28/09/2017

Vergílio Correia (1888-1944)

Realiza-se na Torre do Tombo [TT] um encontro de especialistas:  «jornada de conferências Vergílio Correia (1888-1944): Um percurso ímpar na história, na cultura e nas artes».
Vergílio Correia, um dos arqueólogos que descobriu a cidade romana de Conímbriga, foi professor em Coimbra e deixou mais de 40 livros publicados e dezenas de artigos em jornais e revistas de que foi fundador, director ou simplesmente colaborador, como a Águia, a Terra Portuguesa, Arte e Arqueologia e o Diário de Coimbra.
Vergílio Correia: Um olhar fotográfico, mostra esquissos, desenhos, diários de campo, cartas, livros, artigos e um núcleo de cerca de 30 fotografias feitas por este republicano convicto, reputado antropólogo e historiador de arte, entre 1929 e 1934, núcleo em que se sobressai a sua preocupação em documentar o trabalho de camponeses, operários e artesãos. O acervo exposto permite voltar a olhar para o seu percurso singular e resulta da combinação de dois arquivos relativos ao académico de Coimbra: o que pertence ao Centro de Estudos Vergílio Correia, em Condeixa-a-Nova, em que se destacam quase mil negativos em vidro que até há bem pouco tempo estavam nas mãos da família e que estão hoje a ser estudados por Miguel Pessoa e Lino Rodrigo; e o que a TT comprou na primeira metade da década de 2000, que foi recentemente disponibilizado ao público e cujos fundos a investigadora Vera Mariz e o historiador de arte Vítor Serrão começaram a explorar há pouco mais de um ano.
Nascido na Régua em 1888, Vergílio Correia forma-se em Direito por pressão familiar e chega a trabalhar um ano como notário, profissão que abandona de imediato para consagrar a vida ao conhecimento, contribuindo para a formação de gerações enquanto professor na Universidade de Coimbra e dedicando-se à escrita em áreas menosprezadas por muitos (como as artes decorativas e as artes populares), e a inventários e museus (foi conservador de Arte Antiga e director do Machado de Castro). Intelectual sem actividade política, mas acérrimo defensor dos valores republicanos da liberdade e do acesso à educação e à cultura, maçon e agnóstico, chegou a estar preso no Aljube oito dias quando, no começo da década de 1930, foi acusado de apoiar o comandante Aragão e Melo, opositor à ditadura, e de dar abrigo a um refugiado político. À data da prisão já era director do Museu Machado de Castro e um académico respeitado.
Sem deixar de escrever sobre o tear ou o carro de bois, na história de arte deixou obra em temáticas diversas, da tumulária gótica à talha barroca, passando pela escultura e a pintura do Renascimento, a acrescentar aos dois volumes do Inventário Artístico de Portugal a que esteve ligado e em que a fotografia desempenha um papel primordial (escreve o grosso do tomo dedicado ao Distrito de Coimbra, mas é o seu colaborador directo, António Nogueira Gonçalves, quem escreve o da Cidade de Coimbra). Editados pela Academia Nacional de Belas Artes, no âmbito de um programa de levantamento de todo o território que começa a ser desenhado em 1938, os volumes do Inventário têm em Vergílio Correia um dos primeiros autores. O seu trabalho é o resultado de campanhas concretizadas com notável dedicação por um homem de uma cultura superior que dominava, de modo invulgar, a História da Arte, a Arqueologia ou a Etnografia, sem esquecer a Fotografia. E para o provar basta constatar, acrescenta, como em apenas um trimestre de 1939, Correia e o irmão, seu colaborador, fazem 900 registos de monumentos e obras de interesse arqueológico, artístico ou histórico, percorrendo 1500 quilómetros.
Quando morreu, aos 55 anos, na sequência de uma queda do eléctrico, em Coimbra, tinha o ano todo planeado, incluindo uma viagem a Itália. Estava empenhado em dar continuidade ao Inventário Artístico de Portugal e, muito provavelmente, ainda não desistira de escrever uma grande monografia sobre Conímbriga. Não é por acaso que o escritor Miguel Torga, no seu Diário, lhe chama «Vergílio dos Cacos».
Professor Vergílio Correia
Vergílio Correia (Peso da Régua, 19 de Outubro de 1888 – Coimbra, 3 de Junho de 1944).

26/09/2017

Será Pedro Ataíde o navegador Cristóvão Colombo?

