nação. Pelo conjunto de contribuições a que já tivemos acesso, podemos garantir que esta obra rapidamente se tornará numa referência obrigatória para todos os que se interessam pelo período histórico.
 

Eugène Viollet-le-Duc no centenário do seu nascimento

Eugène Emannuel Viollet-le-Duc (Paris, França, 27 de Janeiro de 1814 - Lausanne, Suíça, 17 de Setembro de 1879) foi um arquitecto ligado à arquitectura revivalista do século XIX e um dos primeiros teóricos da preservação do património histórico. Pode ser considerado um precursor teórico da arquitectura moderna. O autor John Summerson considera-o, juntamente com Leon Battista Alberti, o maior teórico de arquitectura na história ocidental.
Le-Duc estudou arquitectura na Escola de Belas Artes de Paris, mas interrompeu os estudos devido ao carácter arquitectónico fechado em relação ao futuro que verificava no ensino. O seu trabalho foi desenvolvido sobretudo na área de restauro (catedrais e castelos medievais) por falta de encomenda de obras novas.
Da sua obra fazem parte desenhos de obras imaginárias (baseados na imagem medieval com recurso a meios de construção modernos) e também algumas obras completas de que são exemplo: Igreja de St. Denis de l’Estrée e a Casa de Henri Courmont. Escreveu também alguns livros: Ensaio sobre a arquitectura militar na Idade Média e Dicionário da arquitectura francesa do sec. XI ao sec. XVI.
A sua inclinação e o seu gosto arquitectónicos foram desde cedo para o Gótico, para ele o valor das obras medievais residia na sua honestidade em relação à expressão dos materiais e dos processos construtivos. Desta forma o Gótico ganhava importância em relação ao Classicismo pela comunicação de meios.
Como teórico estava interessado na procura de um estilo próprio para o sec. XIX, apostando assim nas novas técnicas de construção, e na importância da máquina (isto estava associado aos novos desenvolvimentos como a electricidade, o vapor, a velocidade, o ferro e outros novos materiais e técnicas).
O seu pensamento foi de certa forma visionário embora restrito às possibilidades de então. Previu a construção de arranha-céus: grandes estruturas de ferro revestidas a pedra.
Viollet-le-Duc
Eugène Viollet-le-Duc

23/01/2014

Um canguru pode provar que foram os portugueses a descobrir a Austrália?

