João Cândido (1880-1969), marinheiro negro, liderou a revolta, conhecida como revolta da chibata, que teve o seu início em 22 de novembro de 1910, contra a permanência dos maus tratos, baixos salários e deploráveis condições de trabalho na estrutura militar brasileira. Este ano é o protagonista da Bienal de São Paulo e existe a proposta do Senado para que seja inscrito no livro dos heróis e heroínas do povo brasileiro.
Como consequência de liderar este motim foi encarcerado e, durante esse período, bordava durante horas. Os seus trabalhos estão expostos na Bienal de S. Paulo e denunciam a brutalidade da reação das hierarquias militares e políticas. Existia na marinha a tradição de bordar, pois era necessário remendar a roupa ou as velas durante a navegação.
João Cândido esteve quinze anos alistado na marinha que mantinha tradições que permaneciam do contexto esclavagista, nomeadamente, no tratamento a que estavam sujeitos os antigos escravos e os seus descendentes. A consciência da injustiça ficou mais evidente com o contacto com a realidade europeia, observando o modo de funcionamento de outras armadas no que respeita aos direitos dos marinheiros.
Em 22 de novembro de 1910, os navios de guerra São Paulo e Minas Gerais, comprados no Reino Unido, e dois outros navios (o Deodoro e o Bahia), foram apreendidos por 3000 marinheiros que exigiam aumentos salariais, melhor alimentação e condições de trabalho e o fim dos castigos físicos. Nesta revolta morreram vários oficiais e a cidade do Rio de Janeiro foi bombardeada. No dia 26 de novembro o governo do Marechal Hermes da Fonseca (1855-1923) cedeu às reivindicações dos revoltosos, terminando com a revolta da chibata. Os amotinados beneficiaram de uma amnistia, sendo, posteriormente, expulsos da marinha. João Cândido e cerca de duas dezenas de marinheiros, considerados cabeças de motim, foram encarcerados no presídio da Baía da Guanabara, tendo ele sido dos poucos que sobreviveu às péssimas condições da prisão.
Este marinheiro negro e analfabeto, que também ficou conhecido como o Almirante negro, no Brasil do início do século XX, tinha-se revelado um líder carismático e respeitado pelos seus pares. Liderou uma insubordinação militar tendo por objetivo reivindicações laborais, numa época em que não existiam sindicatos ou o direito à greve, enfrentando as hierarquias militares e políticas que ainda utilizavam a violência como principal instrumento opressor. Desta revolta resultou o fim dos castigos corporais nas estruturas militares, realidade que não se coadunava com uma república moderna. Foi deste modo que João Cândido se tornou no símbolo do movimento pelos direitos laborais e uma memória na luta contra os resquícios de práticas que prolongavam hábitos do período esclavagista.
Apesar de ter desembarcado vitorioso há 111 anos, foi sujeito a uma pena de prisão e, após a sua libertação, a um ostracismo social, vivendo da pesca e da solidariedade de outros marinheiros. Apesar de ter aderido em 1932 à Ação Integralista Brasileira, movimento nacionalista que apoiava soluções políticas ditatoriais, a sua memória foi resgatada com a presidência de Lula da Silva. Foi erigida uma estátua na praça XV do Rio de Janeiro, um local que foi mercado de escravos e onde se situa o palácio em que a princesa Isabel (1846-1921) assinou a lei áurea. Se a proposta do Senado for aprovada João Cândido integrará o panteão dos heróis brasileiros.
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