Cristóvão Colombo transformou-se num homem com mil caras. Já foi um tecelão genovês, um bastardo português, grego ou espanhol, catalão ou galego e muitos outros estrangeiros num só homem. A confusão é imensa e o próprio Cristóvão não ajudou. Ele que nunca quis que se falasse nas suas origens e que nunca assinou o seu nome em nenhum documento.
Fernando Branco mergulhou numa história com séculos que é um dos mais intrigantes mistérios da época dos Descobrimentos. Em 2012 escreveu um livro com o título Cristóvão Colón, Nobre Português. O investigador defende que o navegador foi um corsário português chamado Pedro Ataíde, apresentando mais de meia centena de pontos comuns entre os dois. Actualmente, espera apenas uma autorização para abrir os túmulos da família dos Ataídes, em Castanheira do Ribatejo (Vila Franca de Xira). As análises ao ADN, que serão da responsabilidade da antropóloga forense Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, podem provar que estava correcto ou desmenti-lo. Desde há muito tempo que historiadores e investigadores discutem sobre as origens do navegador que descobriu as Américas. Até hoje, não foi encontrada nenhuma prova ou documento que não deixe, pelo menos, uma pequena margem para dúvidas.
Na biografia Historia del almirante Don Cristóbal Colón escrita pelo seu filho Fernando (ou Hernando), esconde-se a sua origem. O filho de Colombo justifica que o pai não queria que se soubesse onde nasceu. O mais importante seriam os seus feitos na História. O espaço em branco imposto pelo próprio Cristóvão Colombo acabou por ser preenchido com a narrativa mais popular de que será italiano, mais especificamente um genovês nascido em 1451. Mas a versão que prevaleceu está longe de ser consensual. Fernando Branco considera que esse Cristóvão Colombo genovês [Cristoforo Colombo] era um tecelão, sempre foi um tecelão e não pode, de maneira nenhuma, ser o almirante porque se conhecem as histórias de ambos.
Mas se não era genovês, era o quê?
Mascarenhas Barreto defende que Cristóvão Colombo foi um filho bastardo de D. Fernando, irmão de D. Afonso V. Mas, considera Fernando Branco, não há documento nenhum que prove que o D. Fernando tenha tido um bastardo.
Existem outras teorias. A hipótese de um luso-americano, Manuel Rosa, defende que houve um imperador da Polónia ou Lituânia que a história diz que morreu numa batalha contra os turcos mas que ele diz que, afinal, não morreu, mas que veio para Portugal e teve um filho chamado Segismundo que terá nascido em Cuba, no Alentejo. De acordo com esta teoria este filho seria Cristóvão Colombo.
Existe também a teoria dos irmãos Mattos e Silva que dizem que era mais um filho bastardo de uma irmã de D. Afonso V. Ou a versão do livro de Manuel Luciano da Silva e da sua mulher, Sílvia Jorge da Silva, que coloca o navegador a nascer em Cuba, no Alentejo, e que inspirou o filme de Manoel de Oliveira: Cristóvão Colombo, o enigma.
Fernando Branco quando iniciou a investigação começou por definir quais eram as coisas-base que essa personagem, se fosse português, tinha de ter. E há, à partida, uma coisa que é muito importante. Cristóvão Colombo teve dois irmãos. Assim, quando pensamos num Cristóvão Colombo português, temos de arranjar, pelo menos, três pessoas. Além dos irmãos é também preciso encontrar alguém que tem uma história de mar significativa. Tem ainda de ser uma pessoa ligada à nobreza. As principais famílias de nobreza estão todas representadas no tecto do palácio de Sintra, onde estão todos os brasões daquela altura. Um destes brasões há-de estar ligado ao Cristóvão Colombo. Tem de ser solteiro ou viúvo em 1479 porque é o ano em que casa com a sua esposa portuguesa. E com estas pistas, Fernando Branco procurou um “suspeito”. Há um texto escrito por um historiador dos reis católicos, um professor catedrático em Salamanca, que diz claramente num livro que quem descobriu a América foi um indivíduo chamado Pedro Colón. Eis o Pedro. A referência à existência de um Pedro Colón é feita por mais historiadores, de Gaspar Frutuoso a Diogo do Couto (que escreveu com João de Barros as Décadas da Ásia). Procurando Pedro Colón, só encontrou um documento que o refere. É um corsário que aparece numa folha de pagamentos do D. Afonso V. Existem crónicas que dão Pedro Colón como morto numa violenta batalha nas águas do mar, a sul de Portugal, em Agosto de 1476, e que ficou conhecida como Batalha de S. Vicente. Mas Fernando Branco acredita que o tal corsário não morreu ali, que se salvou a nado. Rui de Pina (cronista que descreveu esta batalha), por alguma razão, ou se enganou ou mentiu, mas é muito estranho que no preciso instante em que desaparece um Pedro Colón nasce um Cristóvão Colombo.
