30/10/2015

Adoração dos Magos, pintura de Domingos Sequeira

A campanha só agora começou, mas isso não impediu o director do Museu Nacional de Arte Antiga de já lhe ter reservado um lugar nas futuras galerias. A Adoração dos Magos, que integra um conjunto de quatro óleos a que os historiadores se referem como o “testamento” de Domingos António de Sequeira, vai ter a seu lado outras obras deste que é um dos mais importantes pintores portugueses do século XIX. Lá estarão a Alegoria à Constituição, a Coroação da Virgem, o Retrato da Família do 1.º Visconde de Santarém e o do conde de Farrobo, assim como uma das pinturas que o artista fez quando, regressado dos seus primeiros anos em Roma, achou que o meio cultural português era demasiado pequeno e que o melhor mesmo era tornar-se monge na Cartuxa de Laveiras.
“Se vamos arriscar uma campanha como esta, inédita no país, temos de ser optimistas. E eu sou um optimista congénito”, diz António Filipe Pimentel, director de Arte Antiga. “Até já encomendámos a tabela da obra”, com a respectiva legenda e informação adicional. A campanha a que se refere destina-se a comprar a pintura Adoração dos Magos por 600 mil euros a um privado, descendente do primeiro duque de Palmela, e pretende atrair grandes e pequenos mecenas. Será a primeira do género em Portugal, embora seja prática comum em vários países há décadas. A ideia, explica, é envolver a sociedade civil na aquisição de uma “obra absolutamente excepcional” para o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), a sua “casa natural”, já que Sequeira (1768-1837) é o artista mais representado na sua colecção – 45 pinturas, embora 23 sejam esboços mais ou menos acabados, e 760 desenhos, mais de metade dos que lhe são hoje atribuídos (1417).
Quando António Filipe Pimentel chegou à direcção do MNAA, em 2010, já se discutia – e preparava – a compra da Adoração dos Magos (1828) desde o ano anterior. O seu dono, que prefere manter o anonimato, manifestara a intenção de a vender e disponibilizava-se a fazê-lo directamente ao museu, privando-se do valor mais alto que poderia atingir no mercado de leilões, sobretudo o português, já que, no estrangeiro, lembra Isabel Cordeiro, técnica do MNAA e antiga directora-geral do património, “Sequeira é muito pouco conhecido” e, por isso, não alimentaria grandes disputas. Seiscentos mil euros, garante o director do MNAA, é uma cifra definitiva, que não foi sujeita a qualquer negociação. Porquê este preço? É o valor pelo qual a obra foi segurada à data da última exposição que integrou (D. João VI e o seu tempo), no Palácio Nacional da Ajuda, em 1999, explica Pimentel. “É um preço com mais de 15 anos. Estou convencido de que no mercado nacional encontraria facilmente comprador e é muito provável que atingisse um valor mais elevado. O facto de o proprietário insistir que fique aqui é um acto de generosidade, de cidadania. É preciso não esquecer que o dono desta Adoração está à espera de a vender há seis anos. Tem estado à nossa espera.”
A relevância desta compra para o museu não tem a ver com valores de mercado, que dependem sempre das circunstâncias, sublinha Cordeiro, defendendo que o que interessa é o peso simbólico que a pintura tem para Portugal e para a colecção do MNAA. “Trata-se de uma obra de grande qualidade de um dos maiores pintores portugueses do século XIX, para muitas pessoas o maior. É vital para dar coerência e força ao discurso do museu sobre a pintura portuguesa, que começa um pouco antes dos Painéis de São Vicente [c.1470] e acaba em meados do XIX. Esta obra vem preencher uma lacuna, uma cratera, fechando com uma peça-chave a história que as galerias novas vão contar [a partir de 2016].”
Essa “lacuna” diz respeito à fase final de Sequeira – os últimos anos em Roma, de intensa experimentação – que, com a Adoração, passaria a estar representada “ao mais alto nível”. É impossível falar da sua carreira, argumenta Pimentel, sem nos demorarmos neste testamento que tem um “lado de exegese muito grande”, um “sentido profundo de fim”.
