27/02/2018

Como foi pintado «Rapariga com Brinco de Pérola» de Vermeer?

Rapariga com Brinco de Pérola, uma das mais celebradas pinturas da idade de ouro holandesa, obra Johannes Vermeer (1632-1675), volta ao estirador para ser examinado com recurso às mais modernas tecnologias. Pretende-se perceber como foi pintado e com que materiais. Os trabalhos de análise, todos com base em técnicas não invasivas, decorrerão à vista do público. O projecto, a que deram o nome de Girl in the Spotlight e que não inclui quaisquer trabalhos de restauro e conservação, recorre a uma série de técnicas exploratórias (tomografia de coerência óptica, microscopia digital, fluorescência de macro raios-X), algumas delas do campo da medicina, para reunir um enorme manancial de informação que não implica qualquer recolha de amostras para saber mais sobre os óleos e pigmentos que o artista usou há 350 anos. No fim deste projecto, Rapariga com Brinco de Pérola estará certamente entre as obras mais bem documentadas de sempre (na corrida a este «título» estarão, certamente, Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, e Guernica, de Pablo Picasso).
Rapariga com Brinco de Pérola (c. 1665) está desde 1881 em exposição no museu de Haia, instalado num edifício do século XVII no centro da cidade e inaugurado há quase 200 anos. Teve, no entanto, de esperar mais de cem para se transformar na estrela que é hoje, sendo o principal íman para boa parte dos 400 mil visitantes que o Mauritshuis recebe todos os anos, apesar de na sua colecção se encontrarem outras pinturas incontornáveis da arte holandesa do século XVII, como A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, de Rembrandt, e O Pintassilgo, de Carel Fabritius, um homem que teve o autor de A Ronda da Noite como mestre e Vermeer como aluno.
A obra de Johannes Vermeer – um óleo sobre tela com dimensões modestas (44,5X39 cm) – foi comprada num leilão no final do século XIX por pouco mais de dois florins (hoje, cerca de um euro) e em muito mau estado. Só em 1994 seria objecto de uma complexa operação de restauro que lhe deu o aspecto – e o brilho – que hoje tem. No ano seguinte fez parte de uma exposição que juntou o museu de Haia e a National Gallery de Washington, o seu passaporte para a fama, devidamente carimbado quando, em 1999, Tracy Chevalier publicou o romance Rapariga com Brinco de Pérola, que mais tarde foi adaptado ao cinema por Peter Webber. Neste filme de 2003, a actriz Scarlett Johansson é a jovem criada que no livro serve de modelo a Vermeer (papel confiado a Colin Firth), um artista perseguido tanto pela ganância da sogra como pelos ciúmes da mulher, perfecionista até à obsessão e claramente atormentado pela beleza da rapariga que não pode deixar de pintar.
Os especialistas dividem-se quanto ao modelo a que o artista terá recorrido nesta Rapariga com Brinco de Pérola. Para uns, é claro que se trata de uma amante ou de uma das filhas (se for este o caso, não lhe terá faltado por onde escolher, já que o artista teve 15 filhos e, dos dez que não morreram ainda bebés, sete eram mulheres), para outros, é simplesmente um retrato que partiu da imaginação de Vermeer, sem que a esta jovem sedutora corresponda uma mulher real.
O que Vermeer nos dá nesta obra conhecida como «Mona Lisa do Norte» – o nome que hoje tem integra uma lista de que fazem parte outros como Um Retrato ao Estilo Turco, ou os mais descritivos Jovem com Turbante e Cabeça de Jovem – é uma mulher que parece interpelar quem a olha, de turbante azul e amarelo na cabeça, lábios entreabertos, brilhantes, e um brinco de pérola (há quem defenda que se trata de um pendente de metal, provavelmente prata, ou até de vidro veneziano envernizado por causa da forma como o artista pinta a luz a reflectir-se nele). Se existiu ou não, pouco importa. O que interessa é o que pode ensinar-nos ainda sobre a forma como Vermeer trabalhava, como pensava. E isso, quando se trata de um artista que pintou como poucos a mulher na intimidade da casa e que deixou apenas cerca de 30 obras, já não é nada mau.

Vermeer
Um dos técnicos analisa a pintura de Vermeer.

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