24/04/2014

Quando o mundo veio a Portugal ver como se faz uma revolução

Em Abril de 1974, dois jornalistas da rádio suíça francesa são enviados a Portugal para fazer uma reportagem “positiva” sobre a ajuda helvética a um país “subdesenvolvido, mas simpático”. Os jornalistas entediam-se na província portuguesa quando, subitamente, a revolução dos cravos faz acelerar a sua carrinha Volkswagen em direcção a Lisboa. E, numa noite, produzem a reportagem das suas vidas.
Um filme conta como foi, com todos os adereços de época, de calças à boca de sino para cima: As Ondas de Abril, do suíço Lionel Baier, é exibido esta sexta-feira às 19h no Festival IndieLisboa, e estreia em sala a 8 de Maio. É uma farsa – o realizador achou que ninguém levaria a mal se fizesse uma comédia sobre “uma revolução onde tudo correu bem” – mas só porque a história não é verdadeira, não quer dizer que não tenha acontecido. Numa cena, o repórter de guerra Joseph Cauvin é aclamado pelo povo enquanto discursa, apesar de ninguém entender o que diz. Esse momento, conta Lionel Baier ao Ípsilon, emocionou um português que, ao ver o filme na Suíça, se lembrou de ter tido uma experiência semelhante durante a revolução. “À época muitos sindicalistas de toda a Europa vieram a Portugal e ele lembrava-se de uma discussão uma noite num café de Lisboa onde um sindicalista tomou da palavra e falou em francês durante duas horas, sem que ninguém percebesse nada. Esse senhor disse-me: ‘Mas eu estava tão feliz com o direito de reunir e de falar livremente e, mais do que isso, com o facto de os franceses falarem de nós. Pela primeira vez em muito tempo, os franceses, os alemães, e outros falavam de nós. Tivemos a impressão de que nos estávamos a juntar ao resto do mundo, finalmente.”
Não houve, de facto, muitos momentos assim, em que o resto do mundo convergiu para Portugal. Literalmente: “De repente, toda a gente olhou para Portugal como se isto fosse uma coisa do outro mundo”, diz José Rebelo, que foi correspondente do Le Monde em Lisboa a partir de Janeiro de 1975. “Eu andei a passear por Lisboa com o Sartre e a Simone de Beauvoir. Vinha cá toda a gente. Parece que tudo quanto era importante se passava ali entre o Rossio e os Restauradores.”
Agora que se completam 40 anos sobre a revolução portuguesa, esse olhar exterior, estrangeiro, está de novo a ser evocado, o que parece ter menos a ver com os deveres de uma efeméride (afinal, este não é o primeiro aniversário redondo de Abril) do que sinalizar uma qualquer crise de identidade.
Repórteres e enviados especiais que cobriram a revolução para a imprensa estrangeira foram convidados a participar de muitas das conferências e festividades que estão a ter lugar; um novo livro de Joaquim Vieira e Reto Monico, Nas Bocas do Mundo: O 25 de Abril e o PREC na Imprensa Internacional (ed. Tinta da China), reconstitui a forma como os jornais estrangeiros acompanharam o processo revolucionário português através dos seus textos de opinião e comentário; Lídia Jorge acaba de publicar um novo romance, Os Memoráveis, que tem no centro a realização de uma reportagem televisiva sobre a revolução portuguesa para a estação americana CBS (sobre essa questão de o olhar estrangeiro ser o catalisador deste regresso, a escritora explicou recentemente no Ípsilon que “no exterior avalia-se a revolução com mais frequência como uma coisa positiva”, seja porque os portugueses são “profundamente autopunitivos”, seja porque no exterior “talvez não se saiba do que veio a seguir”.)
O que levou Lionel Baier, um suíço de 38 anos, a fazer um filme sobre a revolução portuguesa, quando a Suíça não viveu nenhuma guerra nem grande crise no século XX?
