21/11/2021

João Cândido e a revolta da chibata no Brasil

João Cândido (1880-1969), marinheiro negro, liderou a revolta, conhecida como revolta da chibata, que teve o seu início em 22 de novembro de 1910, contra a permanência dos maus tratos, baixos salários e deploráveis condições de trabalho na estrutura militar brasileira. Este ano é o protagonista da Bienal de São Paulo e existe a proposta do Senado para que seja inscrito no livro dos heróis e heroínas do povo brasileiro.

Como consequência de liderar este motim foi encarcerado e, durante esse período, bordava durante horas. Os seus trabalhos estão expostos na Bienal de S. Paulo e denunciam a brutalidade da reação das hierarquias militares e políticas. Existia na marinha a tradição de bordar, pois era necessário remendar a roupa ou as velas durante a navegação.

João Cândido esteve quinze anos alistado na marinha que mantinha tradições que permaneciam do contexto esclavagista, nomeadamente, no tratamento a que estavam sujeitos os antigos escravos e os seus descendentes. A consciência da injustiça ficou mais evidente com o contacto com a realidade europeia, observando o modo de funcionamento de outras armadas no que respeita aos direitos dos marinheiros.

Em 22 de novembro de 1910, os navios de guerra São Paulo e Minas Gerais, comprados no Reino Unido, e dois outros navios (o Deodoro e o Bahia), foram apreendidos por 3000 marinheiros que exigiam aumentos salariais, melhor alimentação e condições de trabalho e o fim dos castigos físicos. Nesta revolta morreram vários oficiais e a cidade do Rio de Janeiro foi bombardeada. No dia 26 de novembro o governo do Marechal Hermes da Fonseca (1855-1923) cedeu às reivindicações dos revoltosos, terminando com a revolta da chibata. Os amotinados beneficiaram de uma amnistia, sendo, posteriormente, expulsos da marinha. João Cândido e cerca de duas dezenas de marinheiros, considerados cabeças de motim, foram encarcerados no presídio da Baía da Guanabara, tendo ele sido dos poucos que sobreviveu às péssimas condições da prisão.

Este marinheiro negro e analfabeto, que também ficou conhecido como o Almirante negro, no Brasil do início do século XX, tinha-se revelado um líder carismático e respeitado pelos seus pares. Liderou uma insubordinação militar tendo por objetivo reivindicações laborais, numa época em que não existiam sindicatos ou o direito à greve, enfrentando as hierarquias militares e políticas que ainda utilizavam a violência como principal instrumento opressor. Desta revolta resultou o fim dos castigos corporais nas estruturas militares, realidade que não se coadunava com uma república moderna. Foi deste modo que João Cândido se tornou no símbolo do movimento pelos direitos laborais e uma memória na luta contra os resquícios de práticas que prolongavam hábitos do período esclavagista.

Apesar de ter desembarcado vitorioso há 111 anos, foi sujeito a uma pena de prisão e, após a sua libertação, a um ostracismo social, vivendo da pesca e da solidariedade de outros marinheiros. Apesar de ter aderido em 1932 à Ação Integralista Brasileira, movimento nacionalista que apoiava soluções políticas ditatoriais, a sua memória foi resgatada com a presidência de Lula da Silva. Foi erigida uma estátua na praça XV do Rio de Janeiro, um local que foi mercado de escravos e onde se situa o palácio em que a princesa Isabel (1846-1921) assinou a lei áurea. Se a proposta do Senado for aprovada João Cândido integrará o panteão dos heróis brasileiros.

Marinheiros rebeldes na coberta do navio de guerra «São Paulo» com uma bandeira em que se pode ler «Viva a Liberdade»

Fim da revolta anunciado na primeira página do diário carioca Correio da Manhã (28/11/1910)
O lenço bordado «Amor», que João Cândido coseu na prisão e que está exposto na bienal de São Paulo (2021)

18/11/2021

Fotografias dos vestígios arqueológicos de Collippo

Fotografias dos vestígios da antiga cidade romana de Collippo que se localizava  no monte de São Sebastião do Freixo, nos limites do concelho de Leiria e Batalha.

Na década de 60 do século passada estes vestígios foram muito afetados durante a plantação de vinha e, atualmente, os seus limites são  desconhecidos. Durante séculos as pedras da antiga cidade foram reutilizadas para a construção de outras estruturas como o Castelo de Leiria.