A pintura que o MNAA quer agora comprar faz parte da chamada “série Palmela”, um conjunto de quatro telas sobre a vida de Cristo (todas com 100X140cm) – Descida da Cruz, Adoração dos Magos, Ascensão e Juízo Final –, que terão sido executadas entre 1827 e o começo da década de 1830 (o que se sabe ao certo é que, devido à doença que o deixou física e mentalmente incapaz, em 1833 Sequeira já não trabalhava e que o óleo do Juízo, o último, está inacabado). As obras foram compradas por D. Pedro de Sousa Holstein, duque de Palmela, à filha do artista, em 1845, e estão ainda hoje nas mãos dos seus descendentes (estiveram todas no MNAA na última exposição ali dedicada ao artista, em 1997).
“Começa aqui a compra das quatro”, brinca Pimentel, sem deixar de sublinhar que basta que cada português contribua com seis cêntimos para que a Adoração passe a ser um privilégio de todos – e não apenas de alguns. “Se tudo correr bem, daqui a seis meses só nos faltarão três.”
Também Alexandra Markl, conservadora de desenho do MNAA e autora de uma tese de doutoramento sobre Sequeira (2013), gostaria de ver toda a “série Palmela” a título permanente nas paredes do museu. Em primeiro lugar, pela qualidade pictórica, em segundo pela coerência que é capaz de imprimir ao discurso da própria colecção. Sequeira é, lembra, um pintor formado na melhor tradição, que vive num tempo de profundas transformações, em que o neoclassicismo está a chegar ao fim, em que os artistas procuram novos caminhos e o romantismo dá os primeiros passos.
“Esta Adoração, tal como a Descida, é uma obra nocturna, com muitas figuras. Tem uma luz mística, intimista, e uma paleta quente. Faz lembrar Rembrandt [pintor holandês do século XVII]”, diz Alexandra Markl. “Ela é um epílogo natural para a história da pintura antiga portuguesa que começamos a contar um pouco antes dos Painéis de S. Vicente. E porquê? Porque ela vem do passado mas está à procura de algo que é inteiramente novo.”
Como se tudo isto não bastasse para justificar a compra da Adoração, Markl lembra que o museu tem já dezenas dos desenhos preparatórios e os quatro cartões da série (estudos finais para as pinturas), resgatados dos cofres do Montepio de Roma, em 1859, pelo marquês de Sousa Holstein (1838-1878), filho do primeiro duque de Palmela e autor de uma biografia, possivelmente inacabada e hoje desaparecida, de Sequeira. Quando a colecção da família foi a leilão, 20 anos mais tarde, estes cartões foram comprados para a Real Academia de Belas-Artes, integrando depois o acervo do MNAA. “Estes cartões provam que Sequeira era um mestre do desenho, muitíssimo ousado e inovador. Provam também que o tratamento da luz tem uma importância absolutamente central na sua produção, sobretudo nos trabalhos finais.”
Desenhador exímio, pintor talentoso, Domingos Sequeira fez a sua formação em Portugal e em Itália, trabalhou para príncipes, aristocratas e burgueses, e chegou a pintor régio, no meio de um percurso tantas vezes conturbado que incluiu um breve período de vida monástica, acusações de colaboracionismo (com os franceses das Invasões) e até a prisão, na noite de Natal de 1808. Liberal entusiasta, acabou por optar pelo exílio em 1823, vivendo em Paris os três anos seguintes e em Roma, que conhecia bem como estudante de pintura, a última década de vida. Controverso, impulsivo e pouco disciplinado quando se tratava de ensinar – assim o descreve Markl – Sequeira trabalha muito, procurando sempre aperfeiçoar-se e, nos últimos anos em Roma, entrando no debate sobre o futuro da pintura a que a comunidade artística se dedicava.
“O bom Domingos Sequeira é certamente dos bons pintores da Europa do seu tempo”, defende Pimentel, citando como obras de referência, além da Adoração dos Magos e das restantes da “série Palmela”, o Retrato da família do 1.º Visconde de Santarém ou os do conde de Farrobo e de João Baptista Verde, amigo e cunhado do artista.
