25/01/2017

Thomas Mann: um percurso político ...

Num texto de 2006 Frederico Lourenço afirma que Thomas Mann parece ser um autor que passou de moda. Na verdade, as obras literárias de Mann, mesmo quando foram publicadas pela primeira vez, já eram de certo modo “datadas”, quer no conservadorismo burguês que ecoavam, quer no estilo neoclássico e canónico em que foram escritas. Recorde-se que Morte em Veneza (1912) é editado após o revolucionário Malte Laurids Bridge (1910) de Rilke e, sobretudo, que A Montanha Mágica é escrito em exacta simultaneidade com Ulisses, de James Joyce.
Significa isto que, apesar de galardoado com o Nobel em 1929, Thomas Mann foi um homem desfasado do seu tempo, tanto na literatura como na vida? Como assinala Frederico Lourenço, responder afirmativamente é esquecer o exílio iniciado em 1933, no ano da ascensão de Hitler ao poder, ou as cinquenta palestras radiofónicas gravadas para a BBC durante a 2.ª Guerra Mundial e destinadas a serem transmitidas para a Alemanha nazi. Sobretudo, diz Lourenço, é “esquecer toda a sua produção ensaística de índole político-filosófica”.
O presente livro vem colmatar precisamente esta lacuna, dando a conhecer pela primeira vez aos leitores portugueses algumas das mais importantes intervenções de Thomas Mann no plano cívico e político. Como reconhece a coordenadora, Teresa Seruya, no extenso e informado prefácio que acompanha a obra, esta última não é exaustiva na recolha dos “textos políticos” de Mann, constituindo uma selecção dos escritos mais representativos e, em particular, dos que mais eloquentemente exprimem o percurso nem sempre linear do autor dos Buddenbrook, desde a apologia da entrada da Alemanha na Primeira Guerra (nos Gedanken im Krieg e nos Gedanken zum Krieg, de 1914 e de 1915, respectivamente) à defesa da República de Weimar (Von deutscher Republik, de 1922), indo até mais tarde, às intervenções antinazis, com realce para a fulgurante «Alocução Alemã. Um Apelo à Razão”, de 1930, e para a obra-prima de mordacidade e ironia intitulada “O meu irmão Hitler”, de 1939. O livro termina com Deutschland und die Deutschen (“A Alemanha e os Alemães”), conferência proferida em Washington, na Biblioteca do Congresso, a 29 de Maio de 1945.
Trata-se de uma resenha aparentemente escassa de apenas seis escritos ou intervenções, mas importa notar que mesmo noutras línguas, como o inglês, o francês ou o castelhano, não existem colectâneas exaustivas destes “ensaios políticos” de Thomas Mann. E deve referir-se, por outro lado, que os textos agora dados à estampa são, sem dúvida, os mais importantes para compreender esta dimensão de um escritor que é por vezes menosprezado –curiosamente, também por causa do relativo “desalinhamento” desta sua faceta cívica e política. Ainda assim, numa futura edição, mais abrangente e completa, poder-se-á incluir, por exemplo, a “Carta Sueca”, saída em Maio de 1915 no jornal Svenska Dagbladet; as importantes “Considerações de um não-político [ou de um apolítico]”, concluídas em 1918; a intervenção antinazi “O que temos de exigir”, de 1932; o discurso “Sobre a vitória próxima da democracia”, proferido numa lecture-tour por quinze cidades norte-americanas em 1938; “Destino e Tarefa”, de 1942; o texto de justificação e ruptura “Porque não regresso à Alemanha”, de 1945; e o discurso de 1949 que Mann profere quer na República Democrática Alemã, em Weimar, quer na Alemanha ocidental, em Frankfurt.