Um Livro de orações do século XVI que mostra um pequeno canguru desenhado levanta a hipótese de os navegadores portugueses terem chegado à Austrália antes de 1606, ano da descoberta holandesa. O manuscrito português, que terá sido feito entre 1580 e 1620, mostra aquilo que parece ser um pequeno canguru numa das suas letras. Se for mesmo uma representação com 400 anos deste mamífero marsupial, o desenho sugere, escreve o diário britânico The Telegraph, que os exploradores portugueses chegaram à Austrália antes de Willem Janszoon, o navegador holandês a quem se atribui a descoberta, em 1606. O documento, que foi comprado recentemente pela galeria Les Enluminures, de Nova Iorque, que o avalia em 11 mil euros, a um negociante de livros antigos em Portugal, é um volume de orações, em tamanho de bolso, que pertencia a uma freira e inclui, na página em que o canguru aparece, a partitura de uma procissão litúrgica. Esta religiosa chamava-se, muito provavelmente, Catarina de Carvalho e vivia num convento nas Caldas da Rainha. Para Laura Light, investigadora da galeria, não há dúvidas da importância desta representação no que toca à reescrita da história. “O canguru num manuscrito tão antigo prova que o seu autor ou esteve na Austrália ou, ainda mais interessante, que relatos de viajantes e desenhos dos curiosos animais que podiam encontra-se neste novo mundo estavam já disponíveis em Portugal”, disse ao australiano The Age. Martin Woods, citado pelo mesmo jornal, é bem menos entusiasta. Para o conservador de mapas da biblioteca nacional australiana “pode tratar-se de outro animal do sudeste asiático, de uma das diversas espécies de veados que se apoiam nas patas traseiras para se alimentarem em ramos mais altos”. O desenho por si só não chega, diz, para reescrever a história. “Se estamos a desenhar um canguru uma das primeiras coisas que fazemos é a cauda”, que a ilustração em causa não tem, lembra ao diário britânico The Guardian. É claro que, sendo desenhado dentro de um “D” se pode argumentar que a cauda está escondida, reconhece Woods, acrescentando, no entanto, que seria natural que estivesse entrelaçada na letra.
“Creio que tudo isto é muito entusiasmante para quem já acredita que foram os portugueses a descobrir a Austrália mas, para quem não acredita nisso, este manuscrito não é assim tão estimulante”, conclui o especialista em mapas. Outros investigadores, escreve o Telegraph, defendem que o manuscrito pode ter sido feito logo após a descoberta de Janszoon ou ser produto de uma viagem portuguesa à Papua Nova Guiné. Entre eles está John Gascoigne, membro da Academia Australiana de Humanidades, para quem será preciso muito mais do que um desenho num livro de orações para provar que foram os portugueses os primeiros a chegar. A tarefa é difícil, salienta ao Age, porque neste período a coroa de Lisboa era extremamente sigilosa em relação às suas rotas marítimas – pormenor que Laura Light, da galeria nova-iorquina também sublinha, mas para sustentar a tese contrária – e porque muitos dos documentos que poderiam estar relacionados com esta descoberta terão sido destruídos no terramoto de 1755. Além disso, diz Gascoigne , “o intervalo possível de criação do documento vai até 1620, o que acomoda a data da chegada de Willem Janszoon e do seu Duyfken ao norte da Austrália”. Também ele acredita que o desenho pode ter decorrido da viagem à Papua, em 1526. Ainda que a descoberta holandesa esteja registada como a oficial, há já anos que os historiadores levantam a possibilidade de outros navegadores da Europa ocidental terem aportado à Austrália muito antes, com base em documentos variados, incluindo cartografia.
Lembra Light que algumas das “provas” mais recorrentes são precisamente mapas da década de 40 do século XVI, oferecidos ao rei Henrique VIII de Inglaterra, que mostram uma grande massa de terra abaixo da Indonésia e da Papua Nova Guiné. Peter Trickett, recorda o jornal australiano The Sydney Morning Herald, historiador e autor do popular Além de Capricórnio (editado em Portugal pela Caderno, em 2007), é um dos que alega que foram os navegadores portugueses os primeiros a mapear a costa australiana, em 1521-22, muito antes dos holandeses. É por isso que o académico diz que “não é nada surpreendente que a imagem de um canguru tenha aparecido em Portugal no final do século XVI”. No mesmo livro de orações surgem ainda dois desenhos, também dentro de letras, que representam figuras masculinas em trajes tribais, com o tronco nu e adornos de penas na cabeça. Laura Light acredita que são aborígenes.
canguru, Austrália
Imagem de manuscrito de Livro de Orações datado de c. 1580 a 1620.

20/01/2014

The national archives - diários de guerra

São publicados na internet a partir de 14 de janeiro mais de 1,5 milhões de páginas de diários e relatórios dos oficiais britânicos destacados na frente durante a Primeira Guerra Mundial. Cobrindo todo o conflito, de 1914 a 1918, esses relatórios descrevem em detalhes a guerra vivida por unidades do exército britânico. Ao virar uma página, o internauta também pode descobrir testemunhos sobre as condições e estados de espírito e o dia a dia desses homens em guerra. "Eu nunca passei e nunca imaginei que poderia passar 48 horas tão horríveis e apavorantes como aquelas que acabei de passar", relata o capitão James Patterson, nas trincheiras francesas, em 16 de setembro de 1914. "Enxames de alemães alcançaram o cume, onde estão recolhidos. Os nossos canhões atingem o grupo a 1.800 jardas (1.645 metros), visão de horror pelos binóculos. Vários corpos de alemães desmembrados". O diário de James Patterson, cuidadosamente digitado, relata os movimentos do Primeiro Batalhão dos South Wales Borderers e acaba brutalmente em 25 de outubro de 1914 com a morte do capitão, morto três meses após o início da guerra.
"Muitas pessoas acreditam que os diários de uma unidade militar se limitam a indicar o local, a data e as atividades dos soldados, mas há tantas histórias diferentes nesses relatórios", explicou William Spencer, especialista em arquivos militares. "Por meio da digitalização, podemos preservá-los para as gerações futuras, mas também torná-los disponíveis de uma forma diferente".
http://www.nationalarchives.gov.uk/first-world-war/centenary-unit-war-diaries.htm
Guerra das Trincheiras
Militares nas trincheiras na I Guerra Mundial