O “capital simbólico” desta Adoração dos Magos, precisa Raquel Henriques da Silva, prende-se com a importância do seu autor para a história da arte portuguesa e com as características da própria pintura, e prende-se também com as circunstâncias da sua aquisição no século XIX e com o lugar que ocupa no percurso de Domingos Sequeira. “É uma obra de uma qualidade pictórica absolutamente extraordinária. O acerto entre o tema e a sua execução é primoroso, com as figuras a dissolverem-se sob a acção da luz. É de uma grande modernidade, transformadora, e foi comprada para uma colecção que fez história na arte portuguesa, a dos Palmela.” A modernidade a que se refere tem como referente, no passado, Rembrandt, e, no tempo de Sequeira, William Turner (1775-1851). Tal como Francisco de Goya (1746-1828), diz Raquel Henriques da Silva, Sequeira passou de artista do Antigo Regime a pintor da revolução, viveu uma guerra civil, foi perseguido e emigrou por motivos políticos. “Nos tempos que vivemos hoje, a história do Sequeira é fácil de passar, mesmo a um público que não o conheça e que não morre por isso. É uma boa altura para falar nele e esta campanha é também uma oportunidade de levar as pessoas a descobrirem uma obra que vale mesmo a pena, de que se podem orgulhar.” A professora universitária lembra ainda que acções deste tipo, até aqui inéditas em Portugal, são prática comum noutros países e defende que o envolvimento dos cidadãos deve vir depois da intervenção do próprio Estado: “Quando falamos da possibilidade de comprar para Arte Antiga um tesouro como este, o Estado deve dar o exemplo e dar o exemplo significa ser o primeiro subscritor da campanha. Dar o exemplo não é chegar no fim e, caso a campanha tenha ficado aquém do objectivo, pôr o dinheiro que falta.” Acrescenta esta académica que, por princípio, a participação estatal não deve ser inferior a um terço do custo da obra a adquirir. “Um terço é o mínimo, sem isso não há credibilidade, não há como o Estado esperar que o comum dos cidadãos faça da compra de uma pintura de um artista de quem até poderá nunca ter ouvido falar uma causa sua.” O que tem acontecido nos últimos tempos, é que, sem uma estratégia de aquisições, a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) tem reagido ao mercado sempre em cima da hora. Ainda que reconheça que, apesar de tudo, tem feito algumas compras, houve pelo menos um caso em que “acordou tarde de mais”: O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar, ícone da pintura neo-realista portuguesa, que foi leiloada em Maio por 350 mil euros e que agora faz parte da colecção do Centro de Arte Manuel de Brito, “em vez de estar no Museu do Chiado”.
João Fernandes, director-adjunto do Museu Rainha Sofia, em Madrid, classifica a campanha para a compra da Adoração como uma "iniciativa interessante de cidadania" mas, tal como José Luís Porfírio, crítico e antigo director do MNAA, alerta para o facto de ela não isentar o Estado de assumir as suas responsabilidades. “O ónus não pode recair apenas sobre os cidadãos e a participação do Estado é um indicador de que a obra vale a pena”, diz Fernandes, que dirigiu o Museu de Serralves, no Porto, e que é uma das figuras públicas que participam nos vídeos da campanha, a par do artista plástico Julião Sarmento ou da fadista Carminho. Se deve pôr uma verba à disposição do museu à cabeça ou chegar no fim da campanha “é indiferente, desde que participe”.
António Filipe Pimentel não avança detalhes sobre uma eventual participação da SEC na aquisição da pintura, mas garante que “a tutela está a fazer um esforço” e lembra que, apesar das enormes contingências orçamentais, as compras para os museus portugueses aumentaram a partir de 2012 e já contemplaram, mais do que uma vez, o MNAA, embora com obras longe do valor desta Adoração (o Tríptico de Santa Clara, 30 mil euros; uma papeleira do século XVIII, 20 mil; e uma pintura do maneirista espanhol Francisco Venegas, 22 mil).
Optimista, uma vez mais, Pimentel acredita que, no final, muitos mais conhecerão Sequeira e que a resposta dos portugueses ao repto “seja mecenas por um euro ou por 100 mil” vai ser adequada à importância da Adoração. “Temos de ser nós, todos nós, a fazer dos museus lugares onde vale a pena ir, onde vale a pena estar. E a boa pintura, uma obra-prima como esta, torna os museus melhores.”
Adoração dos Magos de Domingos Sequeira.