Iam longe os tempos em que, no decurso da Primeira Guerra, Thomas Mann “tocara a mesma trombeta de Maurice Barrès em França”, para usar as ácidas palavras de Pierre Vidal-Naquet no prefácio à tradução francesa do célebre texto de Karl Jaspers sobre a “culpa alemã” (Die Schuldfrage, 1946). Esta observação crítica de Vidal-Naquet é particularmente cruel, e até algo deslocada, uma vez que, após a Grande Guerra, na conferência “Da República Alemã”, de 1922, incluída neste volume, Thomas Mann se mostra bastante cáustico para com “o senhor Maurice Barrès” (“a nós ele não nos pode servir como modelo!”). Por certo, Mann não deve ser eximido a uma escrutínio crítico do seu posicionamento público, bastando confrontar a sua apologia da participação da Alemanha na guerra, feita em 1914 e 1915, com o que dirá mais tarde, na conferência de 1922, onde refere que o seu país sofrera “um abuso constante e criminoso de todas as suas forças por parte daqueles que se diziam seus líderes”. Como se ele, Thomas Mann, não tivesse apoiado entusiasticamente o esforço de guerra desses líderes, a ponto de ter penhorado a sua casa de Bad Tölz para ajudar o belicismo germânico e de entrar em conflito com o seu irmão, Heinrich Mann, com o qual só se reconciliará em 1922. Para esta aproximação familiar certamente contribuiu a sua defesa da República de Weimar, que muitos insistem ter sido motivada pela repulsa perante o assassinato, nesse ano de 1922, do ministro dos Negócios Estrangeiros, o judeu liberal Walther Rathenau, às mãos da direita radical antissemita. Porém, se o assassinato de Rathenau foi o clique decisivo, o seu distanciamento face à violência política e aos movimentos revolucionários vinha de trás. No prefácio a este livro, Teresa Seruya apresenta uma explicação parcialmente convincente para essa inflexão do pensamento de Mann. A oposição inicial de Mann à República de Weimar acompanhava o entendimento de uma parcela significativa da burguesia alemã, à qual o escritor dizia pertencer e que era, não o esqueçamos, o público por excelência dos seus livros (“sou um autor burguês. Sou um artista da burguesia e, portanto, é à burguesia que me dirijo”). Aliás, Mann nunca descurou a projecção pública da sua personalidade e da sua obra, a ponto de, em 1934, ter confidenciado ao seu diário íntimo: “a minha reputação na Alemanha [está] perdida e o representante da cultura alemã tornou-se um leproso”. Considerava-se, sem dúvida, um membro daquilo a que vários autores têm apelidado de “aristocracia intelectual” (Geistesaristokratie), contra a qual a geração do pós-guerra se irá rebelar; mas, quanto a este ponto, o que interessa sublinhar é que o autor de A Montanha Mágica procurou preservar tal estatuto na sua pátria, mesmo após ter sido forçado a exilar-se.
No entanto, se é a sua indiscutível condição burguesa que o faz tomar o partido da República, exortando os jovens alemães a seguirem-no, não é menos certo que, em muitas outras ocasiões, verberou o espírito burguês, a sua obsessão pela “segurança” e a ideia de uma “felicidade burguesmente racional”, sobretudo quando defendeu a entrada da Alemanha na Grande Guerra e criticou asperamente os que condenavam o “militarismo germânico”. Procurou alicerçar teoricamente essa apologia da guerra numa suposta oposição entre “civilização” e “cultura”, dizendo que os alemães, ao contrário dos povos vizinhos, a começar pelos franceses, sempre preferiram a Kultur à Zivilisation. Porquê? Porque a Alemanha era uma nação marcada pelo culto da interioridade, sendo os alemães o “povo da metafísica, da pedagogia e da música”, um povo intrinsecamente apolítico e adverso a uma visão de um “mundo da paz e da civilidade do tipo cancan”. Até ao fim da vida insistirá na inclinação germânica pela música (em 1945 falará da “musicalidade da alma alemã”), mas de um modo que, naturalmente, já não se confunde com a argumentação defensora do belicismo que em 1914 ia ao ponto de dizer que a Alemanha “é guerreira por força da moralidade” e que “a virtude e a beleza da Alemanha (…) só prospera na guerra. A paz não lhe fica bem ao rosto”.