British Library disponibiliza um milhão de imagens na net

Com mais de um milhão de entradas, o repositório abrange os séculos XVII, XVIII e XIX. As imagens são provenientes de 65 mil obras e incluem fotografias, diagramas, ilustrações e mapas. A coleção abrange diversas áreas (história, política, ciência, natureza ou ficção) e já está disponível no Flickr . Dada a envergadura do projeto, os responsáveis admitem que o conhecimento sobre as obras ainda é escasso. Embora a coleção esteja na British Library (prestigiada biblioteca londrina) há séculos, parte da sua origem e história ainda é uma incógnita. No início de 2014, a British Library lançará uma aplicação de catalogação. Os utilizadores poderão documentar e agrupar as imagens, aumentando as informações disponíveis sobre elas. Os dados recolhidos serão incluídos em filtros de pesquisa e nas descrições de cada imagem.
British Library
Gravura da obra "Paris Monumental e Histórica desde a sua origem até 1789"


19/01/2014

Grutas de Altamira vão voltar a receber visitas

A decisão foi anunciada pela administração deste bem classificado Património Mundial da Humanidade (1985), e que conserva um dos mais importantes acervos de pinturas rupestres da Pré-História. Mas a reabertura vai ter um carácter experimental, e vai ser condicionada por rigorosas medidas de segurança. O objectivo é avaliar o impacto da presença humana na integridade das pinturas que remontam ao Paleolítico Superior. A partir do próximo mês de Fevereiro e, em princípio, até Agosto, o Museu Nacional e Centro de Investigação de Altamira vai organizar um ciclo de visitas, abertas a cinco pessoas (mais um guia) de cada vez, uma vez por semana. Ao todo, serão 192 os contemplados com esta oportunidade rara de admirar ao vivo este património, que continua a ser a principal atracção turística de Santillana del Mar, na Cantábria – mesmo se os visitantes têm actualmente apenas ao seu dispor uma réplica do conjunto rupestre na chamada Caverna Nova de Altamira. A escolha dos felizes contemplados será feita de forma aleatória. E as visitas, que não poderão durar muito mais que meia hora, serão sujeitas a um rigoroso protocolo: os visitantes serão obrigados a usar um impermeável, gorro, luvas, máscara e calçado, tudo disponibilizado pelo museu. No final, em simultâneo com um registo documental dos serviços do museu, os serão também convidados a preencher um formulário. O objectivo do museu é medir o impacto das visitas e da presença humana na temperatura do ar e da rocha, a humidade, a contaminação microbiológica e os níveis de CO2, entre outros indicadores. No final deste ciclo experimental de visitas, os responsáveis avaliarão o que fazer a seguir. E como resolver o conflito entre quem, como o Conselho Superior de Investigação Científica, desaconselha fortemente a reabertura das grutas ao público, e os responsáveis políticos e do turismo da Cantábria, que vêm defendendo que as Grutas de Altamira são um activo turístico, cultural e económico que a região não pode desperdiçar mantendo-as fechadas a visitas.
Pintura rupestre do Paleolítico
Pinturas rupestres da Gruta de Altamira


16/01/2014

Reação da Bodleian Library da Universidade de Oxford à solicitação da devolução do saque do 2.º conde de Essex

