08/10/2014

Museu Nacional Machado de Castro - Coleção de escultura séculos XVII e XVIII

A proposta da madeira toma novamente forma no séc. XVII, tornando-se este material o suporte quase exclusivo quer das esculturas, que se enriquecem de decorações a ouro, surgidas por via flamenga, e que agora se generalizam, quer dos retábulos e revestimentos de talha em que elas se integram com frequência.
Progressivamente, assiste-se ao abandono da pintura nos retábulos, passando os nichos a albergar composições escultóricas. A produção seiscentista fundamenta-se em pressupostos de natureza religiosa e não estética, procurando exprimir os sentimentos extremos da alma: a visão e o êxtase, o martírio e as angústias da morte. Em oposição ao milagre da Idade Média, que relacionava o santo com o homem, na arte da Contra-Reforma é a visão que o liga a Deus, e o êxtase a marca da sua santidade.
Orientadas para a decoração de igrejas e conventos, as imagens são quase todas esculpidas em madeira policromada e dourada, integrando-se frequentemente em retábulos de talha dourada. Bom exemplo dessa tendência é o Retábulo de Nossa Senhora da Conceição, obra do escultor portuense Manuel da Rocha. Este escultor veio para Coimbra, já artista formado, procurar trabalho nas obras dos colégios universitários. Aqui exerceu a sua atividade no segundo e terceiro quartel do séc. XVII. Formado possivelmente em Valladolid, como denuncia a iconografia e a tipologia da sua obra, apresenta um estilo solidário com a tradição portuguesa , menos dramatizante do que a espanhola.
Este núcleo, exclusivamente nacional, vinca a componente religiosa e até conventual da escultura produzida na época, assistindo-se ao desenvolvimento de oficinas no interior dos conventos, e à rivalidade entre beneditinos e cistercienses.
O mais ilustre dos monges escultores é o beneditino Frei Cipriano da Cruz.Conhecido como escultor de Tibães, o seu percurso sinaliza um período em Coimbra (1685 – 1690) durante o qual se dedica à decoração do colégio da sua Ordem. Está representado no Museu por algumas das suas maiores realizações artísticas, provenientes da igreja do referido colégio, destruída em 1932.
Na escultura do séc. XVIII continua a dominar a madeira, salvo para a escultura de mestres estrangeiros. Exemplo é o francês Claude Laprade que realizou para a Universidade, além de outras obras de vulto, as figuras alegóricas das salas dos Gerais e dos Capelos, hoje no Museu. Considerado o mais notável escultor estrangeiro que trabalhou em Coimbra, após a Renascença, realizou diversas obras para a Universidade, colaborando na reforma empreendida pelo reitor Nuno da Silva Teles. Erradamente considerado italiano, compreende-se no entanto o caráter italianizante da obra de C. Laprade, pela sua origem – Avinhão – cidade trespassada de italianismo por força da própria origem e formação da maioria dos Papas, local onde o escultor desabrochou para a arte.
Resultado das grandes riquezas económicas geradas pela descoberta de minas de ouro e diamantes do Brasil, e graças ao gosto de D. João V pelas artes, esta centúria é conhecida como o século das importações e das influências estrangeiras. A escultura caracteriza-se sobretudo pela influência de modelos italianos, através de importações diretas de Itália ou de artistas procedentes desse país, acolhidos em Mafra. O sentido decorativo das obras aumenta, assistindo-se à união da religião com a estética – contemplação não só do Bem, mas também do Belo – visando uma certa teatralidade afetiva e emocional. A iconografia da Virgem é bastante numerosa neste período, popularizando-se entre outras as Virgens com ou sem o Menino, a Senhora do Rosário e a Senhora da Conceição, adotando elementos profanos, como é o caso dos tecidos, resultantes em parte das experiências desenvolvidas pelos barristas.
O amor ao Menino foi uma das tradições da ordem franciscana cuja difusão se deve a uma nova iconografia, surgida no âmbito da Contra-Reforma. A partir de 1600, tornam-se numerosas as representações da infância de Jesus – Menino Jesus Salvador do Mundo, Sagrada Família, Fuga para o Egito, Adoração dos Magos, Natividade – temática por vezes antiga, mas revestida de novas formas.
Como figura dominante da estatuária setecentista, destaca-se J. Machado de Castro, cuja obra, sintetiza a situação escultórica portuguesa da época. Santeiro por tradição familiar, numa época em que a produção de imagens se rege por pressupostos religiosos, é abalado pelas coordenadas estéticas que recebe de Itália, nomeadamente de Alessandro Giusti. Escultor régio a partir de 1782 assume papel fundamental na evolução da escultura, a formar discípulos e instituir uma teoria escultórica, lutando pela dignificação das artes e dos artistas em Portugal. Da sua vasta produção destacam-se diversos estudos, desenhos e modelos preparatórios, e ainda alguns escritos e teorizações sobre escultura. Numa segunda fase, recetivo à gramática rococó, abre caminho para o neoclássico oitocentista, afastando-se da grandiosidade de obras de grande porte em pedra, e executando figuras de menores dimensões, que se destacam pela riqueza da policromia e dos trajes. São, sobretudo, figuras para os presépios, inicialmente destinados à família real, a casas religiosas de prestígio, membros da corte e nobres. O seu culto e consequente popularização, conduzem ao aumento da produção e ao aparecimento de oficinas secundárias que copiam e reproduzem os modelos dos escultores. Conhecido como escultor de Lisboa, Machado de Castro é todavia natural de Coimbra, à qual deveu, além do berço, a formação humanista que recebeu dos Jesuítas.
Escultura barroca
S. Francisco
Testemunho de um período áureo da escultura nacional, a imagem de S. Francisco, cujo autor se desconhece, de grande qualidade escultórica evidencia encomenda a uma oficina afamada – possivelmente de Lisboa. Esta imagem integra-se nas experiências de fervor religioso, decorrentes da contrarreforma e características da iconografia devocional barroca.
Museu Nacional Machado de Castro
Senhora da Apresentação, século XVII
Contrastando com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, muito próxima da arte flamenga, esta escultura de Nossa Senhora com o Menino, devida a Manuel da Rocha, apresenta um tratamento formal marcadamente mais natural. A religiosidade que emana de ambas, a sobriedade, a doçura e serenidade conducentes à devoção, são características comuns nas figuras femininas deste escultor e espelham a arte nacional deste período. Comum é ainda a presença de meninos acompanhando a Virgem, aqui apresentado nu e em posição frontal e vertical, cuja delicadeza de rosto reforça aquele sentimento. 
Museu Nacional Machado de Castro
Nossa Senhora do Rosário, século XVIII
A iconografia da Virgem é bastante numerosa neste período, popularizando-se as Virgens com ou sem o Menino, a Senhora do Rosário entre outras, adotando elementos profanos, como é o caso dos tecidos, resultantes em parte das experiências que os barristas iam desenvolvendo. Esta imagem devocional está atribuída à oficina de Machado de Castro, e aproxima-se, pela riqueza de policromia e de trajes que apresenta, do grande tema da segunda metade do século – o presépio.

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