Perante afirmações como estas, poderemos surpreender-nos pela condenação a posteriori dos “sonâmbulos” que encaminharam a Alemanha – e a Europa – para o desastre de 1914-18. Mais perplexidade ainda nos causa o facto de, em 1922, Mann afirmar “sei o que é o sangue, o que é a guerra, o que é a camaradagem”, quando, após apresentar-se à incorporação, em 1914, se ter congratulado por ficar isento da prestação de serviço militar. Na altura, diz ao irmão que se livrou de que lhe “espetassem um mosquete na mão”, porque o médico que o examinara venerava a sua obra como escritor (“Eis um caso, nada típico dos alemães, de corrupção pela literatura”). Pouco depois, em Novembro desse ano, defenderá inflamadamente o espírito guerreiro dos seus concidadãos…
De igual modo – e sem que este inventário implique qualquer juízo moral –, Mann proclama-se medularmente alemão, designadamente quando escreve ao ministro da Interior do Reich, Wilhelm Frick, em 1934, questionando o seu exílio, e dizendo que ele representava “uma falsificação do meu destino natural”. No entanto, após 2ª Guerra, não pretendeu reconciliar-se com esse “destino natural”, nem regressou à Alemanha em cinzas. Pelo contrário, na conferência que profere em Washington proclama várias vezes a sua qualidade de cidadão americano (e é quase com orgulho que revela ter recusado a nacionalidade checa, que entretanto lhe fora oferecida). Afirma, inclusivamente, que “dado o actual estado do mundo, creio que a minha germanicidade está em muitos melhores mãos no universo hospitaleiro e cosmopolita, racial e nacional, a que se dá o nome de América”. E é a partir da América que flagela o seu país natal, dizendo que “a noção alemã de liberdade é nacionalista, antieuropeia, situando-se muito perto da barbárie – quando não se transforma completamente em barbárie aberta e declarada, como sucede nos nossos dias”. Distantes eram os tempos em que, como vimos, Mann saudara o seu povo, o seu Kulkturvolk, que vivia da interioridade, apaixonado pela metafísica e pela música. Agora, bem diferentemente, diz que, no seu “nacionalismo egoísta”, no seu “servilismo militante”, aos alemães faltava liberdade interior. Mais ainda: considera que “um povo que não tem liberdade interior e não se responsabiliza pelos seus próprios actos não merece a liberdade exterior, nem tem direito a falar sobre ela”.
Equivaleria isto, no limite, a sustentar que a Alemanha do pós-guerra deveria ser governada pelas potências ocupantes, na linha do famoso Plano Morgenthau? Não nos apressemos na resposta, uma vez que as palavras de Mann em 1945 não se limitam a menosprezar os alemães; pelo contrário, resgatam-nos, num certo sentido, com o argumento da sua atávica aversão à política: “o alemão, por natureza, não sabe lidar com a vida e revela-se pouco vocacionado para a política, na medida em que se rege pelo princípio da honestidade. Não sendo por natureza perverso mas inclinado para o lado ideal e intelectual, o alemão considera que a política se resume a mentira e crime, fraude e violência”.
As contradições e ambivalências do discurso político de Thomas Mann não são um exclusivo seu; pertencem antes a uma modalidade retórica de uma geração de intelectuais públicos que, por duas vezes no espaço de uma vida, foi obrigada a “explicar”, digamos assim, a tragédia que dilacerou a Alemanha em 1914-18 e, depois, em 1939-45. Thomas Mann, devemos reconhecê-lo, não se exime a carregar o fardo da “culpa alemã”, mesmo quando se proclama cidadão norte-americano. Procura, todavia, encontrar uma justificação para a culpabilidade germânica, fazendo-o, todavia, de uma forma bem menos subtil do que a que encontramos no já citado texto de Karl Jaspers, que introduz, como é sabido, um apelativo distinguo entre “culpa colectiva” e “responsabilidade colectiva”.