Booker conta que conheceu em 2007 uma inglesa, a quem trata apenas pelo nome próprio Dorothy, que já então andava a tentar convencer a Bodleian Library a devolver os livros saqueados por Essex em Faro. Dorothy cedeu a Booker as cartas que recebeu de um responsável da biblioteca de Oxford, nas quais este defende que a devolução generalizada de peças como estas levaria a que as bibliotecas e museus em todo o mundo entrassem num período de tumulto. Lembrando que os séculos XVI e XVII assistiram a grandes convulsões políticas, o bibliotecário, cujo nome Booker não cita, recorda que algumas das obras da biblioteca original de Oxford estão hoje em São Petersburgo ou em Roma. E conclui (na transcrição de Booker): “Se virmos estes volumes como parte de uma vasta colecção europeia, não pode ter importância em que zona da Europa estão, desde que sejam bem preservados, que a sua localização seja conhecida e que estejam disponíveis para consulta". É claro que, estando assegurado que os livros disporiam de idênticas condições em Faro, se poderia observar que o mesmo argumento, na sua indiferença por comezinhas questões de propriedade, deveria levar os responsáveis pela Bodleian Library a considerar que não havia nenhum motivo importante para os manter em Oxford. Embora a biblioteca não pareça ter disponível no seu site uma lista dos livros provenientes da colecção do bispo, a consulta dos catálogos de incunábulos permite ir encontrando alguns, como uma compilação de obras de Guilelmus Alvernus – ou seja, o teólogo e filósofo escolástico Guillaume d’Auvergne (c.1180-1249), bispo de Paris –, cuja “encadernação do século XVI” tem gravadas, reza a respectiva descrição, “as armas de Fernando Martins Mascarenhas, bispo de Faro, às quais foi sobreposto, em ambas as capas, o brasão da Bodleian Library”.  Outro exemplo é o das Visiones de Cataldus Parisius Siculus, um humanista siciliano que viveu e ensinou em Portugal a partir dos finais do século XV. O livro foi impresso em Lisboa, em 1500, pelo impressor e tradutor Valentim Fernandes, natural da Morávia. Chegado a Portugal em 1495, Fernandes, editor do livro de Marco Polo e correspondente de Albrecht Dürer, foi uma das figuras mais importantes dos primórdios do livro impresso em Portugal. Para lá da relevância da obra, este é um caso interessante por se tratar de um volume que não exibe as armas do bispo, mas que, mesmo assim, os próprios bibliotecários de Oxford admitem que possa ter-lhe pertencido. Os registos de doações indicam que a Bodleian terá recebido dois exemplares deste livro, mas apenas um chegou ao presente. E não se sabe se o que se conserva foi comprado com o auxílio de uma mecenas, Alice Chamberlain, ou se é “o exemplar de Fernando Martins Mascarenhas, bispo de Faro, doado por Robert Devereux”.
Oxford
Interior da Bodleian Library em Oxford