Antepassado de humanos e grandes símios terá sido mais parecido com um… gibão

A ideia de que o último antepassado comum a grandes e pequenos símios era grande foi abalada pelo estudo dos restos fósseis de um pequeno primata descoberto em Espanha.
Em meados do Mioceno – há mais de dez milhões de anos – na actual província de Barcelona, a zona hoje ocupada pela freguesia de Els Hostalets de Pierola era de floresta cerrada. O clima húmido e quente que lá reinava – e a abundância de pontos de água fresca – favoreciam a diversidade da fauna.
Hoje, a riqueza dos fósseis que têm vindo a ser encontrados naquela zona nos últimos 13 anos – mais precisamente num conjunto de escavações arqueológicas realizadas no Aterro de Can Mata – atestam da riqueza daquela antiga vida animal.
Era ali que vivia, há 11,6 milhões de anos, um pequeno primata, hoje extinto – um trepador lento e cauteloso, dotado de uma grande flexibilidade de movimento e de alguma capacidade de se pendurar dos ramos, que comia fruta madura –, e cujos restos fósseis foram descobertos em 2011. Agora, o estudo da morfologia desse primata – publicado na revista Science pela equipa de Salvador Moyà-Solà, da Universidade Autónoma de Barcelona – vem não só definir uma nova espécie de primatas, como também pôr em causa certas ideias feitas acerca das primeiras fases da evolução dos hominídeos. Mais precisamente, segundo os autores, os seus resultados permitem concluir que o último antepassado comum aos hominídeos e aos gibões actuais não tinha bem o aspecto que se pensava. A nova espécie foi baptizada Pliobates cataloniae.
Os hominídeos actuais incluem os grandes símios (chimpanzés, gorilas e orangotangos) e os humanos. E na árvore da vida, o ramo que daria origem aos hominídeos terá divergido do ramo dos símios mais pequenos, dos quais os gibões são os representantes actuais, há uns 17 milhões de anos, explica em comunicado a Associação Americana para o Avanço da Ciência, editora da Science.
Como terá sido o mais recente antepassado comum a grandes e pequenos símios? O registo fóssil, muito incompleto, sugeria até agora que o tamanho corporal daquele antepassado estaria mais próximo do dos grandes símios. É justamente essa visão que a descoberta agora anunciada veio, segundo os autores do estudo, radicalmente alterar. Até aqui, a maioria dos cientistas pensava que, como todos os fósseis de [símios] descobertos eram de grande tamanho, o último antepassado comum aos gibões e aos hominídeos tinha tido, ele também, um corpo grande. Mas esta descoberta vira tudo ao contrário. De facto, surge assim um símio, até aqui desconhecido, que, apesar de ter vivido milhões de anos depois da suposta divergência entre grandes e pequenos símios era claramente muito pequeno. Pesava entre quatro e cinco quilos e tinha um tamanho comparável ao dos mais pequenos gibões actuais. É a primeira vez que um fóssil de primata desse tamanho apresenta um conjunto de características comuns aos hominídeos e gibões, presumivelmente herdados do último antepassado comum a todos eles, que viveu provavelmente em África vários milhões de anos antes de Pliobates cataloniae.
Os restos fósseis de Pliobates cataloniae (que recebeu entretanto a alcunha de “Laia”, diminutivo de “Eulalia”, padroeira de Barcelona) são compostos por 70 fragmentos, incluindo a maior parte do crânio e várias partes das articulações do cotovelo e do pulso. Ora, apesar de algumas das suas características serem muito primitivas, a anatomia do braço da nova espécie possui a arquitectura de base dos hominídeos e dos gibões actuais. Segundo os autores, que realizaram uma minuciosa análise morfológica dos restos fósseis, tudo indica que Pliobates cataloniae se situa extremamente perto do nó da árvore dos símios que deu origem aos hominídeos e aos gibões actuais. Estes resultados sugerem que, pelo menos em termos de tamanho e de morfologia craniana, o mais recente antepassado comum aos [hominídeos e gibões] poderá ter sido mais parecido com os gibões (e menos parecido como os grandes símios) do que geralmente se supõe.
Pliobates cataloniae ilustração científica do crânio
Ilustração científica do crânio do novo primata.

