21/08/2015

600 anos da conquista de Ceuta (21 de agosto de 1415)

Na madrugada de 21 de Agosto de 1415, quando o sol começou a nascer, os habitantes de Ceuta podiam ver na linha do horizonte que se perdia no mar um cenário tão grandioso como assustador.
A pouca distância da costa, mais de 200 naus, fustas e galés preparavam o desembarque dos primeiros soldados da expedição de uns 20 mil homens que D. João I tinha armado para conquistar a cidade. Pela primeira vez na sua história de menos de quatro séculos, os portugueses arriscavam sair do seu ancoradouro europeu e conquistar um pedaço do continente africano que, sob diferentes conceitos e ideologias, haveria de permanecer no seu consciente colectivo até 1974. Poucas datas da história nacional encerram o mesmo peso e o mesmo significado desse dia de há 600 anos, quando Ceuta caiu nas mãos dos portugueses após uma batalha que durou entre as seis da manhã e as sete e meia da tarde.
Sabe-se pela Crónica da Tomada de Ceuta escrita por volta de 1450 por Gomes Eanes de Zurara que D. João I pensava numa operação militar no exterior das suas fronteiras desde 1409. Por essa altura, o rei já sabia da iminência de um tratado de paz que poria fim a um quarto de século de hostilidades abertas ou veladas com Castela. Com a assinatura do tratado de Ayllon, a 31 de Outubro de 1411, as tréguas com o inimigo castelhano são prolongadas até à maioridade do rei Juan II, em 1419, o que permitia a D. João I pensar em novas ousadias. As oportunidades com que se confrontavam não eram muitas. O alvo das suas ambições podia ser o reino de Granada, o último bastião mouro na Península Ibérica, a Itália ou o Norte de África. No primeiro caso, qualquer movimento enfureceria os castelhanos, que pela tradição da Reconquista tinham direito natural a conquistar os territórios a sul das suas fronteiras. As ilhas italianas ficavam longe e obrigavam a verter sangue cristão. África era por todas as razões o destino mais lógico nas conjecturas do rei que, desde muito cedo encontrou nos seus filhos mais velhos, D. Duarte, D. Henrique e D. Pedro, um apoio entusiástico.
O projecto da conquista de Ceuta ter-lhe-á sido apresentado pelo seu vedor da Fazenda, João Afonso de Alenquer (1395-1433), conhecedor das riquezas da cidade. Ceuta, diria Alenquer citado por Zurara, “é uma muito notável cidade e muito azada para se tomar”, para lá de ser “muito rica e muito formosa”. Determinado o destino, era necessário começar as preparações no maior segredo. Para começar, era preciso conhecer o terreno. Uma missão que foi entregue em 1412 ao prior do Hospital, D Álvaro Gonçalves Camelo e ao capitão de mar e anadel-mor dos besteiros, Afonso Furtado. Sob o disfarce de uma viagem à Sicília, ambos passam por Ceuta numa clara operação de espionagem. No regresso, trazem informações sobre as praias para o desembarque, as muralhas, a localização das suas 70 portas e postigos. O prior fez até uma maqueta para mostrar “os lugares por onde a cidade podia receber combate”, escreveu Zurara.
O rei começa então a fazer contas. Preocupava-se com os gastos da operação e com a sua viabilidade – ou pelo menos, para sublinhar o seu zelo e reflexão, foi essa a ideia que Zurara quis inscrever na História. D. João I afligia-se com a falta de dinheiro e com os limites para lançar novos impostos – seria um “escândalo para o povo”; com a distância de Ceuta e ausência de meios de transporte para lá chegar; com a falta de gente; com a incerteza sobre o futuro das relações com Castela; com as dúvidas sobre os proveitos a tirar da conquista; e com suspeitas sobre os custos de manutenção da praça. Era uma agenda difícil de gerir.
Garantido o apoio dos filhos, o rei procura obter a aliança do Condestável, D. Nuno Álvares Pereira e da sua mulher, Filipa de Lancastre. Após a sua anuência, D. João manda apressar os preparativos no início de 1414. Até ao ataque faltava mais de um ano e meio e o sucesso da sua estratégia só seria possível se as operações permanecessem sigilosas. Em Julho desse ano, porém, os planos reais saem do círculo estrito dos seus colaboradores e tiveram de ser discutidos com o seu Conselho. No dia 23 de Julho, uma parte dos 32 conselheiros do rei é convocada para Torres Vedras. D. João trata então de “propor este feito e determinar o termo certo em que com a graça de Deus hajamos de partir”. Os conselheiros apoiam o plano. No final são obrigados a jurar segredo sob o Santo Lenho de Vera Cruz e o Livro dos Evangelhos, informa-nos Zurara.
Começa então a corrida contra o tempo. O conde de Barcelos, D. Afonso, filho bastardo do rei, fica a gerir o recrutamento no Entre o Douro e Minho. O infante D. Henrique responsabiliza-se pelas tropas das Beiras e Trás-os-Montes que embarcariam no Porto – excedeu-se ao mandar todos os capitães vestirem-se de libré. D. Pedro trataria da mobilização das tropas a sul, que se concentrariam em Lisboa. D. João ficaria a supervisionar o processo e a gerir a provisão das armas. De alguma forma, toda a burocracia do Estado se envolveu nas preparações. A D. Duarte couberam os encargos da governação do país – com tanto empenho que caiu na depressão.
