24/05/2017

Graecopithecus freybergi: dois fósseis problematizam a origem da linhagem humana em África

Fósseis encontrados na Grécia e na Bulgária de uma criatura parecida com um símio que viveu há 7,2 milhões de anos podem ter alterado de forma fundamental a nossa compreensão sobre a origem humana, lançando dúvidas sobre o facto de a linhagem evolutiva que conduziu até nós ter surgido em África. Segundo uma equipa internacional de cientistas, a criatura, com o nome científico Graecopithecus freybergi e de que se tem apenas uma mandíbula inferior e um dente isolado, pode ser o membro mais antigo conhecido da linhagem humana iniciada depois de ter ocorrido a separação evolutiva da linhagem que levou aos chimpanzés, os nossos parentes mais próximos.
A mandíbula, que tem dentes, foi desenterrada em 1944, perto de Atenas. E o dente isolado, um pré-molar, foi encontrado no Sul da Bulgária, em 2009. Os investigadores examinaram os ossos com tecnologias sofisticadas, incluindo tomografia computorizada, e determinaram a sua idade através da datação das rochas sedimentares onde os fósseis foram encontrados. E descobriram, segundo o trabalho que foi publicado em dois artigos na revista Plos One, que o desenvolvimento da raiz dos dentes tinha características humanas que não se observam nos chimpanzés e nos seus antepassados, o que coloca o Graecopithecus dentro da linhagem humana, conhecida como hominídeos. Até agora, o hominídeo mais antigo conhecido era o Sahelanthropus, que viveu entre há seis e sete milhões de anos no Chade. Há muito tempo que o consenso científico aponta para que os hominídeos tenham tido origem em África. Tendo em conta que o Graecopithecus é dos Balcãs, a região Leste do Mediterrâneo pode ter assim dado origem à linhagem humana, diz a equipa de investigadores, coordenada por Madelaine Böhme (da Universidade de Tubinga, na Alemanha) e Nikolai Spassov (da Academia Búlgara de Ciências). A descoberta de forma alguma põe em causa que a nossa espécie, o Homo sapiens, apareceu primeiro em África, há cerca de 200 mil anos. e depois migrou para outras partes do mundo.
Graecopithecus freybergi
A mandíbula do Graecopithecus freybergi.Wolfgang Gerber/Universidade de Tubinga.
Graecopithecus freybergi
O dente pré-molar do Graecopithecus freybergi.Wolfgang Gerber/Universidade de Tubinga.

10/05/2017

Sepulturas dos primeiros colonos do Neolítico na Península Ibérica

Os restos de seis pessoas, pertencentes aos primeiros colonos do período Neolítico, foram encontrados juntamente com objectos domésticos e animais no depósito arqueológico da Gruta Bonica, em Espanha.
Foram identificados 98 ossos humanos, que correspondem a um mínimo de seis indivíduos de diferentes idades, desde os três aos 35 anos, e que incluem pelo menos duas mulheres. A partir de um estudo do ADN do dente de uma destas mulheres do Neolítico, os investigadores confirmaram dados que já conheciam, como a intolerância destas populações à lactose e terem a pele clara, os olhos castanhos e o cabelo escuro. Os primeiros agricultores da Península Ibérica – entre os quais se encontram os restos descobertos – chegaram à região há 7400 anos. A singularidade desta descoberta é que foram encontrados restos humanos com objectos domésticos, permitindo relacionar a cultura material com algumas práticas agrícolas desta população. Junto aos restos humanos, encontrados em Vallirana, na região de Barcelona, apareceram também vestígios de animais, principalmente cabras e ovelhas, e ornamentos, assim como ferramentas de pedra de sílex e cristal de quartzo. E, ainda, fragmentos de cerâmica dos mais antigos documentados na Península Ibérica. Esta descoberta fornece novos dados sobre como eram os rituais de enterramento dos cadáveres e trata-se da primeira prova de inumações colectivas. Foi possível observar que as práticas funerárias são muito heterogéneas, ainda que seja frequente encontrar restos desarticulados junto a objectos domésticos, possivelmente porque os corpos foram depositados em covas sem enterramento ou foram removidos.
Arqueologia Neolítico
Trabalhos de escavação arqueológica na Gruta Bonica.

Balsa - vestígios romanos ameaçados por projeto de agricultura intensiva

A Zona Especial de Protecção (ZEP) da cidade romana de Balsa, em Tavira, vai ser alargada para uma área quase quatro vezes superior à existente. Ao mesmo tempo, é pedida a revisão da classificação para Sítio de Interesse Público. Esta medida, destinada a preservar a estação arqueológica, surge na sequência da polémica desencadeada há cerca de dois anos, quando a empresa Luz Export pretendeu desenvolver um projecto agrícola, com estufas implantadas em cima da antiga cidade romana.
Balsa foi uma importante cidade romana — talvez a mais importante do país —, que existiu na freguesia de Luz (Tavira), nos terrenos litorais hoje designados por Torre d’Aires, Antas e Arroio. Foi descoberta no século XIX mas está em larga medida por estudar. Mas sabe-se que por lá subsistem vestígios de necrópoles, uma parte habitacional, edifícios com mosaicos, balneários, tanques de salga de peixe, cerâmica e moedas.
A empresa, pertencente a um grupo espanhol que desenvolve projectos agrícolas em Huelva, acatou a sugestão feita pela DRA para que fosse feito um levantamento georeferenciado da estação arqueológica, destinado a avaliar a amplitude e importância histórica do local. O custo da investigação, que ascende a 40 mil euros, foi assumido pelos promotores agrícolas. Agora, a Direcção-Geral do Património Cultural, com base nos novos elementos recolhidos sobre a antiga cidade romana, abriu o procedimento para que seja alargada a ZEP que tinha sido delimitada em 2011, propondo simultaneamente a revisão da categoria para Sítio de Interesse Público.
Busto de senhora romana Museu de Évora
Busto, descoberto na área que correspondeu à cidade romana de Balsa, com o retrato de uma senhora com um penteado característico usado pela imperatriz Faustina Maior, esposa de Antonino Pio, datado no segundo terço do século II d.C.