O ataque à cidade de Faro em 1596

Quando se dá o ataque do 2.º conde de Essex, Robert Devereux (1566-1601), Faro era cidade há pouco mais de meio século, por foral de D. João III, e só em 1577 recebera a sede do bispado algarvio, até então localizada em Silves. Portugal estava submetido, desde 1580, à coroa espanhola, o que recomenda que se avalie este episódio no contexto do conflito entre Inglaterra e Espanha, que tivera um momento marcante em 1588 com a derrota da chamada Armada Invencível de Filipe II, e que iria prolongar-se pelos primeiros anos do século XVII. O que não invalida o facto de Essex ser mais um corsário do que propriamente um oficial devotado ao cumprimento escrupuloso das ordens da rainha. Este aventureiro quinhentista foi, durante muito tempo, o favorito de Isabel I e, embora esta tivesse mais 34 anos do que ele, os historiadores acreditam que terá sido também seu amante. Indisciplinado por natureza, a rainha tratava-o com indulgência, mas Essex irritou-a ao casar-se sem a sua bênção, e voltou a irritá-la quando assinou, sem autorização, uma trégua com o líder da sublevação irlandesa. A gota de água foi a tentativa de golpe de Estado que o conde liderou em 1601, tentando tomar Londres. O facto de em tempos lhe ter dado o seu coração, não impediu Isabel de lhe reclamar a cabeça: Robert Devereux foi a última pessoa a ser decapitada na torre de Londres. E tendo em conta que só em 1600 doou a Thomas Bodley os livros que roubara no Algarve, foi uma sorte que a valiosa coleção do bispo acabasse na biblioteca de Oxford. Se Essex tivesse esperado um pouco mais, não se sabe que destino poderia ter tido o espólio de um aristocrata caído em desgraça e executado. Juntamente com o conde de Nottingham, Devereux liderou as tropas que desembarcaram perto de Faro, na barra então chamada Ferrobilhas, no dia 23 de Julho de 1596. Os ingleses dirigiram-se à cidade, que encontraram mal defendida, já que boa parte da guarnição fora enviada a reforçar as defesas de Lagos. Depois de ter conseguido um valiosíssimo saque em Cádis, que atacara no início desse mesmo mês de Julho, Essex ficou deveras desapontado com a pouca riqueza que encontrou em Faro, e terá sido por isso que, irritado, mandou atear uma série de fogos, que destruíram igrejas e conventos e deixaram a cidade em muito mau estado. Neste contexto também foi o responsável pelo saque das ilhas do Faial e S. Miguel no arquipélago dos Açores.
Robert Devereux
Robert Devereux (1566-1601). 2.º Conde de Essex.


O caso da biblioteca que o conde inglês roubou ao bispo do Algarve (1596)

A Associação Faro 1540 aprovou por unanimidade a decisão de pedir à Universidade de Oxford que devolva a importante coleção de incunábulos que pertenceu ao bispo do Algarve D. Fernando Martins Mascarenhas, saqueada do Paço Episcopal, em 1596, pelo aristocrata e corsário inglês Robert Devereux, 2.º conde de Essex. Além de pedir a devolução da biblioteca do bispo, constituída por 65 títulos (num total de 91 volumes, 43 desses títulos seriam obras de carácter teológico – oito dos quais relativos a S. Tomás de Aquino – e 18 teriam natureza jurídica), a associação solicita ainda o regresso do único exemplar conhecido daquela que será a mais antiga obra impressa em Portugal: uma versão hebraica do Pentateuco (compilação dos primeiros cinco livros da Bíblia) impressa em Faro, no ano de 1487, pelo tipógrafo judeu Samuel Gacon. O dito exemplar está hoje na British Library, a biblioteca nacional do Reino Unido, e Bruno Lage, presidente da associação, admite que o volume possa ter integrado o saque do conde de Essex, ainda que reconheça não existirem provas que confirmem essa hipótese.  Num extenso artigo dedicado ao episódio do saque da biblioteca do bispo do Algarve, publicado no site da Algarve History Association, Peter Kingdon Booker, um inglês residente em Portugal, adianta que, além destes 65 títulos, que ostentam as armas do bispo gravadas a ouro, a biblioteca de Oxford possui ainda um outro livro e um manuscrito que apresentam dedicatórias a D. Fernando Martins Mascarenhas. Também estes foram doados por Essex ao seu amigo Thomas Bodley, que estava então a refundar a biblioteca da universidade inglesa, pelo que não há grandes dúvidas de que terão sido pilhados na mesma ocasião.

Samuel Gacon
O Pentateuco de Gacon foi concluído em 30 de Junho de 1487. Trata-se de um impressão em 110 fólios, com composição de 30 – 32 linhas.
O prototipógrafo Gacon utilizou tipos metálicos móveis com caracteres hebraicos, letras quadradas e elegantes, de dois tamanhos, sendo a maior usada no texto e a outra, mais larga, nas rubricas.