Estava em curso a criação de uma força naval formidável para o tempo. Os historiadores falam entre 190 e 270 barcos, que transportariam 20 mil homens. Toda a frota nacional é convocada e modernizada e são contratados 13 barcos da Biscaia, 22 alemães e flamengos, 4 bretões e 10 britânicos. Para lá dos barcos, do estrangeiro começaram a chegar aventureiros em busca de façanhas e glória - três fidalgos franceses, um barão alemão com 40 escudeiros, um nobre inglês que “suportava à sua conta quatro ou cinco naus guarnecidas de archeiros e outras gentes”, de acordo com o historiador Carlos Guardado da Silva. Nos estaleiros nacionais a azáfama é tão impressionante que dá nas vistas. A grande frota dos portugueses e o seu destino incerto tornaram-se conversa corrente nas cortes europeias. D. João trata de apaziguar Castela, jura paz eterna com Aragão e tergiversa com o rei Yussuf III de Granada, que se apressa a tentar uma política de apaziguamento com Lisboa.
Fernando de Aragão desconfia e envia um espião, Ruy Diaz, para tentar perceber o que estava a acontecer. As informações que recebe dão conta de uma enorme mobilização no país, de mais de 100 barcos já reunidos e da espera de muitos mais. Mas apesar de se ter reunido com o rei e com altas figuras do Estado, Ruy Diaz não consegue saber o destino da frota. Só na sua carta despachada para Aragão depois da partida da frota admite que o seu destino seria Gibraltar ou Ceuta. Para alimentar estas incertezas, D. João I envia uma embaixada ao duque da Holanda e da Baviera, Guilherme IV, desafiando-o para a guerra (havia queixas de ataques de barcos holandeses aos mercadores nacionais), o que era uma forma de “encobrir”, no termo de Zurara, o destino da frota.
A poucos meses da partida, um surto de peste dificulta os planos. Uma das suas vítimas é a rainha Filipa, que perece a 19 Julho de 1415. Num conselho régio realizado em Alhos Vedros discutiu-se o adiamento da operação. A peste era um mau prenúncio e uma ameaça para as tropas que se concentravam. O condestável quis adiar a partida. O rei, forçado pelos seus filhos, teve de desempatar com o seu voto que qualidade. Por essa altura tinha-se já chegado a um ponto de não retorno.
A frota de D. Henrique sai do Porto, cidade onde nascera, a 13 ou 14 de Julho. “Todas as naus e galés e outros navios eram nobremente apendoadas com brasões e pendões pequenos das cores, moto e divisa do infante, e porque eram todos novos e bem acompanhados de ouro, davam muito grande vista”, relataria Zurara com base em memórias da época – a sua crónica foi escrita 35 anos depois da conquista. A frota do Porto junta-se à de Lisboa e em 25 de Julho, dia de Santiago, padroeiro da luta contra os mouros, parte para África. O rei comanda as galés, o infante D. Pedro as naus. Em Lagos faz-se uma missa e Frei João de Xira revela finalmente o destino da expedição. Só então esses milhares de homens sabem que estão em viagem para Ceuta. 
De Lagos a frota parte para Faro, onde fica até 9 de Agosto à espera de ventos favoráveis. As galés, as fustas e os barcos mais pequenos chegam a Ceuta a 12, mas aqui surge um primeiro e grave contratempo. O nevoeiro e as fortes correntes arrastam as naus para as costas de Málaga. A armada ficara partida e, pior, o efeito-surpresa tinha-se perdido. A 19 de Agosto, um pouco a sul de Algeciras, um novo conselho régio é convocado para decidir o que fazer. Os infantes insistem no ataque; outros defendem uma mudança de planos com um assalto a Gibraltar; outros ainda reclamam o regresso puro e simples a casa. No dia seguinte, na Ponta do Carneiro, o rei senta o conselho no chão e anuncia a sua decisão: atacar sem demoras. “Amigos, este dia foi sempre por mim muito desejado”, terá dito, de acordo com Zurara.
É assim que, na noite de 20 de Agosto os habitantes de Ceuta vêm estupefactos a frota reunida. A cidade nesse tempo estava longe do seu apogeu comercial e intelectual, mas era ainda enorme, rica e conservava o seu papel de porta do Mediterrâneo. A crise da dinastia Merindia, que a controlava desde Fez, tinha alimentado uma perda continuada de poder económico e de população. Mas para o padrão das cidades portuguesas coevas, Ceuta era uma urbe imponente. Mohâmede ben Alcácime deixou-nos uma memória escrita em 1422 na qual lamentava a perda para os cristãos de uma cidade que chegara a ter 62 bibliotecas científicas, 142 mercados, 24 mil casas comerciais e 360 estalagens.
