24/02/2017

"A Cidade Global – Lisboa no Renascimento" no Museu Nacional de Arte Antiga

A exposição "A Cidade Global – Lisboa no Renascimento" no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), pode ser percorrida como uma rua agitada e ruidosa do século XVI, cheia de lojas, imaginando o rio ali ao pé, com o rinoceronte do rei a tomar banho.
De um lado e do outro porcelanas e animais exóticos, têxteis de alta qualidade, cofres de madeira e madrepérola, mapas e marfins exuberantes. Um centro comercial do século XVI onde podíamos levar para casa, se tivéssemos muito dinheiro, um papagaio ou um tucano do Brasil, marfins da Serra Leoa e livros de botânica. Na Rua Nova dos Mercadores, na Lisboa do Renascimento, havia 11 livrarias.
Montar esta exposição foi uma “operação complexa que envolveu 80 emprestadores portugueses e estrangeiros, entre eles instituições de grande prestígio como a Biblioteca de Leiden e os museus Britânico e do Prado. Divididas por seis núcleos, as 250 peças – pinturas, desenhos, mapas, livros, instrumentos de navegação, porcelanas, jóias, sedas preciosas, animais exóticos empalhados e até uma cruz processional feita com aquilo que à época se julgava ser um corno de unicórnio com eventuais propriedades mágicas – traçam o retrato de uma capital a que chegavam artigos vindos de todo o mundo.
Não existiam muitas capitais europeias do Renascimento onde pudéssemos comprar araras, macacos e civetas [africanas], onde houvesse dedais do Ceilão [actual Sri Lanka] para vender, onde a variedade de loiças da China e do Japão fosse tão grande como em Lisboa. A exposição teve como ponto de partida o livro The Global City – On the Streets of Renaissance Lisbon, da autoria de Annemarie Jordan Gschwend e Kate Lowe que são as comissárias desta mostra.
Podemos observar a agora polémica pintura que o pintor Dante Gabriel Rossetti terá comprado em 1886, Vista da Rua Nova dos Mercadores, e O Chafariz, que já no final dos anos 1990 gerara controvérsia, e uma impressionante vista panorâmica de Lisboa (c.1570-1580) que pertence à Biblioteca de Leiden e que está agora a ser exposta pela segunda vez em Portugal. Reconhecem-se inúmeras ruas e monumentos, mas muita coisa mudou com o terramoto de 1755.
No núcleo dedicado a África são evidentes o cruzamento de culturas e os documentos que impressionam. Há uma carta escrita em Lisboa por um italiano, Filippo Sassetti, em 1578, em que é visível a diversidade étnica dos escravos da cidade. Este mercador de Florença descreve-os minuciosamente, falando das desvantagens e vantagens de cada um: aos brasileiros, por exemplo, acha-os teimosos e nos chineses reconhece uma certa sofisticação na hora de cozinhar.
Noutra vitrine, um saleiro do Benim testemunha a mistura de culturas e saberes que a exposição sublinha – tem um soldado vestido à europeia ladeado por duas figuras estranhíssimas.
Entre os módulos que mais atrairão os visitantes estará certamente o dedicado aos “animais globais” – aqueles que a Expansão portuguesa apresentou à Europa – e onde se pode ver um tatu e até um rinoceronte, a fazer lembrar o que Filipe II tinha e que era uma verdadeira atração.
A fechar a exposição, um núcleo curioso que pretende evocar aquele que seria o recheio típico de uma das casas abastadas da Rua Nova (ao nível térreo havia lojas, mas os andares superiores tinham apartamentos com rendas muito altas), a de Simão de Melo de Magalhães, capitão de Malaca.
Sedas, cofres, móveis, porcelanas e até uns brincos que podem ter pertencido à filha mais nova de D. Manuel I. As peças que aqui temos não são as do Simão de Melo, mas, de acordo com o inventário do recheio da sua casa, andarão muito perto. O inventário permite saber quanto custavam estes artigos de luxo e de onde vinham.
Da casa de Simão de Melo, capitão de Malaca, Lisboa parece mesmo uma cidade global. No entanto existem outras leituras. O historiador Diogo Ramada Curto, que tem dedicado boa parte dos seus estudos ao imperialismo e ao colonialismo, rejeita por completo esta visão de uma capital cosmopolita e miscigenada, que habitualmente se associa ao tempo de D. Manuel, afirmando que esta imagem resulta de uma “cartilha neo-luso-tropicalista e defende que é preciso debatê-la.
chifres de rinocerontes na lisboa do renascimento
No Renascimento os chifres de rinoceronte davam origem a produtos de luxo feitos no Sul da China e vendidos na Índia portuguesa de onde eram exportados para a cidade de Lisboa.

O Nascimento da Virgem (1520-1530)
À esquerda O Nascimento da Virgem (1520-1530), de Garcia Fernandes, e à direita Casamento de Santa Úrsula com o Príncipe Conan (1522-1525). Duas pinturas quinhentistas em que aparecem figuras de origem africana.

Saleiro de Benim quinhentista
Nesta vitrine salienta-se no centro um saleiro de Benim datado do século XVI. Mostra um soldado no centro ladeado por dois espíritos com asas de anjo.

Colóquios dos simples e dorgas he cousas medicinais da Índia
O livro de Garcia de Orta, Colóquios dos simples e drogas he cousas medicinais da Índia e assi dalgũas frutas achadas nella onde se tratam algũas cousas tocantes a medicina, pratica, e outras cousas boas pera saber, editado em Goa em 1563.

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