Pliobates cataloniae reconstituição virtual do crânio
Reconstituição virtual do crânio do novo primata baseada em imagens de TAC.

Pliobates cataloniae crânio visto por baixo
O crânio visto por baixo.

Pliobates cataloniae ossos do braço
Ossos do braço esquerdo de Pliobates cataloniae: húmero (A), rádio (B); e ulna (C).


20/10/2015

Museu do Homem em Paris reabre totalmente renovado

Após seis anos de encerramento para obras, o quase octogenário Museu do Homem, em Paris, abre este sábado as suas portas ao público numa versão assumidamente virada para o século XXI, renascendo das suas próprias cinzas (ou melhor, das suas poeiras).
O Museu do Homem foi fundado em 1937, quando as colecções etnográficas do seu precursor (o Museu de Etnografia do Trocadéro, em funções desde 1882) foram reunidas num mesmo espaço com as colecções de antropologia e de pré-história humana vindas do Museu Nacional de História Natural (MNHN) francês, do qual o Museu do Homem depende desde o início
De facto, surgia assim algo de muito original para a época: um museu da espécie humana. Instalado no Palácio de Chaillot, ao pé do rio Sena, mesmo em frente à Torre Eiffel, albergava debaixo do mesmo tecto todas as colecções do Estado francês que diziam respeito à humanidade, à sua evolução, às suas civilizações e culturas.
Porém, o projecto foi perdendo fôlego ao longo das décadas que se seguiram e, já em finais dos anos 1990, as suas salas e corredores, mal iluminados e com o seu velho chão em soalho, tinham-se tornado vestustas e poeirentas. Lentamente, as peças expostas nas vitrinas foram sendo esquecidas pelas pessoas. Em 2009, quando encerrou para obras, o Museu do Homem já só recebia 150.000 visitantes por ano – o que é muito pouco pela bitola dos museus parisienses.
O golpe potencialmente mortal veio em 2003, com a transferência de 300.000 peças da colecção de etnologia não europeia do Museu do Homem para o então recém-inaugurado Museu do Quai Branly, sucessor do extinto Museu das Artes Africanas e Oceânicas, instalado num espectacular e moderno edifício mesmo ali perto, do outro lado do Sena. E como se isso não bastasse, em 2005 foi a vez de as colecções de etnologia europeia saírem porta fora, com destino ao futuro Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo (MuCEM), inaugurado em 2013 em Marselha.
Apesar de o Museu do Homem possuir ainda valiosas e extensas colecções – incluindo uma série de tesouros como o crânio do filósofo francês René Descartes ou o do célebre Homem de Cro-Magnon –, seguiu-se então um período de indefinição e de incerteza.
Agora, o Museu do Homem reabre de facto com um projecto novo e radicalmente diferente – não puramente artístico, mas científico. Um projecto dedicado à evolução da espécie humana sob todas as suas facetas que faz do novo museu algo de único na Europa, sendo considerado um dos maiores museus mundiais da pré-história. O seu custo total rondou os 93 milhões de euros – e os responsáveis pela renovação esperam receber 400.000 visitantes já no primeiro ano.
A nova organização do Museu do Homem parte de três perguntas científicas fundamentais: “Quem somos?; de onde viemos?; onde vamos?” Para responder a cada uma delas, o museu dispõe de 700.000 objectos pré-históricos, 30.000 “conjuntos de antropologia” e 6000 objectos “que ilustram a apropriação da natureza pelas sociedades humanas”, pode ler-se na apresentação do projecto no site do museu.