Os relatos da conquista que nos chegaram dão conta de uma operação fácil, tão fácil que o castelo de Ceuta caiu sem que fosse necessário aplicar nos combates toda a força de escudeiros, besteiros do conto ou cavaleiros da nobreza ansiosos de obter na cidade a tão desejada “honra” e o não menos importante “acrescentamento” de riquezas aos seus pecúlios.
Poucas horas antes do desembarque, D. João instruíra os seus comandantes para uma operação com duas cabeças. Parte da esquadra, sob o comando do rei, lançaria uma manobra de diversão na zona mais a sul da face da península de Ceuta voltada para a Ibéria, com cerca de quatro quilómetros de extensão, enquanto o resto das suas tropas desembarcariam ao seu sinal na praia que viria a ser designada com o nome de Santo Amaro. O sinal do rei nunca seria emitido. A força de assalto comandada pelo infante D. Henrique lançou-se precipitadamente à praia e iniciou o combate antes de D. João I o ter determinado.
Rui Gonçalves foi o primeiro a pisar terra firme. D. Henrique seguiu-o. D. Duarte, o príncipe herdeiro, que seguia na armada do pai, abandonou a formação e correu na sua embarcação ao encontro da batalha que já se travava nas areias de Santo Amaro. Num ápice, estão em terra duas ou três centenas de portugueses que conseguem anular a estratégia dos defensores, que acreditavam poder afundar os barcos e afogar os soldados carregados de armas, de elmos e de armaduras pesadas antes de saírem da água. Desbaratados, os muçulmanos tratam de fugir para o interior da cidade pela porta de Almina. Em cima das muralhas, os soldados do alcaide Salah ben Salah arremessam lanças e pedras. D. Duarte vê na sua fuga uma oportunidade de entrar no perímetro defensivo e não espera pelo pai nem pelos companheiros de armas que continuavam a desembarcar e lança-se na perseguição dos defensores antes que pudessem fechar a porta. Vasco Martins de Albergaria foi o primeiro a passá-la e gritou: “Já aqui vai o de Albergaria” (seria um dos mortos da expedição).
Enquanto D. João, que ficara ferido numa perna ao subir para uma galé, permanecia longe da batalha, os portugueses consolidavam as posições no interior do perímetro muralhado de Ceuta e dividem-se em três colunas: uma comandada por D. Henrique, outra pelo conde de Barcelos, filho bastardo de D. João I, a terceira de Martim Afonso de Melo. D. Duarte continua na refrega e destaca-se uma vez mais ao tomar sucessivamente os pontos mais altos. D. Pedro e D. Henrique avançam pela cidade, entram no dédalo das ruas comerciais, envolvem-se em permanentes lutas corpo a corpo. Porta a porta, rua a rua, o avanço dos portugueses é imparável. Num desses combates, D. Henrique e um grupo de cinco escudeiros ficam isolados e em perigo durante um par de horas, até que o grosso da coluna os resgata.
Pelo entardecer os mouros abandonam o castelo e a medina. Ceuta mudara de mãos. O saque das casas e comércios, que se iniciara logo às primeiras horas da batalha, generalizou-se. “A outra gente do povo não trazia em aquele dia o cuidado senão de roubar”, escreveu Zurara. As casas são esburacadas à procura de tesouros. A destruição que acompanhou e se seguiu ao saque inundou as ruas de especiarias acumuladas nas lojas, que, “com o fervor do sol, que era grande, davam depois de si mui grande olor”, continua Zurara. Os que ficaram nos barcos lamentavam que “aqueles que vieram em companhia do infante D. Henrique na frota do Porto”, porque “ apanharam o ouro e a prata e toda a outra riqueza e nós chegaremos ao esbulho dos almadraques (colchões) velhos e das outras coisas de semelhante valia”.
Às sete e meia da tarde, a batalha tinha acabado e o pavilhão do rei D. João I flutuava seguro no castelo de Ceuta. Não se conhecem com rigor os custos humanos da conquista. Zurara nota a morte de pelo menos oito nobres – a perda de homens de outras condições sociais não entrou na sua contabilidade. Da mesma forma se desconhece o número exacto dos mouros que pereceram nesse dia de batalha. Zurara fala, de acordo com as suas fontes, em dois mil, cinco mil ou dez mil. Os sobreviventes, assim como o grosso da população, tinham fugido pela porta de Fez para nunca mais voltar.
Quando todo o perímetro da cidade está sob controlo, seguem-se os momentos de celebração e de festa. Frei João de Xira dirige uma missa e um Te Deum, onde glorifica os feitos das armas portuguesas e celebra mais uma vitória de Cristo sobre os infiéis. Os infantes são armados cavaleiros após terem provado o seu valor no campo de batalha, na melhor tradição da mentalidade da nobreza medieval. Seguem-se também momentos de incerteza e de ansiedade. O que fazer agora? Ficar ou partir? Transformar Ceuta numa operação de pilhagem ou firmar aí a soberania nacional?
Como em tantas outras vezes, o rei convoca o seu conselho para decidir. As opiniões estiveram longe de ser consensuais. Muitos lembram as dificuldades de abastecer a cidade e recordam que os mouros haveriam de aumentar a pressão e acentuar os ataques. Se a defesa de Ceuta mostrou todas as fragilidades com a investida portuguesa, o que fazer perante um assalto em força dos muçulmanos? Apesar de todas as hesitações, o rei decide ficar. Para ele, esta parecia ser a primeira página de um novo livro. Ele próprio promete regressar lá para Março.