O sítio teve assento um antigo povoado da Idade do Ferro, sucedendo-lhe a cidade romana de Collipo, referida por Plínio, o Velho, (Estabias, 23- Nápoles, 79 d.C.) na sua Naturalis Historia (História Natural, capítulo 35, Lusitânia) [c. 77-79 d.C.].

«A Durio Lusitania incipit: Turduli veteres, Pæsuri, flumen Vagia, oppidum Talabrica, oppidum et flumen Aeminium, oppida Conimbrica, Collipo, Eburobritium [...]» 

A fundação da cidade, com uma posição dominante sobre os vales férteis dos principais rios da região: o Lena e o Lis, remonta provavelmente ao século IV a.C.. Em meados dos século passado, foi descoberto um mosaico a preto e branco com a figuração do hipocampo (criatura mitológica partilhada pela mitologia fenícia e grega. Tem tipicamente sido descrito como cavalo na parte anterior do seu corpo e peixe na parte posterior com a cauda escamoso, como um cavalo-marinho). As sucessivas intervenções de emergência no local permitiram identificar a existência de um forno, de uma inscrição funerária, de estátuas em mármore e de estruturas habitacionais. Em época indeterminada, na Idade Média, edificou-se uma Igreja.
Fotografias dos vestígios arqueológicos de Collipo

05/11/2021

Escavações arqueológicas próximas do castelo de Leiria

Um troço de calçada romana, um silo com peças dos séculos IX a XII, muros e fundos de cabanas da Idade do Ferro e uma moeda islâmica em ouro, são alguns dos muitos vestígios arqueológicos postos a descoberto pelas obras em curso no largo de São Pedro (Leiria).

O conjunto de vestígios detetados atravessam várias épocas, desde a pré-história (Idades do Ferro e do Bronze), passando pelos períodos romano e medieval.

Das épocas mais recuadas, destaque para a descoberta de fossas de finais da Idade do Ferro,  junto ao arco de entrada no largo de São Pedro, bem como muros, fundo de cabanas com estruturas em pedras, buracos em poste e barro, indicativas de uma forte ocupação do local nesse período. As escavações permitiram exumar materiais líticos, fauna e cerâmicas , incluindo fragmentos de importação, datados da Idade do Ferro. Do período romano, está já identificado um troço de calçada com caneiro, relacionado com esse achado, existem vários alinhamentos de muros de habitações. Do mundo islâmico, apenas foi exumada uma moeda em ouro – um dinar almorávida do ano 1122 –, um fragmento cerâmico com pintura a branco e dois fragmentos de azulejo hispano-árabe em corda seca. A falta de material islâmico vem corroborar a teoria de que Leiria tem muito mais ligações ao mundo cristão do norte do que ao mundo islâmico do sul neste período da idade média. No decorrer dos trabalhos foi também possível intervencionar vários espaços e estruturas da época medieval, entre as quais um silo em forma de saco com cerca de dois metros de profundidade, com várias peças com formas entre os séculos IX e XII. Ainda da Idade Média, as escavações puseram a descoberto um troço de muralha dessa época sob o arco da torre sineira, níveis de ocupação com fornos e níveis de combustão ligados a pequenas forjas.

Foram identificados mais de 80 esqueletos nas ossadas da necrópole associada à Igreja de São Pedro, sendo que dois indivíduos não são «europeus». Os enterramentos mais recentes são, na sua maioria, em covacho (pequena cova) sem qualquer tipo de delimitação de sepultura, enquanto nos mais antigas há sepulturas escavadas em sedimento argiloso com algumas peles a delimitá-las. Do espólio funerário, os arqueólogos destacam ainda a descoberta de contas de terço e alguns numismas [moedas cunhadas].

A escavação ainda está a decorrer, assim como o estudo dos materiais exumados e das estruturas identificadas.

Escavações a decorre no Largo de S. Pedro, junto ao castelo de Leiria

28/10/2021

Uma nova espécie humana ancestral - o Homo bodoensis

Foi anunciada uma nova espécie ancestral de humanos, o Homo bodoensis, que pode ser determinante para o conhecimento da evolução humana há cerca de meio milhão de anos. O Homo bodoensis viveu em África durante o período do Pleistoceno Médio, há cerca de meio milhão de anos, e pode ser considerado um antepassado direto dos humanos modernos. No Pleistoceno Médio surgiu o homo sapiens em África (tendo chegado à Europa há cerca de 45 mil anos) e do homo neanderthalensis na Europa. No entanto, o capítulo da evolução humana nesta época é ainda mal compreendido, um problema que os paleoantropólogos chamam de «confusão do meio», considerando que o anúncio do Homo bodoensis pode agora ajudar a clarificar. A nova designação é baseada numa reavaliação dos fósseis desse período descobertos em África e na Eurásia. O nome bodoensis deriva de um crânio encontrado em Bodo D'ar, na Etiópia, e deverá ser aplicada aos humanos do Pleistoceno Médio de África e a alguns do sudeste da Europa, enquanto muitos do continente europeu serão reclassificados como Neandertais.