Neste particular, Thomas Mann, como todos os intelectuais alemães do pós-guerra, não pôde deixar de se envolver na famosa questão do “apaziguamento com o passado” (Vergangenheitsbewältigung), a qual persistiu, sob outras vestes, em tempos mais recentes, antes e depois da reunificação, e com uma tal intensidade que chegou a despertar a repulsa de alguns – como Dahrendorf, Enzensberger ou Habermas – pela forma como a Alemanha se dilacerava (ou comprazia?) a discutir a sua “identidade” ou o seu “desígnio”. O contributo de Thomas Mann para esse debate não é especialmente denso ou significativo. Na esteira do que há muito vinha dizendo, inclusive nos escritos de 1914 e de 1915 em que apelara à participação da Alemanha na guerra, fala da tendência germânica para uma “interioridade protegida pelo Estado” (machtgeschützte Innerlichkeit), responsável pela inclinação dos alemães para a música e a metafísica e pela sua ingenuidade ou indiferença em matéria política, mas não envereda por um discurso próximo da tese da trahison des clercs avançada por Julien Benda em 1927. Pelo contrário, ao deslocar-se às duas Alemanhas, proferindo em ambas o mesmo discurso por ocasião do 200º aniversário de Goethe, Thomas Mann figurou a Alemanha como uma Kulturnation, mobilizando uma concepção culturalista da identidade germânica que ultrapassava fronteiras e, por conseguinte, era alheia a divisões territoriais fratricidas. Compreende-se, assim, a reacção negativa que essa visita suscitou no Ocidente. Ao proferir, nas duas Alemanhas, a mesmíssima alocução, Mann assinalava que, através de uma “casa comum”, uma Heimat edificada pela partilha de uma língua franca, a todos os intelectuais, unidos ou separados, deveria ser atribuído um papel central na reconstrução do país enquanto “nação de cultura”, como salienta Jan-Werner Müller no seu livro Another Country. German intellectuals, unification and national identity (Yale University Press, 2000). Essa perspectiva, que seria recuperada pela intelectualidade alemã de esquerda de finais da década de 1950 e princípios dos anos 60, servia na perfeição os propósitos políticos das autoridades de Leste. Simplesmente, Mann autoexcluía-se dessa tarefa de restauração da identidade cultural germânica, optando por viver nos Estados Unidos e fixando-se na Suíça em 1952, onde faleceu em Zurique, três anos depois, desiludido com a derrocada da América do New Deal e o advento da “caça às bruxas” do macartismo (cf. João Medina, Dois Exilados Alemães. Klaus Mann e Thomas Mann no exílio antinazi, 2003, pp. 74ss). Tentou explicar a sua atitude de não voltar à pátria logo em 1945, no texto “Porque não regresso à Alemanha”, o que lhe valeu a crítica de colegas de ofício, como Walter von Molo e Frank Tiess, que atacaram os que, preferindo o conforto do exílio, se furtavam às suas responsabilidades na reconstrução espiritual de uma terra em escombros.
Contudo, juízos de carácter e avaliações de culpa são desaconselháveis e precipitados, até porque existe um volume imenso de informação que interessa ter presente, seja a que resulta da correspondência de Mann, seja a que consta dos seus “diários”. Entre as missivas, a mais controversa, aquela que deu azo a maiores especulações, e a que atrás se aludiu, foi dirigida em 1934 ao Ministro do Interior do Reich. Se nessa carta existe mágoa pela proibição de regressar à Alemanha, e se nela se exprime a intenção de “poder voltar a casa”, há também a intrigante promessa de, mantendo-se no exterior do Reich, ou seja, vivendo no estrangeiro, não tomar posições políticas e dedicar-se em exclusivo à escrita literária. Porventura, Mann pretenderia com essa promessa proteger os seus filhos, dos quais os dois mais velhos ainda se encontravam na Alemanha. A carta a Frick mantém, assim, uma indiscutível ambiguidade entre o desejo de retorno a Munique e a promessa de não contribuir, a partir do estrangeiro, para a propaganda contra o nacional-socialismo. Trata-se de uma atitude que, no limite, só é explicável no contexto dos “tempos sombrios” então vividos, para usar as palavras que deram título a um conhecido livro de Hannah Arendt.