05/05/2017

Descobertos documentos que estavam encondidos na Sé Nova desde 1759

Os embrulhos descobertos num altar da Sé Nova de Coimbra durante os trabalhos de restauro realizados em 2016 contêm documentos que podem acrescentar novos capítulos à história dos Jesuítas em Portugal. No interior do altar da Coroação de Nossa Senhora, do lado esquerdo do monumento, foram encontrados dois códices, um conjunto de cartas e uma bolsa com embrulhos de pano identificados com o nome do António Vasconcelos, o padre que os escondeu.
As cartas, algumas da autoria de Inácio de Loyola, Francisco Xavier ou João de Polanco, são dos tempos fundacionais da Companhia de Jesus. Nos embrulhos constavam documentos que vão desde 1542, pouco depois da criação da Companhia de Jesus, até 1759, na véspera da sua expulsão de Portugal, num ano em que o Colégio de Jesus, adjacente ao edifício da Sé Nova, foi cercado. Os documentos vêm trazer mais informações sobre este período de perseguição pombalina, uma vez que os mais recentes datam de Agosto e Setembro de 1759, quando a ordem de expulsão foi decretada a 3 de Setembro.
O actual pároco da Sé Nova, Sertório Martins, conta que foi uma descoberta inesperada, uma vez que já tinham sido restaurados outros altares e retábulos sem que tivesse sido feito qualquer achado. Mas há cerca de um ano, ao introduzir o aspirador naquela coluna para fazer a limpeza, sentia-se um obstáculo. O «obstáculo» eram documentos históricos, alguns com 400 anos e entre os quais estavam também manuscritos da obra Clavis Prophetarum, do Padre António Vieira, em excelente estado de conservação.
António Vasconcelos escondeu ainda um códice ligado ao padre Francisco Soares Lusitano, com o nome Controvérsia Filosófica e Religiosa. Mas o conteúdo dos escritos não se resume a questões teológicas ou de fé. No códice exploram-se questões como o poder do papa, votos e juramentos, justiça e direito («a validade de contratos celebrados no calor da fúria»), sobre o aborto e homicídio ou sobre matrimónio («se os surdos-mudos de nascença podem contrair matrimónio válido»).
Entre os documentos estavam também manuscritos e epístolas do próprio António Vasconcelos, sobre o qual ainda pouco se sabe. Há correspondência pessoal e alegações de um processo matrimonial em que tomou a defesa de uma familiar. Mas o jesuíta deixou também no altar um caderno de valor precioso para a história das circunstâncias sociais e políticas do reino. Cousas notáveis sucedidas em Portugal desde o ano 1750 até ao ano… é o título de crónicas do quotidiano escritas pelo jesuíta. As reticências são indicador de que o texto permanecia inacabado quando foi escondido à pressa, antes de os Jesuítas serem retirados do colégio e exilados.
O acervo ainda está em processo de inventariação. As cartas ainda não foram todas examinadas”, pelo que ainda não é possível saber o que já foi publicado e o que nunca foi. Para que a correspondência circulasse efetivamente as cartas eram escritas em diversas cópias. No entanto, para pelo menos uma das cartas é autógrafa: a missiva de Inácio de Loyola ao mestre Simão Rodrigues datada de 1545, em que o fundador da companhia concede ao responsável jesuíta português autorização para ir a Roma.
É através do trabalho de António Trigueiros, investigador na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que ainda é possível seguir o rasto de António Vasconcelos, um nome que até agora estava no anonimato. António Trigueiros, que escreveu uma tese de doutoramento sobre os jesuítas portugueses no exílio no período pombalino e pós-pombalino, tem uma base de dados com os nomes dos 1104 expatriados e encontrou o padre entre os seus registos.
Nascido em 1727 num lugar que hoje pertence à freguesia do Juncal, concelho de Porto de Mós, António Vasconcelos estava na Companhia de Jesus desde 1742 e tinha 32 anos quando foi exilado para Itália. O primeiro registo nesse país é de 1760, no Colégio de Sezze, a Sul da capital. Morreu em Licenza, também na província de Roma, em 1801, onde estaria desde 1773, quando o Papa Clemente XVI decretou a extinção da Ordem dos Jesuítas. Mais informação sobre o religioso português poderá ser encontrada à medida que a investigação for avançando, através da análise da sua correspondência, guardada em arquivos entre Lisboa e Roma.
Os documentos escondidos por António Vasconcelos em 1759 deverão começar a ser digitalizados em Setembro e ficarão depois disponíveis no portal Cesareia, o catálogo coletivo das bibliotecas eclesiais portuguesas. A descoberta destes documentos permite contar a história não pela pena dos vencedores, mas pela pena dos vencidos.

No interior do altar da Coroação de Nossa Senhora, do lado esquerdo do monumento, foram encontrados dois códices, um conjunto de cartas e uma bolsa com embrulhos de pano identificados com o nome do padre António Vasconcelos.

Conjunto de cartas encontradas na Sé Nova.

Manuscritos da obra Clavis Prophetarum, do Padre António Vieira, em excelente estado de conservação.