Homo bodoensis viveu em África durante o período do Pleistoceno Médio, há cerca 500 mil anos.

10/05/2021

Apresentação - Percursos da História 10

 Próxima estreia! Veja e converse em direto com outros visitantes enquanto o carregamento é apresentado pela primeira vez.

https://www.youtube.com/watch?v=Z-BlWn68rAU

Percursos da História - 10.º ano
https://www.youtube.com/watch?v=Z-BlWn68rAU

27/04/2021

Apresentação Percursos da História - Esquema

 Apresentação Percursos de História 10.º ano - Esquema





Apresentação dos Percursos da História 10.º ano

 Percursos da História 10.º ano - Ano letivo 2021/2022

Texto de autor com extensão necessária e adequada e linguagem rigorosa

Texto atualizado de acordo com as mais recentes investigações da historiografia

Visão problematizadora da História

Utilização de abundantes, diversificados e originais suportes documentais

Articulação vertical e horizontal

Atividades no âmbito da Cidadania e Desenvolvimento

Atividades de exploração para todos os documentos

Resumos e esquemas-síntese muito originais no final de cada domínio

Itens com identificação de cada domínio (CA - capacidades; CO - conhecimentos; HB - híbridas)









26/04/2021

Percursos da História 10.º ano

Este projeto editorial procura explorar novos Percursos da História, evitando repetir algumas interpretações historiográficas que se cristalizaram nos manuais escolares, para dar lugar a uma síntese de novas investigações que iluminam, de ângulos diferentes, aspetos significativos da evolução das sociedades humanas ao longo do tempo.

O texto problematizante interage com uma seleção original de documentos, pretendendo valorizar o conhecimento histórico que resulta de uma confrontação de fontes e de hipóteses e, desta forma, estimular o espírito crítico dos alunos do ensino secundário.

Os documentos surgem em plena paridade com o texto dos autores e constituem um elemento central para o desenvolvimento das competências previstas no perfil do aluno no final do 12.º ano. Ao longo das páginas do manual diversificadas propostas de atividades vão motivar e envolver os alunos na construção das suas aprendizagens.

Nos dossiers foram desenvolvidas temáticas que respondem aos atuais desafios das nossas escolas, apresentando atividades planificadas de articulação horizontal do currículo e de desenvolvimento de temas previstos na educação para a cidadania.

Um projeto construído de acordo com as Aprendizagens Essenciais e que constitui um recurso coerente no desenvolvimento do trabalho para os/as alunos e alunas e professores e professoras.

Que os bons ventos nos acompanhem e dirijam por estes Percursos da História.

24/04/2021

Córdova por volta do ano mil

O líder político e militar Almançor desperta uma guerra santa que estivera adormecida durante mais de meio século, para se legitimar no poder e fazer esquecer que é um usurpador. Para que não existam dúvidas do seu fervor religioso, demonstra publicamente uma piedade irrepreensível. Recopia com o seu punho um Corão que costuma levar consigo em campanha. Ignora-se se o decora para fazer jus ao título de «hâfiz» (bela memória). Aparece também, vestido de luto, a participar numa oração implorando por chuva. Ordena, em 988, a ampliação da Grande Mesquita de Córdova. Das obras são incumbidos os prisioneiros cristãos, que erguem oito novas naves laterais. Com a sua floresta de mil colunas, em mármore, jaspe e pórfiro, os seus 19 portais, o pátio das abluções e os seus 200 castiçais, com o seu «mirhab», o tabernáculo revestido de ouro e mosaicos trabalhados à maneira de Bizâncio, o púlpito constituído por 37 pequenos painéis em marfim e madeiras preciosas, a mesquita é, então, o mais belo templo muçulmano do mundo.