Naturalmente, a questão é mais complexa – e o desejo de “segurança”, em si mesmo, não fornece uma explicação inteiramente satisfatória para as sinuosidades de percursos como os de Thomas Mann. De igual modo, o facto de, por exemplo, ter louvado o trabalho monumental de Paul Merker, Deutschland – Sein oder Nicht Sein, publicado em 1944 na Cidade do México e considerado um dos mais importantes contributos analíticos do regime nazi numa perspectiva marxista, não faz de Thomas Mann um comunista, de forma alguma. Aliás, o livro de Merker seria proibido na Alemanha de Leste e teve escasso relevo nos debates sobre o nazismo que a esquerda alemã ocidental travou na década de 1960, como salienta Jeffrey Herf em Divided Memory. The Nazi Past in the Two Germans (Harvard University Press, 1997). No entanto, Thomas Mann deslocar-se-á à Alemanha de Leste em 1949 e, mais ainda, depois de muito hesitar, optou por não fazer uma visita ao antigo campo de concentração de Buchenwald, nas imediações de Weimar, entretanto adaptado a outro uso pelas tropas russas. Segundo parece, Mann não visitou Buchenwald para não desagradar aos soviéticos e às autoridades da RDA, o que lhe valeu uma chuva de críticas na Alemanha ocidental e nos Estados Unidos. A isso poderia Thomas Mann replicar, e com razão, que no seu discurso na Biblioteca do Congresso rejeitou por completo a ideia de que existiriam duas Alemanhas: uma, maléfica e terrível; outra, radiosa e promissora. “Quem é alemão, está implicado no destino alemão e na culpa alemã”, não existindo “o bom alemão” ou, se quisermos, uma Alemanha amante da liberdade e da igualdade, a Leste, e outra comprometida com o passado nazi, a Oeste. Ora, e como assinala Jeffrey Herf, essa sempre foi a estratégia da “política de memória” da Alemanha de Leste, que procurou que o odioso do nazismo recaísse apenas sobre a RFA, onde se descobriam e julgavam antigos altos funcionários nazis ou se pagavam indemnizações às vítimas da guerra e do Holocausto. Como se vê, na trajectória de Mann do pós-guerra existe um compromisso inequívoco com o Ocidente e com a sua nova pátria adoptiva, a América, mas não há nessa atitude uma tentativa de se eximir à “culpa alemã”, nem que para o efeito fosse necessário visitar tanto a Paulskirche, de Frankfurt, como o Teatro Nacional de Weimar, proferindo em ambos os lugares um discurso idêntico, e ademais pouco sintonizado com o confronto ideológico que a Guerra Fria prenunciava. Tão-pouco Mann faz a defesa, cara a alguma intelectualidade conservadora, de um humanismo fundado nos valores cristãos e numa certa ideia de “Europa”; mas, do mesmo passo, também não advoga o resguardo do silêncio, como Carl Schmitt, a revivescência da fé, como Ernst Jünger, ou a culpabilização do humanismo ocidental, como Martin Heidegger.
Em suma, esta antologia de textos ilumina o percurso complexo de um dos maiores escritores do século XX. Eis uma razão suficiente para saudar a sua publicação, esperando-se que, a breve trecho, os diários de Thomas Mann ou uma parte mais substancial dos seus textos políticos sejam editados entre nós, como bem merecem.
Mann
Thomas Mann.
Um Percurso Político. Da Primeira Guerra Mundial ao Exílio Americano
Capa do livro:
"Um Percurso Político. 
Da Primeira Guerra Mundial ao Exílio Americano".

18/01/2017

Uma visita ao Convento do Carmo através de um novo livro

É a ruína mais cenográfica de Lisboa, postal da cidade, palco de acontecimentos decisivos da história recente e, ao mesmo tempo, quase um segredo. O Convento de Santa Maria do Carmo, construído na colina frente ao Castelo de São Jorge e casa ligada a Nuno Álvares Pereira, herói do Portugal medieval, tem novo livro.
Célia Nunes Pereira, conservadora do Museu Arqueológico do Carmo, ali instalado desde 1864, andou pelas bibliotecas e arquivos de várias entidades à procura de documentos que lhe permitissem fazer a reconstituição arquitectónica e artística deste monumento nacional, desde a sua fundação, em 1389, até ao violentíssimo terramoto de 1755, que o destruiu quase por completo.