Fernando Branco considera que o livro que escreveu foi sobre a vida deste Pedro Ataíde. Era um indivíduo da alta nobreza, descendente de almirantes portugueses. Afirma ter encontrado sessenta indícios comuns entre a vida deste Pedro Ataíde e a vida do Cristóvão Colombo. Por exemplo: O Cristóvão Colombo, quando regressa da América da primeira viagem, pára na ilha de Santa Maria, nos Açores, onde estava um indivíduo que o conhecia muito bem e que se chamava João da Castanheira. Colombo escreve esta informação no seu diário. Como é que o conhecia? Ora, o João da Castanheira era o senhor João da povoação da Castanheira [Castanheira do Ribatejo}, que é a terra dos Ataídes.
Fernando Branco tem mais argumentos para sustentar a sua hipótese. Mas, tal como muito outros historiadores, não tem qualquer documento que sirva de prova. Faltam documentos e por isso é preciso juntar peças de um puzzle construído com crónicas escritas há séculos, cartas supostamente escritas pelo navegador ou a ele dirigidas e muita imaginação. Em Portugal, confirma o investigador, não há um único documento que refira o Cristóvão Colombo.
Agora, o plano é usar o resultado de análises feitas a uma parte dos ossos que pertencerão a Cristóvão Colombo e que estarão guardados em Sevilha e comparar estes dados com exames ao ADN dos esqueletos que estão na Quinta de Santo António, em Castanheira do Ribatejo, onde a família dos Ataídes os enterrou. Do Pedro Ataíde não existe esqueleto, nem ADN, nem nada. Porque ele ou se transformou em Cristóvão Colombo e está em Sevilha ou ficou no fundo do mar durante a Batalha de S. Vicente. Mas podemos vir a ter o ADN de um tio dele por via masculina ou de um primo direito, uns Ataídes que estão no panteão dos Ataídes em Castanheira do Ribatejo.
Fernando Branco vai tentar obter o ADN de António Ataíde (que seria primo direito de Pedro) e de Alvaro Ataíde (tio) e comparar com o ADN de Fernando, filho do Cristóvão Colombo. O processo até conseguir a autorização da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para abrir os túmulos daquela família é uma longa história. A abertura do túmulo é um processo extremamente complexo. Basicamente é uma caixa, mas tem em cima três tampas sobrepostas e cada uma pesa quase uma tonelada. Foi preciso fazer alterações ao projecto que obrigaram a um novo pedido dirigido à DGPC. Agora só falta esta derradeira autorização para abrir o túmulo, algo que Fernando Branco espera que aconteça no próximo mês de Outubro. Com o túmulo fechado com três pesadas tampas em cima, está tudo em aberto. Não sabemos o que lá está nem como está. A análise depende disso. Os corpos podem estar esqueletizados, mumificados, fragmentados, reduzidos a fragmentos. Pode haver vestígios de roupas e/ou objectos. Será determinado o número de indivíduos presentes no túmulo e feita a sua individualização. Posteriormente, cada um será analisado com vista ao conhecimento do sexo, idade à morte, origem geográfica e estatura. Também será efectuada a perscrutação de eventuais doenças.
No entanto, a análise pode ser inviabilizada pela fragmentação extrema dos ossos ou a má preservação dos restos humanos. Também pode ser possível recolher ossos masculinos e com um perfil idêntico ao esperado e não se conseguir extrair material genético. Neste caso não se conseguiria uma resposta para a hipótese formulada. Se o túmulo estiver vazio, também não.
Se reconstruir um passado já parece um exercício tão complexo, não adianta sequer tentar fazer qualquer previsão de futuro. A única coisa que parece certa é que a discussão sobre as origens de Cristóvão Colombo vai continuar e que este navegador liderou a frota conhecida pela descoberta da América, como nos contam os nossos livros de História. Ou será que também isso é discutível? No seu túmulo em Sevilha, Cristóvão Colombo terá deixado um pedido por escrito: “Espero não ser confundido eternamente”.
Retrato de Colombo e sua assinatura
Retrato de Cristóvão Colombo e a sua assinatura encriptada.
Convento de Santo António - Castanheira do Ribatejo
Convento de Santo António em Castanheira do Ribatejo
Capela em Castanheira do Ribatejo
Capela da família Ataíde em Castanheira do Ribatejo.