Tomada a decisão, era a hora de dizer quem ficaria a defender Ceuta e quem seria o responsável pelo seu comando. Seguindo a ordem lógica da hierarquia militar e nobiliárquica, D. João I tenta o condestável Nuno Álvares Pereira que, velho e cansado, declina o convite. O horizonte de vida (faleceria em 1431) que lhe restava estava destinado a ser passado no Mosteiro de Santa Maria do Carmo, em Lisboa. O marechal Gonçalo Vasques Coutinho invoca igualmente a idade para recusar as honras de liderar a defesa de Ceuta. Martim Afonso de Melo cede aos conselhos de dois homens (João Gomes Orvalho e Álvaro Vasques Tisnado) e recusa igualmente a oferta do rei. Como castigo, D. João I decidiu que estes dois ficariam em Ceuta – afrontar a vontade de um nobre de alta estirpe seria muito mais complicado.
É neste impasse que D. Pedro de Menezes oferece os seus préstimos. Era de uma família que se colocara ao lado dos espanhóis nas lutas contra D. João e precisava de reabilitação. Ficaria a governar Ceuta durante 22 anos. Com tanta distinção que acabaria de receber o título de conde de Vila Real. D. Pedro de Menezes morreu em 1437 com a aura de personalidade lendária – para a qual contribuiu Zurara com a Crónica do conde D. Pedro de Menezes. Com o governador ficariam em Ceuta 2500 ou 3500 soldados.
Estava na hora de regressar a Portugal. No dia 2 de Setembro, uma segunda-feira, a armada lança-se na viagem de regresso. Portugal, um pequeno reino na periferia da Europa, tinha formado uma cabeça de ponte no coração do mundo muçulmano e o feito haveria de se irradiar pela Europa. D. João passa a ostentar o título de senhor de Ceuta e quer que a cristandade o saiba. Para esse efeito, envia uma embaixada ao Concílio de Constança para divulgar a boa nova. Os seus homens seriam agraciados com generosas tenças, títulos e territórios. Os infantes D. Henrique e D. Pedro recebem os primeiros ducados do país – de Viseu e de Coimbra, respectivamente. D. Afonso, conde de Barcelos, amplia as suas posses para anos mais tarde criar o poderoso ducado de Bragança, que estaria na génese da dinastia que mandou em Portugal entre 1640 e 1910.
Mas se a conquista engrandeceu D. João e a “Ínclita Geração”, tornar-se-ia em breve um desastre económico. As rotas comerciais que terminavam em Ceuta, do ouro, da seda e dos cereais, foram desviadas e a praça tornou-se um forte militar isolado em África que era necessário sustentar com recursos da metrópole. Na carta que enviou de Bruges a D. Duarte, em 1426, D. Pedro apontava Ceuta como “um bom sumidouro de gente de vossa terra e de armas e de dinheiro”.
Nos anos que se seguiram à conquista, a destreza militar de D. Pedro de Menezes e a longa experiência de exércitos de guarnição acumulada pelos portugueses na defesa quer contra os mouros quer contra os espanhóis foram essenciais para travar as investidas e os cercos dos muçulmanos em 1416 e 1418. No reinado de D. Duarte tenta-se alargar a base de implantação em África com a conquista de Tânger (1437), mas uma desastrada operação militar conduzida por D. Henrique resulta numa grave derrota sublinhada pelo cativeiro do infante D. Fernando, que morrerá em Fez. No círculo do rei ou nas Cortes nunca se chegou a acordo sobre se a sua libertação valia a entrega de Ceuta, como era exigido pelos muçulmanos. No imaginário da África portuguesa, D. Fernando será um mártir.
Ceuta permanecerá isolada até à conquista de Alcácer Ceguer (1458). Seguem-se Arzila e Tânger (1471). Em 1502 os portugueses instalam-se em Mazagão. Mas, por esta altura, Ceuta era já uma peça indiscutivelmente menor de um império que se foi construindo ao longo dos anos, espalhado por três continentes. Marrocos perde prioridade para as riquezas da Índia e, logo depois, para o Brasil. Alcácer-Ceguer e Arzila são abandonadas (1549/1550). D. Sebastião ainda tenta recuperar a aura das conquistas em África de D. João I, D. Duarte e essencialmente de D. Afonso V. Mas o seu sonho esboroa-se em 1578 em Alcácer-Quibir.
Depois de 1640, a sorte das possessões portuguesas em África divide-se. Mazagão aceitou permanecer sob a soberania da casa de Bragança, até que é mandada evacuar por D. José, em 1769. Tânger hesitou mas seguiu o mesmo caminho – em 1661 foi entregue aos ingleses como dote do casamento de Catarina de Bragança com Carlos II. Ceuta fez uma opção diferente. Em Fevereiro de 1641 o governador D. Francisco de Almeida garante obediência a Filipe IV. Permanecerá espanhola até hoje, embora ainda conserve na sua bandeira as armas portuguesas desse tempo.
Jorge Colaço
A batalha em Ceuta nos azulejos de Jorge Colaço instalados na Estação de São Bento (Porto).