Desse trabalho de investigação, que deu origem a uma tese de mestrado e à recente publicação de A Igreja e o Convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa (ed. Associação dos Arqueólogos Portugueses), resulta uma espécie de percurso virtual que exige do leitor – e do visitante, já que o ideal é combinar livro e monumento – algum talento para recriar.
É preciso, desde logo, imaginar um tecto a cobrir as naves da igreja e altares em talha dourada nas 25 capelas carregadas de pintura e ourivesaria que o convento teve entre os séculos XV e XVIII; é preciso imaginar as cerimónias religiosas de uma comunidade carmelita que se habituou a contar com os favores da coroa e da nobreza, mas que foi perdendo frades e poder.
Se quisermos levar mais longe o exercício que constrói esta ficção informada e trazê-lo até aos séculos XIX e XX, teremos também de ali instalar os cavalos que pertenciam à Guarda Real da Polícia, a força militar que viria a dar origem à actual Guarda Nacional Republicana. E isto sem esquecer que, boa parte do espaço agora ocupado pelo museu, incluindo a capela-mor, servia de palheiro e de estrumeira.
A construção do convento, que tinha em volta campos de cultivo que abarcavam o que é hoje o Rossio, teve muitos percalços. O edifício ruiu duas vezes quando estava a ser feito e que foi preciso que Nuno Álvares Pereira (1360-1431) contratasse dois mestres de obras judeus para que se descobrisse uma forma de lidar com a instabilidade do terreno na colina, que insistia em ceder sob o peso da pedra. A igreja sofreu profundas alterações na decoração entre 1523 e 1537 e também depois da restauração da independência (1640), época em que os conventos carmelitas foram ampliados. No século XVIII seria ainda dedicada a Nossa Senhora do Carmo e há até um inventário das jóias e vestidos que pertencia à imagem da santa que, naturalmente, ocupava lugar de destaque na capela-mor.
As principais fontes usadas no livro são um manuscrito de 1721, de Frei Manuel de Sá, e os dois volumes de crónicas deixados por Frei José Pereira de Santa Ana, de 1745, ambos membros daquela congregação (a primeira destas fontes é integralmente reproduzida em fac-símile nesta edição).
As crónicas carmelitas estavam publicadas, mas o manuscrito iluminado de Frei Manuel de Sá, que a autora levou uma semana a transcrever, permaneceu fechado num cofre (onde ainda está) durante anos sem que ninguém olhasse para ele. As circunstâncias que levaram o Estado a comprá-lo há dez anos num leilão são descritas pelo actual presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), José Morais Arnaud, no prefácio de A Igreja e o Convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa. Este documento valiosíssimo para reconstituir a história do convento faz hoje parte da colecção da Biblioteca Nacional de Portugal. Neste manuscrito Frei Manuel de Sá descreve detalhadamente cada capela e chega a desenhar pormenores e até um altar inteiro. Muitas das peças estão em museus. Os escritos de Manuel de Sá tornaram mais acessível a tarefa de identificar os artistas que ao longo de séculos foram chamados a contribuir para o enriquecimento deste templo. Estão entre os melhores que havia no país, no maneirismo e no barroco. Sendo uma das igrejas mais acarinhadas de Lisboa, por causa de Nuno Álvares Pereira, tinha muitos benfeitores e eles competiam entre si pelos melhores pintores quando se tratava de decorar a capela de que eram mecenas. Bento Coelho da Silveira, Simão Rodrigues, Domingos Vieira Serrão, Marcos da Cruz ou André Reinoso são alguns destes pintores.
De acordo com um outro manuscrito impresso do arquivo da Ordem Terceira, chegou até a haver uma escultura de Miguel Ângelo, um Cristo crucificado(informação que não é possível confirmar).
