22/03/2016

Cartazes sobre a história da promoção das condições de trabalho

Mensagens diretas, direcionadas para a protecção individual, algumas moralistas, com o bem e o mal ilustrados sem rodeios e com um grafismo neo-realista muito marcante. Eram assim os cartazes produzidos para uma das primeiras campanhas nacionais de prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, promovida pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, no final dos anos 1950.
Estes e outros cartazes foram agora reunidos pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), por altura das comemorações do centenário do Ministério do Trabalho e da própria inspecção. Através deles é possível fazer uma viagem pela forma como tem sido tratada a segurança e saúde no trabalho desde meados do século XX e, inevitavelmente, pelos diversos organismos públicos que assumiram estas áreas.
Olhando para as quatro dezenas de cartazes que marcam o período entre 1959 e 1967, as preocupações estavam muito direccionadas para os comportamentos e para a protecção individual dos trabalhadores.
“Os primeiros cartazes ilustram a fase de desenvolvimento económico registada a partir de finais da década de 50 na sequência da adesão à Associação Europeia de Comércio Livre a (EFTA) e a fase de namoro com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), numa tentativa do Estado Novo contrariar o isolamento em que se encontrava.
Essa primeira campanha surge, precisamente, nos anos que antecederam a adesão de Portugal à EFTA (1960) e a ratificação da Convenção 81 da OIT, relacionada com a inspecção do trabalho (1962).
O alvo das mensagens eram os trabalhadores da construção civil, dos caminhos-de-ferro, os operários, soldadores, mineiros e agricultores.
Muitos dos cartazes impressos na altura ilustravam de forma muito clara, e às vezes com humor, o lado negro dos comportamentos negligentes. “Use a cabeça para não a perder“, apela um dos cartazes. A imagem por si só diz tudo: um homem ao lado de uma carrinha, de fósforo aceso na mão, confirma se tem combustível no depósito; na parte inferior há uma campa onde se lê “Aqui jaz CUIZIKODY que acendeu um fósforo para ver se tinha gasolina no depósito… e tinha”. Outro pede aos mineiros que usem máscara e mostra, sem rodeios, o que acontece às vítimas de silicose. Há ainda outro que reproduz uma notícia de um jornal cujo título é “Operário ferido num desastre” para alertar: “Amanhã podes ser tu!”. Uma foice aparece, noutro exemplo, como um prenúncio da morte que espera os imprudentes.
As imagens usadas mostram também o enquadramento em que vivia a população portuguesa na época. Num dos cartazes um pé descalço arrisca picar-se num prego: “Pregos! Um perigo para os seus pés”. Outro cartaz alerta para a necessidade de proteger todos os trabalhadores sem excepção, dando a ideia de que as preocupações não eram iguais para todos: “Para o mesmo perigo a mesma protecção, os ajudantes precisam também de proteger os olhos e a pele”.
Havia uma grande preocupação com o sector da construção. É, de resto, em 1958 que é publicado o regulamento de segurança no trabalho nas obras de construção civil. Coincidindo com o êxodo dos campos para as grandes cidade e com a construção de bairros novos nas cidades de Lisboa e do Porto. Em 1962, coincidindo com a ratificação da convenção da OIT sobre a inspecção do trabalho, foi criado, no âmbito da Junta de Acção Social do Ministério das Corporações, o Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho.
Passados cinco anos, este gabinete lançou uma campanha de prevenção de riscos nas actividades rurais. O único cartaz identificado como sendo desta época é um marco importante na abordagem da segurança no ambiente rural que até aí não tinha sido ainda sensibilizado para a defesa da saúde e vida do seu trabalhador. Anos mais tarde, esta estrutura foi substituída pela Direcção de Serviços de Prevenção de Riscos Profissionais, responsável por desenvolver, até 1977, um conjunto de actividades de sensibilização. É também por essa altura que se começa a alertar os trabalhadores e as empresas para problemas que até então tinham tido pouco relevância, como o ruído.
Os cartazes perdem o grafismo neo-realista, as mensagens passam a ser mais simples, mas continuam muito direccionadas para a protecção pessoal: “Protege os ouvidos”, “Cuidado, a electricidade é perigosa!” ou “Proteja os seus pés!”. Os destinatários continuam a ser, sobretudo, os trabalhadores da construção civil, da agricultura e da indústria.
Em 1978, com a reorganização do Ministério do Trabalho, é criada a Direcção-Geral de Higiene e Segurança do Trabalho (DGHST). Esta estrutura vem dar um carácter mais institucional à intervenção do Estado nos domínios da higiene, segurança e prevenção de riscos. Continuaram a desenvolver-se acções de sensibilização e informação, mas agora de forma mais sistematizada.
Foram editados mais de uma centena cartazes originais e algumas reproduções do Institut National de Recherche et de Sécurité (França), considerado um organismo de referência e com o qual havia uma grande proximidade.
O grafismo vai-se depurando e a abordagem do problema da segurança no trabalho começa a ser mais sistematizada e integrada. Além das mensagens relacionadas com a protecção individual, começam a surgir outras. “Que fazer para o salvar? Tirar o curso de socorrismo do trabalho”, alerta um cartaz em que um trabalhador está deitado no chão.
O centro das preocupações continuam a ser os sectores da construção, da agricultura e da indústria. Em linha com o quadro legal vigente, o comércio, os serviços e os transportes estavam fora do campo de intervenção da DGHST.
A grande viragem na forma como se aborda a prevenção ocorre em meados dos anos 1980, já muito influenciada pelo período de pré-adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE).
A década de 1980, referem, iniciou-se com uma crise económica e financeira que levou a um pedido de auxílio ao Fundo Monetário Internacional e com o objectivo político de aderir à CEE. E este segundo aspecto teve reflexo “em todo um conjunto de medidas de modernização do quadro legal e institucional”. O domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho não foi excepção. Em 1985/86 foram aprovados regulamentos para as Minas da Panasqueira e para os estabelecimentos comerciais, de escritórios e de serviços e foram ratificadas várias convenções da OIT, relacionadas com a poluição do ar e ruído no local de trabalho ou peso máximo de cargas a transportar pelos trabalhadores, num esforço que se prolongou até aos anos 1980.
Os cartazes mostram essas preocupações, com apelos dirigidos a esses riscos. “Faça calar o ruído” ou “Use máscara adequada”, eram algumas das mensagens que passavam. Surgem também por esta altura as sinalizações dentro do local de trabalho a alertar para a queda de objectos ou para o uso de luvas.
A sociedade continuava a evidenciar outros problemas que influenciavam a segurança no trabalho. Um cartaz de 1982 representava uma fábrica dentro de uma garrafa e um trabalhador embriagado: “Entra com álcool… sai com acidente”, lê-se.
A partir dos anos 1990 as campanhas passam a focar-se em sectores específicos e em problemas muito concretos. Ao longo dos anos 1990, o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT) – organismo que absorveu a DGHST, a inspecção do trabalho e a direcção-geral das relações de trabalho – lançou várias campanhas de prevenção de riscos profissionais na construção, agricultura e têxtil.
Em 1993 foi lançada uma campanha contra o trabalho infantil. O problema era sentido sobretudo no têxtil e calçado, além dos sectores onde o problema era “endémico”, como era o caso da agricultura. “Na minha idade o trabalho é na escola”, lia-se num cartaz da altura.
Contudo, esta parte da história ainda não está disponível para consulta no site da ACT. A intenção é continuar a traçar a história da promoção das condições de trabalho ao longo do ano, com a disponibilização dos restantes cartazes.
Cartaz relacionado com os trabalhadores agrícolas.

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