“Quando era pequeno e ia à escola, no início dos anos 80, havia muitas crianças que eram filhas de imigrantes portugueses, eram quase 30% da minha turma. Quando havia festas de aniversário eu ia a casa delas e lembro-me de ver fotografias e de ouvir falar da revolução dos cravos. Quando somos pequenos e suíços temos a impressão que a democracia é uma coisa normal. As primeiras pessoas que me fizeram ter consciência do preço da democracia foram os portugueses. Dei-me conta de que tinham sido privados dela durante muito tempo e que a democracia era qualquer coisa frágil, que se podia perder”, explica. “Os portugueses têm qualquer coisa em comum com os suíços. São pessoas muito trabalhadoras, austeras, não muito alegres. Ao mesmo tempo, tiveram a força de fazer uma revolução, apesar de isso não fazer parte da sua natureza. Os franceses fazem revoluções o tempo todo, é uma coisa normal. Quando os portugueses se revoltam, é preciso um esforço suplementar. Creio que deram uma verdadeira lição de democracia aos suíços. Creio que é frequentemente o caso na Suíça: as vagas de imigrantes, quer sejam espanhóis, italianos ou portugueses, trazem com elas um certo peso do mundo que os suíços não conhecem.”
Existe nas personagens do filme uma certa condescendência em relação ao Portugal pré-revolucionário. Cauvin, o veterano, chega a relativizar uma ditadura patriarcal e arcaica, dizendo que as pessoas não parecem ter razões de queixa. Os jornalistas de As Ondas de Abril apercebem-se muito rapidamente de que a reportagem que lhes foi encomendada em Portugal não tem interesse, mas parecem demasiado ingénuos ou ter pouco brio profissional: apesar de se encontrarem numa das últimas ditaduras da Europa ocidental, nunca lhes ocorre fazer uma reportagem sobre isso. Ao mesmo tempo, há nesse retrato alguma verdade: de forma geral, a imprensa estrangeira ignorou Portugal durante a ditadura. O país não existia antes da revolução. “Tenho a impressão que os jornalistas estrangeiros não tinham consciência de que era uma ditadura tão esmagadora quanto era, na verdade”, sugere Lionel Baier.
Werner Herzog, um jornalista suíço (nenhuma relação com o cineasta alemão homónimo) que cobriu a revolução para jornais suíços e alemães, admite: “Quase ninguém escrevia sobre Portugal. Tínhamos dado como perdida a possibilidade de alcançar a democracia em Portugal. Esperava-se mais de Espanha. Portugal foi uma surpresa. Parecia que eram umas ditaduras que duravam, duravam, duravam. Espanha e Portugal estavam atrás dos Pirenéus. Essas montanhas pareciam ter dez mil metros de altura porque aí começava outro mundo, que não tinha nada a ver com o resto da Europa ocidental. 25 de Abril foi o dia em que Portugal foi colocado no mapa da Europa.” Falta dizer que tudo isto é dito originalmente em português – outro resultado, dizemos nós, do 25 de Abril.
“Se não tivesse havido o 25 de Abril, eu não teria vindo a Portugal”, diz o catalão Ramón Font, 62 anos, que veio ver a revolução portuguesa quando no seu país a ditadura de Franco perdurava. “Na minha geração, quando se fala de Portugal, há sempre alguém que pergunta: ‘E tu, em que dia chegaste a Portugal?’ Há uma competição para ver quem chegou antes. Porque, mais tarde ou mais cedo, nos primeiros dois anos viemos todos.”
Para um imenso número de jornalistas internacionais, o testemunho e a cobertura da revolução portuguesa correspondeu a um trampolim profissional: uma escola de aprendizagem ou um prenúncio da carreira futura. Muitos deles prosseguiram o seu trabalho noutras zonas do globo, em particular África, ou perseguiram outras revoluções (no Irão, no mundo árabe). As suas biografias mencionam quase sempre a passagem pela revolução portuguesa, como um factor de orgulho. As suas histórias davam um filme.