09/01/2014

Einstein

Albert Einstein (Ulm, 1879 — Princeton, 1955) foi um físico teórico alemão que desenvolveu a teoria da relatividade geral, um dos dois pilares da física moderna (ao lado da mecânica quântica). Embora mais conhecido pela sua fórmula de equivalência massa-energia, E = mc2 (que foi chamada de "a equação mais famosa do mundo"), foi laureado com o Prémio Nobel de Física de 1921. No início de sua carreira acreditava que a mecânica newtoniana não era suficiente para reconciliar as leis da mecânica clássica com as leis do campo eletromagnético. Isto o levou ao desenvolvimento da teoria da relatividade especial. Einstein percebeu, no entanto, que o princípio da relatividade também poderia ser estendido para campos gravitacionais, e com a sua posterior teoria da gravitação (1916), publicou um artigo sobre a teoria da relatividade geral. Continuou a lidar com problemas da mecânica estatística e teoria quântica, o que levou às suas explicações sobre a teoria das partículas e o movimento browniano. Também investigou as propriedades térmicas da luz, o que lançou as bases da teoria dos fóton da luz. Em 1917 aplicou a teoria da relatividade geral para modelar a estrutura do universo como um todo. Einstein estava nos Estados Unidos quando Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha, em 1933, e não voltou para a Alemanha, onde tinha sido professor da Academia de Ciências de Berlim. Na véspera da Segunda Guerra Mundial, alertou o presidente Roosevelt que a Alemanha poderia estar a desenvolver uma arma atómica, recomendando aos Estados Unidos começar uma pesquisa semelhante (Projeto Manhattan). Mais tarde, com o filósofo britânico Bertrand Russell, assinou o Manifesto Russell-Einstein, que destacava o perigo das armas nucleares. Foi afiliado ao Instituto de Estudos Avançados de Princeton até sua morte tendo publicado mais de 300 trabalhos científicos.
Albert Einstein
Albert Einstein

04/01/2014

Josefa de Óbidos

Josefa de Óbidos (Sevilha, 1630 — Óbidos, 1684), foi uma pintora que viveu e produziu a sua obra em Portugal. Filha de Baltazar Gomes Figueira, pintor português natural de Óbidos, com obra em Évora, que fora trabalhar em Sevilha, onde veio a desposar D. Catarina de Ayala Camacho Cabrera Romero, natural da Andaluzia. Em 1634 os pais de Josefa regressam a Portugal, morando na Quinta da Chapeleira, em Óbidos, quando a menina já tinha seis anos de idade. Ali se educou, manifestando desde cedo, vocação para a pintura e para a gravura em metal, em lâminas de cobre e prata, num género denominado como pontinho. Foi especialista na pintura de flores, frutas e objectos inanimados (naturezas mortas). Influenciada pela estética do barroco foi uma artista com interesses diversificados, tendo-se dedicado, além da pintura, à estampa, à gravura, à modelagem do barro, ao desenho de figurinos, de tecidos, de acessórios vários e a arranjos florais. Em 1653 fez a gravura da edição dos Estatutos de Coimbra. Trabalhou em seguida como pintora para diversos conventos e igrejas. Na Capela do Noviciado do Convento de Varatojo havia uma excelente Nossa Senhora das Dores e, no coro, um Menino Jesus, quadros que lhe são atribuídos. Havia quadros seus no Mosteiro de Alcobaça, no Mosteiro da Batalha, em Vale Bem-Feito no Mosteiro de São Jerónimo, em Évora, onde existe um Cordeiro engrinaldado de flores, que passa por ser um dos seus melhores trabalhos. Como retratista da Família Real Portuguesa, destacam-se os seus retratos da rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboia, esposa de D. Pedro II, e de sua filha, a princesa D. Isabel, que foi noiva de Vítor Amadeu, duque de Saboia, a quem esse retrato foi enviado.
Natividade
Natividade (c. 1669)