Em 1755, a irmandade carmelita tinha 105 frades, 14 morreram no terramoto de 1755. Naquele trágico dia de Novembro, a igreja estava cheia. Depois do sismo, ficaram de pé apenas a zona cabeceira, embora o tecto da capela-mor tenha ruído, a fachada e parte das paredes norte e sul. A destruição foi enorme porque, a seguir ao terramoto propriamente dito, houve, como aconteceu em tantos outros sítios espalhados pela cidade, um incêndio que consumiu praticamente todo o recheio. Os frades começaram logo a reconstruir  os arcos, a capela-mor. Os trabalhos arrancaram em 1756, mas a falta de dinheiro deixa-os por acabar, vindo a ser abandonados em definitivo depois de 1834, ano da extinção das ordens religiosas em Portugal. Isto porque, à reacção contra a Igreja, veio juntar-se o gosto romântico pela ruína e pelos grandes monumentos medievais que marca o século XIX. Foi nessa altura, aliás, que chegou a ser desenhado um plano de reconstrução que previa a instalação de uma cobertura de ferro e vidro.
O museu do Carmo, o primeiro de arte e arqueologia do país, foi criado em 1864 por Possidónio da Silva. Arquitecto da família real portuguesa, este primeiro presidente da aReal Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses viajava intensamente pelo país e usou toda a sua influência para proteger o património nacional, que sentia estar fortemente ameaçado, primeiro pela extinção das ordens religiosas e, depois, pelas invasões francesas e pelas lutas liberais que se seguiram.
Hoje o Carmo tem na sua colecção muitas peças por ele reunidas e outras que foi recebendo ao longo de décadas. Quem entra e percorre as salas encontra túmulos – o de Maria Ana da Áustria (século XVIII) impressiona pelo tamanho, mas é o de D. Fernando I (século XIV) que fascina. Colecções de arqueologia que começam na Pré-História, múmias peruanas do século XVI e arte contemporânea.
Cruzando as fontes documentais disponíveis, e contando com o acompanhamento do historiador de arte Vítor Serrão, seu orientador, a conservadora do Carmo foi identificando peças e documentos que pertenceram àquela igreja e àquele convento carmelita em colecções públicas (nestas muitas já se sabia de onde vinham) e privadas. A antiga capela de Santa Ana e São Joaquim, por exemplo, está no velho Convento de Colares, hoje uma quinta particular, casa a que o Carmo a doou no século XVIII, com talha, pintura e imagens; o arquivo carmelita está agora em boa parte na Igreja do Loreto, no Largo do Chiado; uma imagem de Nossa Senhora da Piedade (século XIV-XV) e outra de Santo Elias (século XVIII) estão na Capela da Ordem Terceira do Carmo, gerida por uma comunidade de leigos ali bem perto; as pinturas Santa Maria Madalena de Pazzi Coroada de Espinhos (XVII), de Bento Coelho da Silveira, Santa Catarina e os Doutores (XVII), de André Reinoso, e Nossa Senhora do Rosário, de Vieira Lusitano, integram a colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa; duas jóias do século XVIII ligadas à imagem da Senhora do Carmo da capela-mor estão hoje confiadas ao Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto.
Quem lê o que escreveu, por exemplo, Siro Ulperni, um forasteiro do século XVII que passa por Lisboa e descreve a festa de canonização de Madalena de Pazzi, quase acredita que quem vê a igreja se torna automaticamente devoto pela beleza disto tudo. 
Ao longo de quatro anos de trabalho de investigação, Célia Nunes Pereira localizou 96 peças do espólio do Carmo (pintura, escultura e ourivesaria) e neste livro publica cerca de 30, muitas ao longo das 40 páginas que dedica à reconstituição das desaparecidas capelas da igreja, detalhando, tanto quanto possível, o recheio de cada uma.
Ruínas do Convento do Carmo
Ruínas do convento do Carmo.

Convento do Carmo túmulo de D. Fernando I
Túmulo de D. Fernando I (pormenor).

17/01/2017

Pinacoteca de Brera adoptou medidas urgentes para evitar que o frio danificasse pinturas

A Pinacoteca de Brera, em Milão, que alberga uma das mais importantes colecções de arte italiana, teve de adoptar medidas urgentes para evitar que o frio danificasse irreparavelmente algumas das pinturas expostas. Cerca de 40 obras foram parcialmente recobertas com papel de seda japonês para evitar que a tinta, por efeito do frio, se separasse do suporte. Um perigo que ameça as pinturas antigas sobre madeira, já que esta tende a dilatar-se quando a temperatura e a humidade variam de forma demasiado brusca.