Há uma em particular que Dominique Pouchin, ex-repórter do Le Monde, contou vezes sem conta em cursos de jornalismo onde lhe pediam que partilhasse as suas experiências. Pouchin – que participa esta sexta-feira numa sessão no Museu do Oriente com Mário Soares e o ex-Presidente brasileiro Lula da Silva sobre “o 25 de Abril visto de fora” – costuma apresentá-la como “a história do scoop falhado”. Tinha terminado o seu estágio no Le Monde há pouco tempo quando, em Março de 1974, nas vésperas do levantamento militar falhado das Caldas da Rainha, o seu editor lhe perguntou se tinha medo de ir a Portugal. “Medo não, mas para fazer o quê?”, perguntou o jovem jornalista. A pasta sobre Portugal que existia nos arquivos do jornal era frugal. Havia sinais de descontentamento no interior do exército português – o alarme tinha soado duas ou três vezes em pouco tempo, explicaram-lhe. Não era forçoso que escrevesse alguma coisa, mas disseram-lhe para manter os olhos e os ouvidos abertos. Pouco depois, Pouchin deu consigo na parte de trás de uma mota, às voltas por Lisboa, sem saber onde estava. Tinha pedido ajuda a colegas portugueses, do jornal de oposição República. “Eu gostava de escrever sobre isto, mas se existe realmente um movimento de capitães preciso de falar com um deles.” O encontro produziu-se na sala mais recôndita de um restaurante do Bairro Alto – que, afinal, não ficava longe da sede do República, a mota limitara-se a andar às voltas para despistar suspeitas –, onde Pouchin se viu sentado diante de um militar de óculos escuros que lhe falou durante mais de duas horas. “Esse senhor fala-me da sua admiração por Amílcar Cabral, da longa marcha chinesa... Fico completamente aturdido.” O militar não correspondia às expectativas. “Tenho a impressão de estar perante um perito em acções militares, mas esquerdista”, ri-se hoje Dominique Pouchin, ao contar o episódio. O jornalista escreve um artigo curto, no qual cita vagamente o militar em questão, identificado como “Comandante R”. Após o golpe das Caldas de 16 de Março, tido como um ensaio para o 25 de Abril, regressa a Paris. Mas a revolução chama-o, pouco depois, de volta a Lisboa. Em de Julho de 1974, está no seu quarto no Hotel Mundial a folhear os jornais da manhã quando repara na fotografia de primeira página do Diário de Notícias. Era um retrato do militar que tinha encontrado em Março e que, percebia agora, veio a ter um papel crucial no movimento das forças armadas. “Dou-me conta de que o homem com tinha falado em Março, era o Major Melo Antunes. Ou seja, tinha encontrado Melo Antunes e não fiz nada, ou quase nada.” Entre Março de 1974 e Janeiro de 1976, Pouchin passou mais tempo em Lisboa do que em Paris. “Eu ia e vinha, dependendo da evolução dos acontecimentos durante o PREC – a palavra mais horrível que já ouvi. Como se pode baptizar uma revolução com um nome tão horrível? Sempre que havia um sobressalto, eu vinha.” Ao todo, foram 17 viagens a Lisboa, 40 blocos de notas.
José Rebelo, que hoje é investigador e professor na área de sociologia da comunicação no ISCTE, nota que os jornalistas estrangeiros estavam distribuídos pelos hotéis de Lisboa de acordo com a nacionalidade. “Os americanos estavam quase todos no Sheraton. Os ingleses no Ritz.” Os franceses ocupavam o último andar do Hotel Mundial. Jornalistas de diferentes jornais, da esquerda e da direita. “Constituíamos uma verdadeira redacção. Jantávamos sempre juntos no restaurante panorâmico do hotel. Não havia concorrência. Havia tanta coisa que se passava todos os dias que cada um de nós era incapaz de cobrir tudo.”
O jornalista americano Steve Broening, então correspondente da Associated Press em Lisboa, é citado no livro de Joaquim Vieira e Reto Monico, dizendo que à excepção do Vietname, “nenhum outro acontecimento estrangeiro motivara tanta e tão longa atenção” por parte da agência quanto a revolução portuguesa. O que é que atrai tanto a atenção da imprensa internacional? “Estamos a falar de um período em que o cenário de guerra fria ainda existia, e os golpes de estado na altura eram de direita ou de extrema-direita, e eram feitos por generais e coronéis, sempre com tendências autoritárias e totalitárias, para endireitar um regime que eles achavam que estava a ser desviado por defeito dos políticos que estavam à frente dele. E este é o contrário”, contextualiza Joaquim Vieira. “Ainda para mais ocorrendo na Europa. Se fosse num país do Terceiro Mundo se calhar era diferente. Mas na Europa o que estava a acontecer era inédito desse ponto de vista. Tinha havido um golpe de estado na Grécia mas tinha sido feito por coronéis.”