Para cristãos e judeus, al-Andaluz continua a ser a terra de tolerância que sempre foi, e isto numa época em que nenhum muçulmano pode estavelmente fixar-se na Ibéria católica. À chegada, os conquistadores haviam encontrado uma Espanha na maior parte pagã, onde o cristianismo ainda não ganhara raízes fortes, e os judeus sofriam as perseguições dos visigodos. Todos acolheram bem os recém-chegados - servindo-lhes, nalguns casos, de batedores até Toledo -, que não tinham intenção de os forçar a converter-se. A maioria dos hispânicos adotará o islão; os cristãos não convertidos aceitarão os costumes e a língua árabes. Apesar de ser praticamente impossível construir novas igrejas, e de a apostasia ser punida com a pena de morte, cristãos e judeus gozam de total liberdade de culto, mediante o cumprimento de certas obrigações e o pagamento de impostos especiais associados ao estatuto de «dhimmis» (contribuintes).

No coração do país mais urbanizado da Europa, a Córdova de Almançor alberga perto de 200 mil habitantes, tantos quantos o Cairo e dez vezes mais que os de Paris. Em população, só Bagdad e Constantinopla a precedem. São às centenas as escolas e colégios, onde se aplica a palavra do Profeta: «A tinta do aluno é mais sagrada do que o sangue do mártir.» É capital do conhecimento, colmeia de eruditos, juristas, médicos, sábios e poetas, «tão numerosos», diz um cronista, «como as areias do oceano». Em campanha, Almançor chega a fazer-se acompanhar por 40 poetas de corte. O seu reinado preserva o esplendor cultural de al-Andaluz, que atingirá o apogeu, após a abolição do califado, nos 26 pequenos Estados nascidos da sua pulverização. Assiste-se ao progresso da ciência «árabe», que durante muito tempo terá um papel de vanguarda em relação a todas as outras. Uma ciência importada primeiro do Oriente, sobre um fundo de cultura helenística e latina, e se torna depois autóctone em todos os domínios: álgebra, astronomia, biologia, botânica, zoologia, música. A Andaluzia adota o sistema de numeração indiano, com uma base 10, antepassado do nosso e cuja peça mestra é o zero. A partir de agora, os sábios árabes passarão a preocupar-se menos em explicar a natureza do que em agir sobre ela. Esta conversão estimula os talentos e as invenções. O melhor cirurgião muçulmano, Abulcasis, vive então em Córdova. Lá se constrói um «planetário»; fabricam-se astrolábios, relógios, quadrantes; utilizam-se as tábuas de astronomia indianas; abrem-se parques zoológicos e jardins botânicos; apuram-se farmacopeias. No tempo de Almançor, a cultura de al-Andaluz irradia até aos Pirenéus, e para lá deles. Nos mosteiros catalães onde estuda, o jovem Gerbert d'Aurillac, o futuro papa Silvestre II, absorve, maravilhado, o saber vindo de Córdova. Sem sequer imaginar que a Espanha muçulmana ali introduziu tantas outras técnicas e produtos que a Europa cristã irá descobrindo aos poucos, do bicho-da-seda ao papel, passando pelo arroz, o açúcar, o algodão, os limões ou os espargos. Esta sociedade consente o epicurismo. Um poeta, grande apaixonado pela vida, escreve então: «Atravesso o círculo dos prazeres como um corcel em fúria que toma o freio nos dentes.» Para retocar o seu perfil de califa, Almançor afasta-se do Alcazar. Abd al-Rahman III tinha mandado construir para si uma cidade-palácio, "Madinat al-Zahra", a oeste da capital, no sopé da "Montanha da Desposada", que domina a planície de Córdova. O "hadjib" imita-o. É ou não verdade que tem tudo a recear dos humores de uma plebe obstinadamente fiel aos omíadas? Escolhe uma curva do Guadalquivir, a leste de Córdova, para aí instalar uma nova cidadela, que batiza quase como a precedente, "al-Madina al-Zahira" (a cidade que brilha). Manda que o seu nome figure nas orações, nas moedas e, bordado a fio de ouro, nas roupas de cerimónia. As duas cidades serão postas a saque quando da guerra civil de 1009-1010, que instaura o caos. Da primeira ficaram ruínas sumptuosas; da segunda não se encontram sequer vestígios.