20/09/2017

Necrópole romana em Beja

 Na cidade de Beja foi descoberta, em junho de 2017, uma necrópole romana com 14 sepulturas e 3 sarcófagos,estas últimas estruturas funerárias raras nesta região, durante os trabalhos de requalificação da rua que dá acesso à antiga zona industrial da cidade. Estão datados de entre os séculos II e V da nossa era. Algumas ainda preservam esqueletos com uma estatura média de 1,60 metros, com excepção de um indivíduo com cerca de 1,80 metros e uma constituição óssea que indicia estar-se perante alguém que desenvolveu esforços físicos continuados.
No interior dos sarcófagos, revestidos a placas de mármore com três centímetros de espessura, não foi encontrado espólio da época romana. No interior das sepulturas e dos sarcófagos foram encontrados alguns esqueletos remexidos e revolvidos, presumindo-se que a vandalização da necrópole tenha ocorrido há muitos séculos. A sua disposição apresenta enterramentos com os pés virados para Este e cabeça para Oeste, e encontram-se distanciados entre si de forma regular. A necrópole tem dois núcleos diferenciados. Num dos sarcófagos pode observar-se um buraco aberto no tecto da estrutura por onde terá sido consumada a vandalização dos despojos humanos, pormenor que explicará a ausência de espólio que geralmente acompanhava a deposição dos corpos na altura do seu enterramento. Para além do impacto (aluimento de componentes estruturais) provocado, durante décadas, pelo tráfego de viaturas pesadas que utilizavam a rua da Lavoura por esta dar acesso a uma zona industrial de moagem de cereais, algumas das sepulturas e sarcófagos agora descobertos foram parcialmente destruídos pelas máquinas que intervieram no talude onde se encontra a necrópole romana. A área que poderá estar ocupada por enterramentos tem uma extensão calculada entre quatro a cinco hectares. Da sua existência naquele local já existem registos que remontam a 1892. O jornal O Bejense refere o aparecimento de um marco funerário no largo da Igreja de Ao Pé de Cruz, a cerca de 300 metros do local onde agora se descobriu a necrópole romana. Nesse local, foi identificada uma sepultura coberta interiormente com placas de mármore e apresentando uma métrica e aparelho construtivo muito semelhante a um dos sarcófagos agora descobertos. Em 2003, é a vez da arqueóloga Conceição Lopes identificar, na sua tese de doutoramento, a existência de uma necrópole romana junto à estação de caminhos-de-ferro de Beja, nas proximidades da Rua da Lavoura. Mais recentemente, em 2016, no decurso da requalificação de uma rua que termina no Largo da Estação, foram identificados alguns restos osteológicos dispersos.
Alguns elementos do espólio funerário recolhido nas escavações arqueológicas realizadas na necrópole romana da Rua da Lavoura em Beja. Todos estes materiais estão em fase de restauro e estudo.
Esqueleto num dos sarcófagos.
Moeda de Vespasiano (71-72 d.C.) - sepultura 5.
Boião em vidro (séculos I-II d.C.) - sepultura 20.
Copo em vidro (séculos I-II d.C.) - sepultura 20.
Skyphos em vidro (séculos I-II d.C.) - sepultura 20.
Lucerna (séculos I-II d.C.) - sepultura 20.
Pote de barro (séculos I-II d.C.) - sepultura 20.

A Ponte Romana de Vila Formosa

Situa-se sobre a Ribeira de Seda e constitui um excepcional exemplar de arquitectura civil alto-imperial.
Fazia parte da via romana que passava por Abelterium (Alter do Chão) que ligava Olisipo (Lisboa) à capital da província romana da Lusitânia - Augusta Emerita (Merida, Espanha).
A Ponte Romana de Vila Formosa caracteriza-se por possuir pegões rectangulares, decorados com molduras de características clássicas, que suportam seis arcos de abertura idêntica, sobre os quais assenta um tabuleiro de perfil horizontal com mais de 100 metros de comprimento e cerca de 7 metros de largura.
Entre os arcos existem cinco olhais que permitem o escoamento da água em situações de cheias mais violentas. Abaixo das guardas, a ponte apresenta uma cornija em todo o seu comprimento, elemento que a montante intercala com gárgulas.
A regularidade que apresenta, o aparelho de construção, em opus quadratum almofadado, e as marcas do fórfex, visíveis em todo o monumento [fórfex ou fórfice é um instrumento em forma de tesoura ou pinça e estas marcas são pequenas cavidades em lados opostos, que permitiam a entrada do fórfex para levantamento e colocação dos blocos usados nas pontes], fazem da Ponte Romana de Vila Formosa um excelente exemplar da arquitectura civil romana.
Ponte Romana de Vila Formosa.
A Ponte Romana de Vila Formosa - pormenor do opus quadratum almofadado.

A Ponte Romana de Vila Formosa - entre os arcos os olhais que permitem o escoamento da água.

A Ponte Romana de Vila Formosa - marcas do forfex.