20/08/2015

Um dedo mindinho de uma nova espécie no processo de hominização?

Com 3,6 centímetros de comprimento e 1,8 milhões de anos, uma falange encontrada no desfiladeiro de Olduvai, na Tanzânia, é o mais antigo fóssil conhecido do que será uma mão humana já moderna. Esta descoberta de uma equipa de investigadores espanhóis e norte-americanos vem colocar a hipótese da existência de uma nova espécie do género Homo, com a mão já semelhante à do homem moderno (o Homo sapiens, a nossa própria espécie), até agora desconhecida.
“A falange tem um aspecto muito actual e, estatisticamente, não se pode diferenciar de um elemento análogo ao de qualquer pessoa viva hoje em dia”, diz, à agência espanhola Sinc, Sergio Almécija, paleontólogo da Universidade George Washington (EUA) e um dos autores do estudo publicado na última edição da revista Nature Communications. O estudo liderado por David Uribelarrea, da Universidade Complutense de Madrid, questiona as etapas iniciais da evolução humana, pressupondo que espécies do género Homo com características modernas conviviam com outras menos evoluídas. Neste caso, o dono da falange moderna partilhou o seu tempo de vida com o Paranthropus boisei e o Homo habilis.
O desfiladeiro de Olduvai, o local da descoberta, é um dos mais importantes sítios paleoantropológicos. Em 1959, foi lá identificado, pela célebre família Leakey, o primeiro fóssil na África Oriental de um australopiteco (com quase 1,8 milhões de anos, o fóssil pertencia a um Australopithecus boisei). Também neste local, nos anos 60, a família Leakey encontrou um fragmento de crânio de outro humano com 1,6 milhões de anos: o fóssil representava o primeiro membro do género Homo a ser descoberto, e foi designada a espécie por Homo habilis, para evidenciar o facto de este humano fabricar instrumentos.
Ao longo dos milhares de anos de evolução, de quadrúpedes a bípedes e das árvores à vida em terra, a mão dos hominídeos foi-se alterando para se adaptar a novas condições. Hoje, a mão humana é uma das características anatómicas mais importantes e distintivas da nossa espécie. “A nossa mão evoluiu para nos permitir uma enorme variedade de gestos e manipulações, como não existe em qualquer outro primata”, diz à agência de notícias AFP Manuel Domíngues-Rodrigo, da Universidade Complutense de Madrid e também autor do estudo. “Esta capacidade de manipular objectos com precisão interagiu com o nosso cérebro e permitiu o desenvolvimento da inteligência, sobretudo graças à invenção e ao uso de ferramentas.”
O osso encontrado é a falange proximal do quinto dedo – ou seja, a parte do dedo mindinho mais próxima da palma da mão. E o que tem de diferente esta falange com 1,8 milhões de anos? Não apresenta a curvatura típica dos ossos das mãos de outras espécies do género humano, uma característica partilhada com gorilas e chimpanzés, e que lhes permitia subir às árvores com mais facilidade. Esta falange assemelha-se antes à de uma mão moderna e evidencia a adaptação à vida terrestre. “A mão dos primatas reflecte adaptações tanto para manipulação como para locomoção, portanto um osso deste período [o início do Pleistoceno] é muito importante para se entender a transição para o modo de vida humano”, diz Sergio Almécija. “O grau de curvatura da falange encontrada é muito inferior, pelo que a espécie à qual pertenceu já tinha feito a transição de meio arbóreo para um modo de vida puramente terrestre.”
Pensa-se que a transição para o bipedismo terá acontecido há seis milhões de anos, e que até há cerca de dois milhões de anos todas as espécies do género Homo (que surgiu há 2,8 milhões de anos) tinham os ossos das mãos curvos. Ou pelo menos, assim indicavam os dados até agora existentes. Mas a nova falange veio contar que, afinal, alguns hominídeos desceram das árvores mais cedo do que se pensava.
“Uma mão antiga igual à mão humana moderna dir-nos-ia quando os humanos se tornaram totalmente terrestres e quando e com que eficiência os seus antepassados usaram ferramentas”, explica ao site Live Science Manuel Domínguez-Rodrigo.
“Certamente, [a espécie de hominídeo à qual pertence a falange] usava as mãos para fazer as mesmas tarefas que actualmente executam grupos de humanos que vivem em ecossistemas parecidos”, sublinha ainda Sergio Almécija.
O osso agora descoberto pertenceu à mão esquerda de um adulto de estatura semelhante à do Homo erectus. Com 3,6 centímetros de comprimento, a falange tem “o mesmo tamanho de um osso equivalente da nossa mão”, diz Manuel Domínguez-Rodrigo.
O dono da falange mediria cerca de 1,75 metros, segundo estimam os investigadores, uma altura bastante superior à dos contemporâneos do seu género. No entanto, prever o tamanho da mão desta espécie e mesmo a sua estatura é algo incerto e que gera controvérsia dentro da comunidade científica. Para fazer estes cálculos, os investigadores fizeram uma extrapolação a partir do tamanho das falanges.
“Tendo em conta que as falanges constituíam mais de 50% da mão – 14 ossos de um total de 27 –, há quase dois milhões de anos mais de metade da mão era completamente moderna”, diz Sergio Almécija.
Se esta nova espécie de humanos tiver a estatura prevista pelos investigadores, então vem explicar alguns mistérios arqueológicos antigos. “Os arqueólogos reuniram informação suficiente para concluir que sítios com os primeiros hominídeos, como o Olduvai, eram locais para onde estas espécies transportavam animais caçados com mais de 350 quilogramas”, diz Manuel Domínguez-Rodrigo. “Como especialista nesta área, sempre tive dificuldade em compreender como é que o Homo habilis, que não media muito mais que um metro, poderia caçar animais tão grandes.”
A descoberta abre a possibilidade de ter existido uma espécie realmente capaz de caçar e transportar animais do tamanho que as provas arqueológicas evidenciam. “A nova descoberta mostra agora que uma criatura maior e mais moderna existiu no tempo em que se formaram estes locais arqueológicos”, acrescenta Manuel Domíngues-Rodrigo. “Isto torna esta criatura um melhor candidato para explicar a formação destes locais.”
Manuel Domínguez-Rodrigo afirma ainda, em declarações ao jornal espanhol El Mundo, que a sua equipa encontrou já outros vestígios que parecem sustentar a hipótese da existência de um humano de grande estatura. “Temos outros fósseis que estão a começar a aparecer no mesmo local e que nos contam a mesma história. São fósseis de um pé de grande tamanho, que poderia pertencer ao mesmo indivíduo [da falange do dedo mindinho].”
falange - arqueologia olduvai
A falange proximal transposta para uma mão moderna.
falange - arqueologia olduvai
A falange proximal vista em várias perspectivas.