Estas precauções não chegam. Para neutralizar a velha aristocracia militar árabe e meter na ordem os esclavónios, Almançor "berberiza" e reforma o exército. A África do Norte, à qual Córdova estende pouco a pouco o seu protetorado, fornece-lhe um viveiro quase inesgotável de mercenários berberes que atravessam o mar em clãs inteiros, e em breve constituirão o grosso do exército omíada. São tratados com desvelo, magnificamente equipados, armados dos pés à cabeça. Usando uma política de mistura das unidades militares, que fará frequentemente escola longe da Andaluzia, quebra as amarras familiares e tribais onde a nobreza de sangue ia muitas vezes buscar a clientela e extrair a força. Sob o comando de Almançor, o exército cordovês chega aos 60 mil homens, um número enorme para o tempo. Para o financiar, vai ser necessário tributar os camponeses com novos impostos, o que dará azo ao protesto e acarretará, a prazo, a ruína da economia. A berberização do exército, agora menos fiel à dinastia dos omíadas, apressará a queda do califado. Almançor segura firmemente as rédeas do poder. Gerida com firmeza, competência e relativa justiça, a Espanha muçulmana possui a melhor administração do mundo ocidental. O seu chefe garantir-lhe-á duas décadas de tranquilidade aquém-fronteiras. Os criminosos e os conspiradores, mas também os importunos, são castigados sem clemência, envenenados, ou crucificados, atados a postes num embarcadouro do rio. Os espiões são eficazes, a polícia vigia as ruas e os mercados. Volta a ser possível caminhar por Córdova à noite sem grandes receios. A previdência preside ao aprovisionamento: em 991, reservas de trigo empilhadas em silos substituem de imediato as colheitas que uma invasão de gafanhotos destruiu. "Tenho mais cereal ao meu dispor do que o próprio José", gaba-se Almançor um dia. A moeda - moedas de ouro, prata ou cobre - é estável; o fisco, eficaz. O tesouro real acumula-se em quatro casas-fortes do palácio, às quais se recorre todos os meses, mas muito mais em junho, em vésperas das grandes expedições de Verão. Almançor prepara cuidadosamente cada nova campanha. Ao vale do rio, a jusante de Sevilha, onde o pasto abunda e vivem três mil éguas de criação e 300 garanhões, vão buscar-se os cavalos, que já estão à espera; na província de Múrcia, reúnem-se os 400 camelos para o transporte da carga pesada; e o exército, que em campanha depende das populações locais, não deixa Córdova sem antes se ter certificado do estado das colheitas.

À Espanha cristã não resta senão reforçar a defesa. As mais graves derrotas que Almançor lhe inflige ocorrem em San Vincente, Zamora, Rueda (981), Barcelona (985), cujo revés dos cristãos serve de pretexto ao rei dos francos, Hugo, o Capeto, para acelerar a sagração do filho Roberto, em Leão (988), no termo de uma batalha que um astrólogo lhe aconselhara ('Marcha contra essa cidade. Conseguirás apoderar-te dela!'), em Ávila (994) e a seguir, após Compostela (997), em Cervera, no Ano Mil. Chegada a velhice, Almançor é assaltado com mais frequência pela ideia da morte. Guarda com ele a mortalha que as filhas talharam de uma peça de linho. No pino do Verão de 1002, ao regressar de Castela, sente que o fim está próximo. Minado por crises de gota, recusa ser tratado. É transportado em liteira por negros, cujo andar é mais leve e flexível. No posto fronteiriço de Medinaceli, dita o seu testamento político ao filho, Abd al-Malik. Aconselha-o a deixar intocado o título de califa e a ilusão de autoridade que ele reflete. Ao ver o filho chorar, prediz, com aspereza, mas também com lucidez: "Eis uma boa de forma de pressagiar o fim próximo do império." Morre a 10 de agosto de 1002, quase a fazer 66 anos. É enterrado ali mesmo, sob uma austera pedra tumular com dois únicos versos gravados em sua glória. Antes, porém, recobrem-lhe a mortalha, conforme vontade expressa, com a poeira trazida agarrada à roupa no regresso das expedições e que guardava consigo, religiosamente, numa arca.