Além disso, a mudança de regime não se produziu apenas em Portugal, mas em todas as extensões territoriais no ultramar. O que se estava a passar era maior do que um rectângulo no extremo ocidental da Europa. “O fim da guerra colonial e as independências africanas iam causar uma alteração profunda do ponto de vista geoestratégico. Muita gente começou a ver, a prazo, que a União Soviética podia ter influência nesse processo”, diz Joaquim Vieira. Que continua: “Depois do Maio de 68 em França, que durou só algumas semanas e não teve um grande resultado político, havia um processo revolucionário em Portugal que se prolongava com coisas concretas: ocupações de fábricas, de terras e tudo isso. A opinião pública estrangeira começou a estar muito atenta à evolução dos acontecimentos em Portugal, para ver o que é que isto ia dar. Muitos estrangeiros, herdeiros do Maio de 68 e outros, vinham aqui para Portugal. Havia uma ligação muito directa entre Portugal e as correntes estrangeiras mais de esquerda e extrema-esquerda.”
Inicialmente, pelo menos, a revolução é vista com simpatia pela imprensa internacional e saudada como positiva. “O que impressionou muito naquela fase foi que não houvesse violência”, diz Ramon Font, que se fixou como correspondente em Lisboa a partir de 1976, logo a seguir à aprovação da Constituição. “Não foi partido vidro nenhum. Há uma fotografia extraordinária que está no átrio da Universidade de Lisboa, onde se vê uma chaimite, dessas que estavam no Chiado, cheia de povo, sobrelotada, e, do lado direito, um senhor que devia ser funcionário de alguma repartição pública, vestido de fato e gravata, agarrando a chaimite como se fosse o seu guia. Como se dissesse: ‘Siga-me, siga-me que vou indicar-lhe o sítio.’ Tudo isso configurava um universo assombroso para quem, como nós, vinha de fora. E estávamos fascinados com os militares, que eram a antítese dos nossos militares [espanhóis]. De repente, aparecem à nossa frente tipos com os quais se podia tomar um copo num bar de Lisboa.” Numa visita a de Caxias, em Julho de 1974, Ramon Font fica impressionado com a forma como os novos prisioneiros – ex-agentes da polícia política do Estado Novo – são tratados. “Almoçámos no refeitório da prisão e nas mesas ao lado das nossas estavam os pides. Que nos diziam: ‘Estamos aqui como passarinhos, mas não vamos estar aqui muito tempo.’ Efectivamente, saíram pouco tempo depois. Isso causou-me um impacto brutal de uma sociedade diferente. Se os vencedores são capazes de tratar os vencidos com esta generosidade... Essa foi a imagem mais forte que levei de Lisboa. Lembro-me que no regresso a Espanha passamos pela Andaluzia e fomos ter com uns militares espanhóis, nossos conhecidos, a quem contámos esse episódio e eles não nos deram crédito. Pensavam que, à hora a que contávamos isto, depois do jantar, era consequência do que tínhamos bebido. Não era possível.”
Os estrangeiros não tinham necessariamente uma visão “turística” da revolução portuguesa. Portugal parecia-lhes menos um caso de exotismo do que um laboratório político que podia trazer respostas às questões que os inquietavam.
Zuenir Ventura, que veio cobrir a revolução para a revista brasileira Visão, chegou a Lisboa logo no dia 26 de Abril de 1974. “Fui o primeiro enviado especial do Brasil a chegar. Encontrei a cidade numa saudável confusão que me lembrou Carnaval, celebração desportiva e comício político. As pessoas, sem qualquer objectivo definido, pulavam, cantavam – e, sobretudo, falavam. Era quase como se tivessem descoberto a própria voz. Fiquei contagiado pela euforia do povo, uma espécie de embriaguez de liberdade. Como se fosse um prenúncio da nossa.” O Brasil vivia então sob uma ditadura militar, que acabara de completar uma década, em vésperas da revolução portuguesa. “Foi a cobertura mais alegre e surpreendente da minha vida. Porque eu olhava para aquilo pensando no Brasil. Menos em Portugal e mais no Brasil.” Até então, Portugal tinha sido uma referência no Brasil, mas irónica. “De repente, você queria ‘ser o imenso Portugal’, como na canção Fado tropical, de Chico Buarque.”
