19/04/2016

Amadeo em exposição no Grand Palais em Paris

É impossível não pensar no que Amadeo de Souza-Cardoso podia ter sido se não tivesse morrido aos 30 anos.
Na última sala da exposição encontramos uma obra inédita, uma colagem sobre cartão com 15 por 24 centímetros que a família encontrou na casa de Manhufe. Vemos três pernas com meias de senhora sobrepostas, um "S" que identifica as máquinas de costura Singer, a palavra “woman”, material retirado da revista feminina americana McCall’s. É provavelmente um dos seus últimos trabalhos, uma nova pesquisa sobre a relação entre arte e publicidade. A colagem é mostrada entre as suas pinturas mais conhecidas, as da fase final, que pertencem todas à Fundação Calouste Gulbenkian (à excepção da da colecção Ilídio Pinho), que organiza com o Grand Palais esta exposição. Retoma o tema do feminino. Percebe-se a sua identidade. Muitas destas pinturas já têm marcas publicitárias. Aqui vê-se a utilização das palavras como símbolos gráficos, que já vinham de trás misturadas com os seus próprios elementos de promoção pessoais.
Helena de Freitas ainda pensou pôr esta colagem inédita – há mais duas semelhantes que estão em mau estado de conservação, que não foram recuperadas a tempo – ao lado de um trabalho do artista alemão Kurt Schwitters, mas não conseguiu o empréstimo necessário. E cita uma frase de Amadeo para falar desta busca identitária – “eu nem a mim próprio me imito” –  para falar de um artista muito livre que não queria ser cubista, nem futurista, mas que, paradoxalmente, também dizia ser tudo isso. Helena de Freitas diz que é preciso não nos esquecermos de que estamos a falar de um artista jovem, “que estava a atingir a maturidade quando morreu”.
A exposição que a Gulbenkian mostra em Paris é muito diferente da que Lisboa viu em 2006 e ultrapassou os cem mil visitantes. Esta é para falar de Amadeo a quem não o conhece ainda. Não há só uma mensagem, mas muitas: “Que é uma personagem muito complexa. A mensagem é a pluralidade, o sentido experimental.”
A exposição começa, aliás, com a famosa frase “Tenho mais fases do que a lua”, ao lado de um diaporama com várias fotografias do artista em várias poses. Se o título é apenas o nome do pintor, o subtítulo podia ser “um dos segredos mais bem guardados do modernismo”, e é por aí que tem passado o marketing da exposição. Um dos segredos, relativiza a comissária, e não “o segredo”.
Como se trata exactamente de mostrar alguém que é desconhecido, a exposição “é muito focada no trabalho de Amadeo”, diz a comissária, estando apenas representados outros artistas internacionais com quem teve relações pessoais, como Brancusi, o casal Delaunay e Modigliani. Entre as mais de 200 obras de Amadeo, há uma dezena de outros artistas. “Na exposição sente-se o espírito de Amadeo com toda a sua complexidade. Ele é capaz de desenvolver experiências diferentes em simultâneo na sua obra.”
Depois da introdução, o visitante descobre logo três das oito pinturas que foram ao Armory Show (1913), em Nova Iorque. Paysage, Le Saut du Lapin e Château Fort, e que pertencem ao Art Institute of Chicago. Se se olhar para o lado esquerdo, está também Avant la Corrida, que além dessa exposição esteve antes em Paris, no X Salão de Outono, em 1921, exactamente no Grand Palais (hoje integra a colecção de arte moderna da Gulbenkian). As quatro pinturas não estavam juntas desde 1987, uma vez que Le Saut du Lapin não foi à grande exposição de Lisboa em 2006.
Mas como é que se internacionaliza um artista cuja obra está quase toda em Portugal, principalmente na Fundação Calouste Gulbenkian, e que tem apenas cinco obras em museus estrangeiros? Além do Art Institute of Chicago, há uma obra no Centre Pompidou e outra no Muskegon Museum of Art, também nos Estados Unidos, se falarmos das colecções institucionais. “Essa é uma pergunta delicadíssima. Acho que a viúva, por ter escolhido um museu português, acabou por condicionar a visibilidade do artista”, porque são as instituições internacionais mais conhecidas que acabam por construir e legitimar o discurso da história de arte. “Mas para um artista ser conhecido tem de ser visto. Ele foi, de facto, esquecido e está aqui para ser descoberto. E apesar de os franceses estarem sempre a perguntar quem fez primeiro, isso não me preocupa nada, porque a obra é muito boa e o artista é muito sólido”, diz a comissária.
O filme de Christophe Fonseca, Amadeo de Souza-Cardoso: O Último Segredo da Arte Moderna pega na história do pintor que está a ser descoberto para agarrar o público. Há vários especialistas internacionais que entram na narrativa, que o realizador considera “arrebatadora”.
Exposição Amadeo no Grand Palais em Paris
Obras de Amadeo na exposição do Grand Palais.
Exposição Amadeo no Grand Palais em Paris
Obras de Amadeo na exposição do Grand Palais.
Exposição Amadeo no Grand Palais em Paris
Obras de Amadeo na exposição do Grand Palais.

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