Córdova no ano mil

15/04/2021

Possível obra de Caravaggio impedida de ir a leilão em Espanha

O Estado espanhol bloqueou a venda de pinturas que iam a leilão em Madrid porque uma dessas obras, um óleo sobre tela de 111 x 86 centímetros intitulado A Coroação de Espinhos, atribuído ao círculo de José de Ribera, com o preço inicial de 1.500 euros pode ser uma obra de Caravaggio. José de Ribera era um seguidor do caravaggismo, esteve em Roma desde 1608 e em Nápoles desde 1616. 
Caso se prove a tese de que se trata de uma tela de Caravaggio, o preço poderá situar-se entre 100 e 150 milhões de euros. A atribuição a Caravaggio não se baseia apenas na experiência de um especialista, mas na interpretação de alguns documentos. Este seria o Ecce homo pintado para o Cardeal Massimi, sobre o qual o próprio Caravaggio escreve: «Eu, Michel Angelo Merisi da Caravaggio, me obrigo a comparecer perante o ilustre Massimo Massimi por ter sido pago por uma pintura de valor e grandeza como a que já fiz. Eu o fiz da coroação de cristo [...] 25 de junho de 1605 » (Arquivo da Família de Massimi, Roma). Os historiadores Bellori e Baldinucci relatam que no final do século XVII esta obra se encontrava em Espanha. Roberto Longhi identificará a obra com o Ecce homo da coleção Doria mantida no Palazzo Bianco de Génova. Para Sgarbi, a marca de Caravaggio pode ser vista no olhar brutal do homem à esquerda e na mão que segura a cortina vermelha da estola: esse motivo é, para este historiador da arte, a assinatura indiscutível de Caravaggio.
Nicola Spinosa, especialista na pintura napolitana do século XVII, discorda. Esta tela não é de Caravaggio. O facto de a figura em primeiro plano reproduzir o Ecce homo no Museu Prado indicia ser uma cópia. Na sua opinião esta pintura é de um «caravaggieso» de grande qualidade, mas não de Ribera.
Ecce homo, possível Caravaggio

Ecce homo, possível Caravaggio (pormenor)

02/04/2021

Vinte e duas múmias reais transferidas do Museu do Cairo para o Museu Nacional da Civilização Egípcia

Por ordem cronológica, dezoito reis e quatro rainhas, cada um na sua carruagem, abandonarão o museu onde estão há mais de um século, o Museu do Cairo, e mudar-se-ão para uma nova casa, o Museu Nacional da Civilização Egípcia. Trata-se de um enorme edifício moderno construído nos últimos anos no sul do Cairo, que deverá abrir as portas em meados de Abril de 2021. O faraó Seqenenre Taa (século XVI a.C.) da 17.ª dinastia abre o desfile, que é encerrado por Ramsés IX (século III a.C.) da 20.ª dinastia, e o evento será acompanhado por apresentações musicais transmitidas em direto na televisão. Descobertas perto de Luxor (sul) a partir de 1881, a maioria das 22 múmias não deixou o museu egípcio situado na praça Tahrir, no centro do Cairo, desde o início do século XX. Desde os anos 1950 que estavam expostas ao lado umas das outras numa pequena sala, sem explicações museográficas claras. As múmias serão transportadas num embrulho contendo azoto, em condições semelhantes às que têm nas caixas de exposição, e as carruagens estão equipadas com mecanismos de absorção de choques. No novo museu ficarão em caixas mais modernas para um melhor controlo da temperatura e humidade. Serão apresentados ao lado dos seus sarcófagos, numa decoração que lembra os túmulos subterrâneos, acompanhados de uma biografia e em alguns dos casos dos seus scans.

O Grande Museu Egípcio, próximo das pirâmides de Gizé, deve ser inaugurado ainda no ano de 2021 e vai receber as coleções faraónicas do museu do Cairo, incluindo o célebre tesouro do rei Tutankhamon (século XIV a.C.).

A múmia de Seqenenre Taa abrirá o desfile que obedece a uma ordem cronológica.

Um olhar sobre o património - semana cultural do Agrupamento de Escolas Artur Gonçalves - Torres Novas

 Notas da moderação da atividade - Um olhar sobre o património - 24/03/2021

Nesta reunião de amigos e colegas em espírito de tertúlia vamos lançar um olhar sobre as relações que se podem estabelecer entre o património e a escola, ou melhor, a forma como pode ser rentabilizado o património entendido numa definição larga que abrange património material, imaterial e natural e as aprendizagens dos alunos.

Tema extenso e atual que merece ser refletido e incorporado nas práticas letivas.

Leio uma frase que pode servir de mote para a nossa conversa: «Segundo uma lógica de sustentabilidade e na raiz mais profunda do étimo, património é isso mesmo: um bem que se transmite por herança para assegurar o futuro de quem vem e o bem nome de quem esteve».