19/08/2015

Arqueólogo Khaled Asaad executado pelo Daesh em Palmira

O autoproclamado Estado Islâmico decapitou o antigo chefe do Departamento de Museus e Antiguidades da cidade de Palmira, na Síria. Khaled Asaad, de 82 anos, foi executado pelo grupo 'jihadista' na terça-feira, em Palmira, na província de Homs. O Daesh  executou um dos maiores especialistas em antiguidades da Síria. Foi o chefe das antiguidades de Palmira por mais de 50 anos e estava reformado há 13. O corpo do especialista foi pendurado nas ruínas de Palmira depois de ter sido decapitado. No entanto, a foto que circula 'online' mostra um corpo numa estrada, atado ao que parece ser um poste de iluminação. Um cartaz junto ao corpo identifica-o como sendo Asaad. O Estado Islâmico acusa-o de ser leal ao regime sírio, ao representar o país em conferências no estrangeiro com "infiéis".
Assaad Palmira
Khaled Asaad (1933-2015) arqueólogo Sírio, antigo chefe do Departamento de Museus e Antiguidades da cidade de Palmira.

 

05/08/2015

Arqueólogos descobrem vestígios de torre islâmica e frescos do século XV no castelo de Abrantes

Pinturas murais do século XV e uma torre islâmica do século IX foram encontradas no castelo de Abrantes, "achados únicos" que resultaram de trabalhos arqueológicos ali realizados e que vão permitir "reescrever a história" da cidade. Estes achados, que incluem, entre outros, ossadas junto de um possível templo em honra do deus Mercúrio, moedas e munições para canhões dos tempos napoleónicos, vão permitir perceber melhor e ajudar a reescrever a história de Abrantes. As escavações arqueológicas, feitas no âmbito da terceira campanha de escavações aprovada em 2013 pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), decorreram nos meses de Junho e Julho, e tinham por objectivo obter informações sobre a ocupação proto-histórica, romana e islâmica, bem como conhecer as obras de fortificação da Idade Moderna, em trabalhos multidisciplinares desenvolvidos pelas equipas de arqueologia e património da Câmara de Abrantes e do projecto do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA).
As "pinturas raras" encontradas no interior da Capela da Igreja de Santa Maria do Castelo, templo quatrocentista classificado como Monumento Nacional localizado no interior da fortificação, (local onde D. João I reuniu o Conselho de Guerra a 6 de Agosto de 1385 para a Batalha de Aljubarrota), foram datadas como sendo da primeira metade do século XV pelos investigadores do Laboratório Hércules, e apresentam afinidades estilísticas com a pintura de S. Francisco de Leiria e a da capela do Palácio da Vila, em Sintra. As pinturas são das mais antigas que existem em Portugal em termos de pintura mural porque datam do século XV. São frescos em excelente estado de conservação, localizados na parede esquerda do altar-mor, por detrás do túmulo de D. Lopo de Almeida, permitindo perceber a continuidade da decoração mural.
Outra descoberta foi a confirmação e localização de uma torre islâmica em tijolo de adobe, um reforço defensivo das torres islâmicas, edificada dentro do que é hoje o castelo de Abrantes, junto da muralha proto-histórica. Esta torre permite perceber que os muçulmanos estiveram aqui, não só de passagem, mas o tempo suficiente, algures entre o século IX e XI, para terem construído estruturas defensivas na passagem do Tejo. Este é o local mais interior do país com uma torre deste género, feita com barro, material muito perecível, e existem muito poucas em Portugal.
Os recentes achados arqueológicos no interior e nas imediações do castelo de Abrantes deram um novo impulso à ideia da autarquia de construir um modelo de regeneração urbana com base num "centro cultural a céu aberto".
igreja de Santa Maria do Castelo, Abrantes
Já em 2014 tinham sido descobertos frescos do século XV numa parede da igreja de Santa Maria do Castelo.
As pinturas foram encontradas por baixo de um painel de azulejos mudejar que estavam a ser recuperados