Estas medidas também incluíram a mais famosa pintura conservada na Pinacoteca de Brera, a chamada Sacra Conversazione, também conhecida como Virgem com Menino e Santos, uma obra executada por Piero Della Francesca entre 1472 e 1474, por encomenda de Federico de Montefeltro, duque de Urbino.
Algumas pinturas tiveram mesmo de ser removidas das paredes e enviadas para restauro, como Histórias de São Jerónimo, do pintor renascentista veneziano Lazzaro Bastiani, ou o famoso Cristo atado à coluna (1490), de Donato Bramante, outro dos tesouros do museu.
Pinacoteca de Brera Milão
Pinacoteca de Brera (Milão).
Virgem com Menino e Santos Piero Della Francesca
Sacra Conversazione, Piero Della Francesca (1472), 

04/01/2017

Titanic. The New Evidence

Até agora, o choque contra um iceberg era apontado como o principal fator que sentenciou o afundamento do navio Titanic. Um novo documentário, intitulado Titanic: The New Evidence, sugere que um incêndio quando o navio estava ainda em construção no estaleiro de Belfast, na Irlanda, poderá ter fragilizado o casco da embarcação, reduzindo a sua resistência até cerca de 75%.
O “navio que não afundava” teve o seu trágico fim a 14 de abril de 1912, quando realizava a viagem inaugural de Southampton, na Inglaterra para Nova Iorque. No naufrágio, morreram mais de 1 500 homens, mulheres e crianças.
Um álbum de fotografias inéditas foi descoberto por um descendente do diretor da companhia responsável pela construção do Titanic, Harland and Wolff, com sede em Belfast, e há cerca de quatro anos foi adquirido por um colaborador de Molony. O álbum continha várias fotografias que nunca tinham sido publicadas sobre a construção do navio e os preparativos para a sua primeira viagem. Quando Molony e o seu colaborador olharam com atenção para as imagens, ficaram chocados ao descobrir uma marca negra de nove metros no lado dianteiro do casco, perto do local onde o navio embateu contra o iceberg. Uma análise feita mais tarde por engenheiros do Imperial College de Londres revelou que a marca foi muito provavelmente causada por um incêndio num depósito de carvão do navio.
Numa entrevista, Richard de Kerbrech, um engenheiro marítimo que escreveu dois livros sobre o desastre do Titanic, explicou que o incêndio danificou uma parede de aço dentro do casco do navio, que ficou mais vulnerável e fez com que o impacto contra o iceberg provocasse mais estragos no navio.
Um inquérito britânico oficial, efetuado em 1912, havia mencionado o incêndio, mas o mesmo foi posteriormente abafado. Também Molony sugere que os proprietários do navio tinham conhecimento do incêndio, mas optaram por realizar a viagem na mesma, pois atrasar a partida do navio podia afigurar-se como um desastre financeiro. No dia da partida, para esconder as marcas do fogo, o navio terá sido atracado de modo a que estas marcas estivessem viradas para o mar, para que os passageiros não as pudessem ver.
Mas os novos dados não chegam para convencer toda a gente. David Hill, ex-secretário honorário da “British Titanic Society”, que estuda a causa do naufrágio desde a década de 1950, argumentou que, embora os danos causados ​​pelo fogo às paredes de aço que protegem o casco do navio possam ter acelerado seu desaparecimento, o fogo não foi o fator decisivo. O incêndio pode ter acelerado o afundamento do navio mas o Titanic teria afundado de qualquer maneira visto que o embate contra o iceberg criou uma linha de aproximadamente 91 metros de comprimento no casco, que incluiu muitas perfurações e cortes e que abriu muitos compartimentos para o mar, de modo que o peso da água empurrou o navio para baixo.
Naufrágio do Titanic
Naufrágio do Titanic em 14 de abril de 1912.