Incêndio destruiu pintura de Josefa de Óbidos

Um incêndio no Convento do Buçaco destruiu uma obra da pintora portuguesa Josefa de Óbidos, uma Sagrada Família datada de 1664. O incêndio que consumiu esta tela barroca deu-se na noite de Natal, a 24 de Dezembro, e terá sido causado por um curto-circuito na instalação eléctrica da igreja.
Para o historiador de arte Vítor Serrão, com a destruição da Sagrada Família fica "um buraco negro no contexto da obra de Josefa de Óbidos". A pintura, numa estimativa muito por alto, valerá "no mínimo" 40 mil euros, uma vez que uma Natividade foi vendida por um valor semelhante pela leiloeira Cabral Moncada ainda este ano. "Esta é a primeira de um grande conjunto de telas maiores onde a artista vai desenvolver um reportório estilístico extremamente individual nos modelos, no tratamento dos panejamentos ou nas glórias angelicais." Este historiador de arte diz ainda que o culminar dessa série é o retábulo que fez para o Convento de Carmelitas Descalças de Cascais e que hoje está na igreja matriz da vila.
Sagrada Família 1664
Sagrada Família (1664) da autoria de Josefa de Óbidos

01/01/2014

Paul Cézanne

Paul Cézanne (Aix-en-Provence, 19 de janeiro de 1839 — 22 de outubro de 1906) foi um pintor pós-impressionista francês, cujo trabalho forneceu as bases da transição das concepções do fazer artístico do século XIX para a arte radicalmente inovadora do século XX. Cézanne pode ser considerado como a ponte entre o impressionismo do final do século XIX e o cubismo do início do século XX. A frase atribuída a Matisse e a Picasso, de que Cézanne "é o pai de todos nós", deve ser levada em conta. Após uma fase inicial dedicada aos temas próprios da escola romântica, Paul Cézanne criou um estilo próprio, influenciado por Delacroix. Introduziu nas suas obras distorções formais e alterações de perspectiva em benefício da composição ou para ressaltar o volume e peso dos objetos. Concebeu a cor de um modo sem precedentes, definindo diferentes volumes que foram essenciais para suas composições únicas. Cézanne observava na natureza as suas formas fundamentais: a esfera, o cilindro e o cone. Cézanne dedicava-se ao tema da paisagem e à representação de naturezas mortas, mas também pintou figuras humanas em grupo e retratos. Antes de começar as suas paisagens estudava-as e analisava os seus valores plásticos, reduzindo-as depois a diferentes volumes e planos que traçava à base de pinceladas paralelas. Árvores, casas e demais elementos da paisagem subordinam-se à unidade de composição. As suas paisagens são subtilmente geométricas. Cézanne pintou sobretudo a sua Provença natal (O Golfo de Marselha e as célebres versões sucessivas de O Monte de Sainte-Victoire). Nas suas numerosas naturezas mortas, tipicamente compostas por maçãs, levava a cabo uma exploração formal exaustiva de onde surgirá o cubismo no início do século XX.

Retrato comprado por 480 euros era um Van Dyck que vale 480 mil

O padre britânico Jamie McLeod gostou da moldura dourada e comprou-a numa loja de antiguidades, dando pouca importância ao retrato de um homem barbudo que ela guardava. Custou-lhe 400 libras (480 euros). Agora, depois de uma visita da pintura ao programa de televisão Antiques Roadshow, que a BBC leva pelo Reino Unido para avaliar antiguidades que os espectadores tenham em casa, concluiu-se que era uma “obra-prima” do mestre flamengo Anton Van Dyck e que vale perto de 480 mil euros. A moldura que tanto entusiasmou o padre ostentava uma placa com a letra A. Van Dyck. Segundo o diário Independent, pensava-se que seria uma falsificação de um Van Dyck.
O retrato em causa é de um magistrado de Bruxelas e pensa-se que seria um estudo de Van Dyck quando preparava em 1634 uma obra de maior dimensão que deveria representar sete magistrados mas que foi destruída mais tarde. Christopher Brown descreve a pintura agora descoberta como “um exemplo arrebatador” da mestria do pintor flamengo como retratista, exímio na observação directa, cita a Reuters. Van Dyck era um dos pintores residentes da corte inglesa no século XVII, talvez o mais importante da sua época, e retratou, entre outros, o rei Carlos I.
Pintura flamenga
Programa da BBC ajudou a descobrir uma "obra-prima" do séc. XVII.