Descobertas cartas relativas ao Incidente de Mayerling

Um pacto de suicídio com mais de 100 anos ou um assassinato que teve origem numa intrincada conspiração política? Um acto desesperado ou o resultado da vingança pessoal de uma mulher que nunca se sentiu desejada nem conseguiu dar ao império austro-húngaro um herdeiro? Um duplo homicídio executado por agentes secretos ou a última vontade de um homem que sempre se sentiu fascinado pela morte? Como explicar a morte do herdeiro do império Habsburgo, Rodolfo da Áustria, e de uma das suas amantes, a jovem baronesa Maria Vetsera?
O mistério que a rodeia é um dos mais populares dos finais do século XIX e acaba de conhecer um novo desenvolvimento com a descoberta das cartas que Vetsera escreveu à mãe e aos irmãos pouco antes de morrer, a 30 de Janeiro de 1889, no pavilhão de caça que o herdeiro austríaco tinha na pequena cidade de Mayerling.
As teorias sobre a morte do casal, umas bem mais plausíveis do que outras, avolumaram-se ao longo de décadas. E se algumas procuram caução no complexo tabuleiro político da Europa da época, antecâmara da Primeira Guerra Mundial, outras parecem saídas de uma conversa de café, de tão banais. Umas vêem no temperamento do herdeiro, sempre rodeado de mulheres e de artistas - muito mais próximo do da sua mãe, a célebre imperatriz Sissi (Isabel da Baviera), do que do do seu pai, o autoritário imperador Francisco José I - a explicação para o seu casamento falhado com a princesa Estefânia da Bélgica, com quem viria a ter uma filha, Isabel, e para os anticorpos que tinha na corte. Outras responsabilizam as suas ideias anticlericais e a sua ligação ao povo húngaro, para quem defendia uma maior autonomia, pelo isolamento político que haveria de contribuir para a sua morte. Numa corte muito conservadora e pró-Alemanha, Rodolfo era visto como um progressista perigoso que punha em risco a unidade do império e que afrontava a moral com as suas relações fora do casamento.
Foi precisamente para evitar o escândalo que decorreria de se saber que o herdeiro ao trono fora encontrado morto junto a uma das suas amantes que o corpo de Vetsera foi sepultado à pressa e em segredo. Foi para evitar que os pormenores daquele que ficaria conhecido como o Incidente de Mayerling enchessem páginas de jornais – a notícia foi amplamente tratada nos principais títulos europeus – que praticamente todos os documentos a ele ligados desapareceram e que o inquérito que o imperador Francisco José ordenou à morte do filho foi atabalhoado e deixou muita margem às mais variadas teorias.
As cartas agora descobertas parecem vir reforçar a teoria que defende que os dois amantes morreram na sequência de um homicídio-suicídio previamente acordado (Rodolfo terá matado Maria Vetsera com um tiro na cabeça antes de virar a arma para si próprio), como argumentam boa parte dos historiadores que estudaram o Incidente de Mayerling, mas é preciso que os especialistas as estudem a fundo antes de tirar conclusões definitivas.
“Querida mãe / Por favor perdoa-me o que fiz / Não conseguiu resistir ao amor”, escreve a jovem baronesa, pouco antes de morrer. “De acordo com ele, quero ser enterrada junto a ele no Cemitério de Alland /Sou mais feliz na morte que na vida.” A carta estava no cofre de um banco de Viena, dentro de uma pasta de cabedal com fotografias e outros documentos da família Vetsera ali depositada desde 1926, anunciou recentemente a Biblioteca Nacional da Áustria, que classifica como “sensacional” a descoberta das cartas de despedida da jovem amante do herdeiro do império austro-húngaro (para além da que dirige à mãe, escreve também ao irmão, Feri, e à irmã, Hanna).
É grande o entusiasmo à volta destas cartas, cuja existência era conhecida dos historiadores mas que se julgava terem sido destruídas depois da morte da mãe de Maria Vetsera, admitem os responsáveis da biblioteca. Depois de cuidadosamente analisados, os três documentos vão integrar a exposição que a biblioteca vai dedicar ao imperador Francisco José I em 2016, quando passarem 100 anos sobre a sua morte.