O “percurso” (a exposição) permanente desenvolve-se numa Galeria do Homem, uma área de 2500 metros quadrados onde paredes, chão e tectos são brancos e onde o vidro se mistura com estruturas de aço para compor um décor minimalista.
Num dos espaços, baptizado Refúgio dos Antepassados e mergulhado na escuridão, o visitante é confrontado com as suas origens. É aí que está exposto o crânio de Cro-Magnon (e não é uma réplica, é mesmo o original). Conhecido como “o velho”, este Homo sapiens viveu há uns 28.000 anos e foi descoberto em 1868 na região de Dordogne, no Sudoeste da França.
Ao seu lado, o crânio da Dama de Cavillon, tingido de ocre vermelho e coberto de conchinhas. E ainda os nossos primos neandertais, representados em particular pelo Homem de la Ferrassie, um outro fóssil descoberto em Dordogne. As ferramentas utilizadas pelos nossos antepassados perfazem esta mostra.
Já a Sala dos Tesouros alberga uma das jóias da coroa do Museu do Homem: a Vénus de Lespugue (do nome de outra localidade do Sudoeste francês), uma pequena estatueta de formas voluptuosas esculpida em marfim de mamute há cerca de 23.000 anos e descoberta em 1922. E ainda uma outra vénus, esta qualificada de “impúdica” porque o seu autor representou o sexo feminino com um risco na junção das pernas.
Uma novidade é a chamada Varanda das Ciências, instalada no átrio do museu e onde os cientistas da instituição vão mostrar ao público as suas pesquisas. Isto porque de facto – e tal como vem sendo a sua vocação há quase 80 anos –, o museu inclui um laboratório, agora equipado com as mais modernas tecnologias de análise genética e outras, onde trabalham 150 investigadores.
Uma das mais espectaculares instalações da exposição permanente é uma estrutura em forma de pauta musical com 11 metros de altura e 19 metros de comprimentos, onde estão pousados 79 bustos em gesso pintado e 12 bustos de bronze. Os bustos em gesso, que “ilustram a diversidade humana”, foram realizados no século XIX com base em moldes das caras de pessoas vivas, obtidos junto de populações autóctones aquando de expedições científicas às Américas, África e Ásia.
A exposição permanente também aborda a evolução do estudo da anatomia humana, com bustos do século XIX que representam as zonas frenológicas do cérebro e belíssimas esculturas anatómicas de cera, executadas em finais do século XVIII pelo artista e anatomista francês André-Pierre Pinson. Uma destas é a chamada “Mulher com uma Lágrima”, uma cabeça “aberta” verticalmente que revela a anatomia interna da face e o do pescoço. O museu exibe ainda figuras de “esfolados” em papier-mâché do médico francês Louis Auzoux (1797-1880), mundialmente conhecidas.
O Museu do Homem convoca todas as disciplinas científicas para lançar um olhar rico e benevolente sobre a nossa humanidade em toda a sua diversidade e abrir caminhos para o futuro que estamos a construir para nós próprios. A sua herança e missão únicas colocam-no no centro das questões naturalistas, que ao mesmo tempo não poderiam ser abordadas sem o contributo maciço das ciências humanas.
A escala dos bustos
A "escala dos bustos" da nova exposição permanente do museu.
A mulher com uma lágrima, busto anatómico do século XVIII
A Mulher com uma Lágrima, busto anatómico de cera, século XVIII.
Figura de esfolado em papier-mâché, século XIX
Figura de "esfolado" em papier-mâché, século XIX.