Tenho a certeza que pelo elevado nível intelectual dos nossos convidados, que muito nos distinguem com a sua presença, esta conversa entre amigos vai ser extremamente interessante.

 Vou passar a palavra aos nossos convidados, a quem, em nome do nosso agrupamento agradeço afetuosamente a participação nesta atividade, para que depois, dentro do espírito de tertúlia, a conversa se possa alargar a todos os presentes.

https://www.youtube.com/watch?v=wvnZZMxs40I

António Ribeiro (24/03/2021)

António Ribeiro (24/03/2021)

António Ribeiro (24/03/2021)

27/02/2021

Encontrada carruagem cerimonial em villa próxima de Pompeia

Foi descoberta uma carruagem cerimonial numa villa nos arredores de Pompeia, a cidade soterrada pela erupção Vesúvio em 79 d.C. A carruagem de quatro rodas, construída com ferro, bronze e estanho, estava localizada perto dos estábulos da villa em Civita Giuliana, cerca de 700 metros ao norte das muralhas de Pompeia. Seria um veículo usado em cerimónias, desfiles e profissões e, por esse motivo, é uma peça rara.

Carruagem cerimonial século I d.C. (Pompeia)


28/01/2021

Ano mil e o início da globalização?

E se quase tudo o que sabemos sobre as origens da globalização estiver errado? Neste livro, Valerie Hansen, da Universidade de Yale, argumenta, de forma algo provocadora, que a globalização não teve início apenas quando os Portugueses «deram novos mundos ao mundo». Corajosas explorações e ousadas missões comerciais ligaram as grandes sociedades mundiais cinco séculos antes, levando desde logo à difusão de objetos, pessoas, tecnologias, produtos agrícolas e religiões um pouco por todo o mundo – o que representa o verdadeiro início da globalização.

Será que se pode utilizar o conceito de globalização para estes períodos históricos ou será um anacronismo e o mais correto era utilizar o conceito de protoglobalização.

 


03/01/2021

Todos os frescos da capela sistina em fotos de alta resolução. Publicação editorial em três volumes que custam 18 mil euros

Miguel Ângelo trabalhou na abóbada de berço da Capela sistina quase cinco anos (de 1508 a 1512) e legou este testemunho: «Depois de quatro anos de tortura e mais de 400 figuras em tamanho natural, sentia-me tão velho e exausto quanto Jeremías. Eu tinha 37 anos e nem os meus amigos reconheciam o velho em que me tornei». Um espaço de mais de 1.000 metros quadrados a 20 metros de altura foi transformado numa das mais grandiosas obras de arte da humanidade. Nesse espaço Miguel Ângelo criou um conjunto frescos de arqruitetura fingida onde incluiu o desenvolvimento das histórias do Génesis com mais de 400 figuras em tamanho natural. Esta criação monumental, encomendada pelo Papa Júlio II, mas que ninguém foi capaz de observar com o nível de detalhe com que o artista os criou, senão subindo os 20 metros que os separam do solo.

A editora Callaway Arts and Entertainment, em colaboração com os Museus do Vaticano e a editora italiana Scripta Maneant, desenvolveu um projeto fotográfico que exigiu mais tempo de trabalho do que o próprio trabalho de Michelangelo, cinco anos, e que oferece uma visão sem precedentes de toda a Capela Sistina.

Graças à mais recente tecnologia em fotografia digital, a Capela Sistina publica em três volumes as imagens de alta resolução, em escala real e com uma precisão de cor de 99,4% da abóbada de Miguel Ângelo e dos frescos que Sandro Boticelli, Perugino ou Ghirlandaio pintaram nas laterais do altar, por ordem do Papa Sisto IV.

O responsável do desenho tipográfico é Jerry Kelly, os textos são de Antonio Paolucci que explicita a história dos bastidores da decoração da capela sistina.

São as mais de 270.000 imagens captadas para reproduzir as obras que tornam a Capela Sistina património da humanidade.

É uma das publicações mais extravagantes do mundo editorial, pois tem o preço de 17.965 euros.

Fotos dos frescos da capela Sistina
The Sistine Chapel

Pormenor dos frescos da capela Sistina
Pormenor dos frescos da Capela Sistina

Pormenor dos frescos da capela Sistina
Pormenor dos frescos da Capela Sistina

Pormenor dos frescos da Capela Sistina
Pormenor dos frescos da Capela Sistina