Não se sabe quem terá deixado no cofre os documentos de família agora encontrados, explica ainda a biblioteca num comunicado. O que se sabe é que as três cartas estavam fechadas num envelope com a insígnia do príncipe herdeiro, escrevem os jornais austríacos. Até aqui julgava-se que o único documento sobrevivente ligado a este homicídio-suicídio era a carta que o herdeiro do império Habsburgo deixou à sua mulher, Estefânia da Bélgica.
“Não consegui rever-te”, escreve Maria Vetsera ao irmão. “Vive bem. Tomarei conta de ti do outro lado porque te amo muito.” Na carta a Hanna, a irmã, é ainda mais clara: “Várias horas antes da minha morte quero dizer-te adeus. Entramos felizes no desconhecido.”
O caso de Mayerling tem captado a imaginação de várias gerações. Ao seu poder de atracção não escaparam sequer encenadores (o musical The Mayerling Affair, de David Leveaux), coreógrafos (o aclamadíssimo Mayerling, de 1978, criação de Kenneth MacMillan para o Royal Ballet de Londres) e, sobretudo, realizadores.  Entre os filmes mais citados estão De Mayerling a Sarajevo (1940), do cineasta alemão Max Ophüls, e Vícios Privados, Públicas Virtudes, obra do húngaro Miklós Jancsó de meados da década de 1970, mas talvez o mais conhecido seja o que transformou Catherine Deneuve em Maria Vetsera ao lado de Omar Sharif no papel do príncipe herdeiro (Mayerling, 1968, realização de Terence Young).
A atracção explica-se sem dificuldade: são muitos e óbvios os ingredientes romanescos desta história de paixões contrariadas - há quem defenda que Rodolfo decidiu suicidar-se porque o pai o forçara a deixar Vetsera, já que o escândalo dessa relação afrontava a Igreja Católica e incomodava sectores influentes da corte - e intrigas palacianas num cenário que evoca o fim de uma época. Mas o Incidente de Mayerling pode ser também apresentado como “o primeiro sintoma claro da desintegração do império Habsburgo”, escreve o jornalista e editor Serge Schmemann no diário The New York Times, num artigo feito a propósito do centenário da morte de Rodolfo da Áustria e da jovem baronesa, altura em que novos livros e documentários multiplicavam teorias e em que um colóquio internacional que juntou historiadores, psiquiatras e outros especialistas chegou a concluir que o casal tinha feito um pacto de suicídio.
Uma das leituras do incidente mais partilhadas, a da historiadora Brigitte Hamann e do seu Rudolf, Crown Prince and Rebel, aponta para um príncipe progressista, cujo estado mental podia estar já em parte comprometido pela sífilis, que repudiava as posições autocráticas do pai e da sua corte profundamente conservadora. A investigação de Hamann mostra que, quando morreu, o herdeiro pensava em suicidar-se há mais de meio ano e que já tentara convencer outra das suas amantes, Mitzi Kaspar, a acompanhá-lo nesse plano trágico.
Acreditam alguns historiadores que era por Mitzi Kaspar que o príncipe estava verdadeiramente apaixonado. Foi a esta actriz e prostituta que terá dirigido uma carta de amor na véspera de se suicidar, uma carta que entretanto desapareceu.
Depois da morte de Rodolfo da Áustria, o seu pai mandou transformar o pavilhão de caça num convento, hoje entregue à ordem das Carmelitas Descalças. No site desta casa religiosa, que recebe muitos visitantes por causa do príncipe e de Maria Vetsera, explica-se que o casal foi ali encontrado morto em circunstâncias que ainda permanecem pouco claras e que a igreja foi construída no espaço onde antes estava o quarto do herdeiro, ocupando o altar o local exacto da cama em que os corpos dos dois amantes foram encontrados naquela manhã de 30 de Janeiro.
A morte do herdeiro só foi anunciada depois de o corpo da baronesa, devidamente vestido e penteado para esconder o buraco que a bala deixara, ter sido sepultado num cemitério próximo. Primeiro os registos oficiais atribuíram a morte do príncipe a um ataque cardíaco, depois a um acidente. Só mais tarde o próprio imperador admitiu que o filho se suicidara num momento de loucura, sem nunca falar de Maria Vetsera.
Até ao fim da vida, Francisco José da Áustria manteve silêncio sobre o que acontecera em Mayerling, dizendo apenas que “a verdade é muito pior que todas as versões”.

Incidente de Mayerling
Carta de despedida de Maria Vetsera para a mãe.
Incidente de Mayerling
Maria Vetsera.
Incidente de Mayerling
Rodolfo, o príncipe herdeiro do império austro-húngaro.