17/10/2015

Dois manuscritos medievais portugueses entram para a Memória do Mundo da UNESCO

Os manuscritos medievais portugueses Apocalipse de Lorvão, célebre pelas suas iluminuras, e o Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana foram inscritos esta semana como registos da Memória do Mundo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Os dois livros, guardados atualmente na Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional, fazem parte de um conjunto de 11 manuscritos feitos na Península Ibérica a partir do Comentário do Apocalipse pelo Beato de Liébana.
A UNESCO diz no seu site que são “considerados os mais bonitos e originais produzidos pela civilização medieval ocidental”.
Foi nas Astúrias do século VIII, tornada reduto contra a invasão muçulmana, que o padre Beato de Liébana escreveu em 786 o Comentário ao Apocalipse como uma interpretação do último livro do Novo Testamento — o Apocalipse, também conhecido como Apocalipse de S. João ou Livro da Revelação. Decidiu fazê-lo para que os cristãos comuns conseguissem entender a linguagem simbólica do texto.
Mais tarde, no século XII (c. 1189), o monge Egas, no Mosteiro do Lorvão, fez uma cópia do texto do Beato de Liébana que ficou conhecida como Apocalipse do Lorvão, ilustrando-a com 66 iluminuras e incluindo comentários pessoais.
O original do século VIII perdeu-se e foi feita, entre 1201-1300, no Mosteiro de Alcobaça, uma cópia do texto a partir do Apocalipse do Lorvão de Egas a que se chamou Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana. Agora, as duas cópias portuguesas foram distinguidas pela UNESCO em conjunto com os outros códices espanhóis que compõem assim os Manuscritos do Comentário do Apocalipse (Beatus de Liébana) na Tradição Ibérica.
Devido às suas iluminuras ricas em tons de amarelo e vermelho, o Apocalipse do Lorvão destaca-se entre as duas cópias. Egas apresenta um produto da realidade do século XII, baseando-se no Comentário ao Apocalipse de Beato de Liébana do século VIII. As iluminuras retratam episódios do livro do Apocalipse da Bíblia e situações quotidianas do século XII.
O Apocalipse de Lorvão de Egas foi feito no Mosteiro do Lorvão, em Penacova, mas em 1853 o escritor e historiador Alexandre Herculano levou-o para a Torre do Tombo, em Lisboa. Já o Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana foi criado no Mosteiro de Alcobaça e aí permaneceu até à extinção das ordens monásticas, em 1834, integrando actualmente a colecção da Biblioteca Nacional de Portugal.
Considerados únicos no seu género, os Manuscritos do Comentário do Apocalipse (Beatus de Liébana) na Tradição Ibérica são um conjunto de 11 códices e fragmentos que foram submetidos à UNESCO numa candidatura conjunta feita por Portugal e Espanha em 2014. A Torre do Tombo aponta-os no seu site como “uma das provas materiais da transição do mundo antigo para os tempos medievais no campo da arte, da literatura e do pensamento no mundo mediterrânico e na Europa Ocidental”.
Esta não é a primeira vez que Portugal vê um documento da sua História declarado registo da Memória do Mundo, um programa criado pela UNESCO em 1992 com o objectivo de consciencializar o público para a necessidade e importância de preservar e valorizar o património documental. A Carta de Pêro Vaz de Caminha (1500) aquando da descoberta do Brasil, a versão castelhana do Tratado de Tordesilhas (1494) e o Diário da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia (1477-1499) são outros documentos nos registos da UNESCO.
Manuscritos medievais iluminados
Uma das páginas do Apocalipse de Lorvão.
Manuscritos medievais iluminados
Uma das páginas do Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana.

16/10/2015

S. Bento, o homem e o santo: 400 anos de fé que a natureza abraça

Esta mostra insere-se na necessidade de se dar a conhecer a vida, obra e a presença, há 400 anos de devoção a S. Bento aqui invocado como da Porta Aberta, Pai e Padroeiro da Europa. A Mesa Administrativa, atenta, ao "fenómeno" extraordinário e único desta devoção de feição popular, quer aproveitar esta Semana dedicada ao Património para, não só, ajudar os peregrinos ou simples turistas, a conhecerem e entenderem melhor esta relação afectiva do povo com S. Bento como contribuir para um aprofundamento da Fé. Exposição audiovisual sobre S. Bento e a história da Basílica com sua envolvente natural (Parque Nacional da Peneda Gerês).
No Claustro da cripta. Rio Caldo - Terras de Bouro, Santuário de São Bento da Porta Aberta
Santuário de São Bento da Porta Aberta
S. Bento da porta aberta - Exposição 15 a 25 de outubro.

06/10/2015

Estado Islâmico destruiu Arco do Triunfo de Palmira

Com cerca de dois mil anos, o Arco do Triunfo encontrava-se situado na entrada da histórica rua com colunas das antigas ruínas e era o ícone de Palmira, foi destruído pelos jiadistas do autodenominado Estado Islâmico. Trata-se de uma destruição sistemática da cidade. Após terem tomado a cidade - cujas ruínas históricas estão classificados pela UNESCO como património da humanidade - o Daesh já destruíra o tempo de Baal Shamin e o templo de Bel, também com cerca de dois mil anos. Conhecida como a “Pérola do Deserto”, antes da guerra Palmira era visitada anualmente por cerca de 150 mil turistas. Especialistas advertem que para além de estarem a levar a cabo a destruição das ruínas pré-islâmicas, o Daesh tem também estado a vender artefactos históricos no mercado negro como forma de aumentar o seu financiamento.
Palmira, Síria
Arco do Triunfo, Palmira, Síria.