Outro brasileiro que veio para Lisboa nesse período, foi o realizador Glauber Rocha. “Ele conseguiu uma câmara emprestada e filmou o 1º de Maio. Filmou como se quisesse se preparar para fazer o mesmo no Brasil.”
A neutralidade não era possível. “Há idades em que é muito difícil resistir a certos cantos de sereia”, diz Ramon Font. “Com 22 anos, era difícil não me deixar arrastar [pela revolução]. Ninguém me pedia neutralidade. E se alguém tivesse pedido, eu teria dito: ‘Desculpe, não consigo.’ Ainda por cima, o país estava todo à esquerda. [Os de direita] Ou tinham fugido ou todos disfarçavam.”
Talvez espante ouvir dizer que a revolução, aqui, foi “exemplar” (a expressão é de Lionel Baier) quando 1975 em particular representa um período traumático para alguns sectores da sociedade portuguesa (as nacionalizações, as expropriações, a vaga de “retornados” das ex-colónias) e abriu dissidências político-partidárias que perduram até hoje que fazem com que a nossa forma de comemorar o 25 de Abril ainda não esteja normalizada (prova disso é a recente polémica sobre se os capitães de Abril deveriam ou não ter direito a discursar no Parlamento, nota Ramon Font). Talvez espante ouvir dizer que a revolução foi exemplar quando para boa parte da esquerda, ela representou o fim das ilusões revolucionárias dos soixante-huitards (“Usando linguagem teatral: o pano cai em 1975”, diz Dominique Pouchin, ex-trotskista cicatrizado). Talvez espante ouvir dizer que a revolução foi exemplar quando o modelo hoje seguido na Tunísia, um exemplo feliz da Primavera árabe, é a transição espanhola, onde não houve revolução e a mudança de regime foi um pacto negociado por mútuo acordo entre ex-franquistas e a esquerda (“A minha suspeita é que os tunisinos sabem muito mais sobre a transição espanhola e estão, de certa forma, a tentar seguir-lhe o exemplo. E não fazem ideia do que foi o processo português”, disse Philippe Schmitter, analista americano que presenciou a revolução portuguesa e escreveu sobre ela, na véspera de partir para a Tunísia. “Amanhã tiro as teimas!”). Talvez espante ouvir dizer que a revolução foi exemplar quando a crise parece confrontar-nos com as escolhas que foram feitas nesse período e com esse legado. Para as gerações que nasceram depois de 1974, talvez este seja o primeiro aniversário em que a revolução é mais do que uma efeméride. “Há uns anos tive a impressão que muitas pessoas nas novas gerações se tinham esquecido do que se passara. Isso surpreendeu-me. Os jovens não sabiam grande coisa porque para eles era algo que pertencia à história”, diz Lionel Baier. Mas em 2012, quando filmou As Ondas de Abril em Portugal, o realizador teve a sensação de que as pessoas começavam a ganhar uma nova consciência. “Grande parte da equipa do filme era portuguesa e eu fazia imensas perguntas. E pareceu-me que era como se falassem pela primeira vez em muito tempo da revolução. As pessoas parecem ter vontade de se lembrar desse espírito.” Por causa da crise? “Por causa da crise, sim.” Não por acaso, o filme de Baier termina com imagens actuais, dos graffiti anti-austeridade e anti-troika. “Parecia-me impossível fazer um filme com um tom meramente histórico. Todos os dias havia manifestações na rua, havia dias em que interrompíamos as filmagens para que os técnicos ou os figurantes pudessem ir manifestar-se. O filme devia dizer qualquer coisa sobre o presente.”
Alfredo Cunha
Foto de Alfredo Cunha

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