29/04/2017

Acto de vandalismo por cima de uma das figuras mais icónicas do Vale do Côa

Fundação Côa Parque já reportou ao Ministério Público o ato de vandalismo de que foi alvo a rocha 2 de Piscos, famosa mundialmente pela sua importante figuração humana com mais de dez mil anos. O Homem de Piscos é a mais emblemática representação antropomórfica daquelas que foram identificadas no Vale do Côa. Não está num dos três sítios em que se realizam as visitas públicas, mas é também visitada por vezes, e é uma figura suficientemente divulgada e conhecida. Os danos infligidos ao Homem de Piscos são irreversíveis, já que as inscrições foram feitas com um fragmento de xisto, que de resto foi deixado no local.
Quando um técnico de manutenção foi cortar a erva para se poder aceder às rochas, deu por uma bicicleta desenhada ao lado do chamado Homem de Piscos, uma das gravuras mais icónicas do Vale do Côa. Para além da tal bicicleta, por cima da cabeça da figura humana mais icónica do Côa e da arte paleolítica mundial, há também algumas inscrições.

Vale do Côa vandalismo
O Homem de Piscos é a mais emblemática representação antropomórfica nas gravuras do Vale do Côa.


24/04/2017

A pena de morte foi abolida em Portugal há 150 anos

No dia 16 de Março de 1842, estava o condenado Matos Lobo de frente para o rio Tejo com a corda ao pescoço, preparado para a sentença que lhe fora aplicada pelo homicídio cometido, quando se dá “um incidente singular”, segundo relatam cronistas da época. «O prior de Marvão procura reconfortar o condenado, mas, subitamente, cai morto. Fulminara-o uma apoplexia. Eleva-se um grande clamor na multidão e o corpo do sacerdote é imediatamente retirado na cadeira onde viera o condenado». Assim conta o Diário de Lisboa, em 1922, recordando aquela que foi a derradeira execução da pena capital em Lisboa.
Vinte e cinco anos depois, em 1867, a pena de morte era oficialmente abolida em Portugal. O ataque sofrido pelo padre que se preparava para assistir à execução de Matos Lobo mostra como este tipo de acontecimento já chocava a população portuguesa.
Portugal é tradicionalmente apresentado como o primeiro país a abolir a pena de morte. Na verdade, o Grão-Ducado da Toscânia tinha já acabado oficialmente com as execuções em 1786, tornando-se no primeiro Estado soberano europeu a fazê-lo de forma permanente. No entanto, a decisão aprovada pelos parlamentares portugueses e promulgada pelo rei D. Luís tornou-se num marco na História europeia. O movimento abolicionista na Europa em meados do século XIX era já assinalável. O escritor francês Victor Hugo, por exemplo, era um dos mais ardentes defensores do fim da pena capital e chegou a declarar que «a Europa imitará Portugal».
O caminho não foi fácil. Antes de 1867 foram várias as ocasiões que a Câmara dos Deputados discutiu o assunto, sem conseguir reunir consenso. O sentimento dominante entre a elite política e intelectual portuguesa era favorável à  abolição da pena de morte, mas a tentação de a manter na lei como forma dissuasora era superior. Mas a abolição acabou por ser aprovada na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Pares, apenas com duas abstenções e dois votos contra.
Quando passam 150 anos da promulgação régia, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, onde está guardada a carta assinada por D. Luís, decidiu organizar um conjunto de iniciativas ao longo deste ano. O objectivo é olhar para o «pioneirismo» português nesta matéria com um «orgulho fundamentado» em que é dado a conhecer o contexto da discussão.
D. Luís aboliu a pena de morte.
Uma das folhas do decreto real, assinado pelo rei D. Luís, abolindo a pena de morte.

11/04/2017

Faleceu Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017)

Maria Helena da Rocha Pereira (1925- 2017) é um caso exemplar de uma paixão pela Grécia clássica que se traduziu num trabalho de enorme alcance, no domínio da tradução, da edição e dos estudos da cultura e da literatura.
Formou-se em filologia clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1947. Foi bolseira do Instituto de Alta Cultura na Universidade de Oxford, onde foi discípula de E. R. Dodds, Rudolf Pfeiffer e John Beazley. Concluiu o seu doutoramento em Letras na Universidade de Coimbra em 1956, com a tese Concepções helénicas de felicidade no além: de Homero a Platão.
Entre 1948 e 1957 foi professora de latim e depois de grego antigo no Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Porto. Em 1951 tornou-se segundo assistente de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde faria a sua carreira universitária. No ano de 1964 tornou-se professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra com a cadeira de Literatura Grega. Entre 1965 e 1966 foi diretora do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra e entre 1991 e 1995 diretora do Instituto de Estudos Clássicos desta mesma universidade. Foi também diretora das revistas Humanitas e Biblos. Jubilou-se em 1995.
A sua obra conta com mais de trezentos títulos, entre traduções, monografias e artigos enciclopédicos. É particularmente conhecida pela obra Estudos de História da Cultura Clássica (dois volumes), obra adptada em Portugal nas licenciaturas da área da literatura e da história. Foi também autora de uma obra sobre os vasos gregos em Portugal, um dos seus campos de estudo. Publicou livros sobre autores clássicos, em especial sobre os gregos Platão, Anacreonte, Píndaro e Pausânias.
Faleceu na madrugada do dia 10 de abril, na casa da família, no Porto.

Foi durante décadas o rosto dos Estudos Clássicos em Portugal. Deixa uma obra vastíssima e um exemplo de determinação e rigor. As suas traduções das grandes tragédias gregas são uma referência, assim como os trabalhos que fez à volta da literatura portuguesa.

Pereceu a Mestre ímpar dos Estudos Clássicos em Portugal, mas a sua obra, o seu exemplo de dedicação incondicional, os seus generosos ensinamentos jamais perecerão.

«A ti não te está destinado, ó Menelau, vindo de Zeus,
Morrer em Argos criadora de cavalos, nem encontrar o teu fim.
Mas os imortais te mandarão para a Planura Elísia,
No extremo da terra, onde está o louro Radamanto.
Aí se oferece aos homens uma vida fácil.
Não neva, não há grande invernia, nem chuva,
Mas as brisas do Zéfiro sopram sempre ligeiras,
Vindas do Oceano, para refrescar os homens.
Isto porque possuis Helena, e para eles és genro de Zeus».

Homero, Odisseia, 4.561-569, em tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.

Rocha Pereira
Maria Helena da Rocha Pereira fotografada em 2001.