Notícias de Educação

Problemas de comportamento aumentam em turmas maiores
CLARA VIANA, Público, 05/04/2016
Quanto maiores forem as turmas, menor é o tempo gasto em actividades de ensino e aprendizagem. Esta é uma das conclusões destacadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) num estudo sobre a organização de turmas, divulgado na semana passada, onde se refere também que as salas com mais estudantes “estão associadas a uma maior proporção de alunos com problemas comportamentais”.
Para avaliar a relação entre a dimensão média das turmas e o tempo gasto em actividades de ensino e a manter a ordem na sala de aula, o CNE recuperou os dados do último inquérito realizado pela OCDE a professores e dirigentes escolares de 34 países, datado de 2013. As respostas recolhidas no âmbito do inquérito Teaching and Learning International Survey (TALIS) dão conta de que Portugal está entre os países em que os professores dizem gastar mais tempo a manter a ordem na sala de aula: 15,7% do tempo de aulas é consumido nesta tarefa, contra uma média de 13,1% na OCDE. A Rússia é o país que apresenta melhores resultados neste capítulo, com apenas 6,3% do tempo dos professores a ser gasto em manter a ordem nas aulas. O pior é o Brasil, onde esta percentagem sobe para 19,8%.

O relatório foi divulgado a uma semana de serem apreciadas no Parlamento várias iniciativas legislativas — do PCP, Verdes, Bloco de Esquerda, CDS e PS — com vista à redução do número de alunos por turma, uma medida que, segundo o CNE, poderá resultar num encargo financeiro de mais 750 milhões de euros.
No último estudo sobre o estado da educação da OCDE (Education at Glance 2015), refere-se que “os professores gastam, em média, 79% do seu tempo no processo de ensino e aprendizagem”, uma proporção que, contudo, “varia muito de país para país” e que, só em parte, pode ser explicada pela dimensão das turmas, lembra o CNE, remetendo para as respostas recolhidas no âmbito do TALIS e que dão conta, por exemplo, desta situação: a dimensão média das turmas é semelhante em Portugal e na Polónia, mas o tempo gasto a ensinar é substancialmente menor por cá — 75,8%, por comparação com os 82,2% reportados pelos professores polacos.
Apesar de existirem outros factores que contribuem para esta variação, entre eles a qualidade dos professores, os dados recolhidos pela OCDE mostram que existe uma correlação entre o número de alunos por turma e o tempo dedicado ao ensino. “Especificamente, por cada aluno adicionado à média da dimensão de uma turma está associado uma diminuição de 0,5 pontos percentuais no tempo gasto em actividades de ensino e aprendizagem”, frisa o CNE.
As turmas de maior dimensão também “estão associadas a uma maior proporção de alunos com problemas comportamentais” e, quando esta é superior a 10%, os professores “gastam quase o dobro do tempo a manter a ordem na sala de aula”, destaca o CNE. Segundo os dados do TALIS, Portugal está entre os cinco países com uma maior percentagem de professores a indicar que estão nesta situação: 38%. A Finlândia, geralmente apontado como um modelo na educação, aparece logo a seguir, com 35%, e o Brasil volta a ser o pior colocado, com mais de metade dos docentes (67%) a relatarem que leccionam em turmas onde mais de 10% dos alunos têm problemas de comportamento. Já no Japão desce para 14%, o valor mais baixo nesta tabela.
Num estudo sobre a indisciplina nas escolas, divulgado no mês passado, o docente do ensino secundário Alexandre Henriques, autor do blogue ComRegras, também apresenta a redução do número de alunos por turma como uma das medidas que podem contribuir para a redução daquele fenómeno que, segundo ele, é um dos principais problemas do sistema de ensino português. Os dados que recolheu em 38 agrupamentos e escolas, abrangendo cerca de 50 mil alunos, dão conta de que no ano lectivo de 2014/2015 se registaram mais de nove mil participações disciplinares. Sublinhando que estes elementos dizem respeito apenas a 4% dos agrupamentos existentes, Alexandre Henriques faz o seguinte exercício: extrapolando para uma amostragem de 100% poder-se-ia chegar, “hipoteticamente, a um número superior a 200 mil participações disciplinares num só ano”. Alexandre Henriques comenta que "é do senso comum que tomar conta de 30 crianças não é a mesma coisa que tomar conta de 15". Embora defenda a redução do número de alunos por turma, considera que é preciso muito mais para reduzir a indisciplina em sala de aula, que deveria passar por “uma estratégia conjunta que envolva Ministério da Educação, pais, professores e também alunos que permitam a implementação de um plano em várias frentes". "A elevada carga lectiva, a negligência parental, modelos pedagógicos erráticos e antiquados, a ausência de monitorização disciplinar e processos burocráticos, entre outros, não se diluem com turmas mais reduzidas".
Mas se a investigação reconhece que a dimensão das turmas contribui para a melhoria dos ambientes escolares, tal já não se passa com a melhoria das aprendizagens, lembra o presidente do CNE, David Justino, na introdução ao relatório apresentado na semana passada. “Se colocarmos em alternativa a redução do número de alunos por turma e um maior investimento na formação de professores e em práticas de apoio às aprendizagens, estas últimas medidas têm maior impacto do que a mera redução administrativa da dimensão das turmas”, especifica o antigo ministro da Educação do PSD.
Actualmente, as turmas do 1.º ciclo podem ter num máximo de 26 alunos e nos ciclos seguintes este número sobe para 30. Os dados recolhidos pelo CNE, um órgão consultivo do Parlamento e do Governo, dão conta de que cerca de 45% das turmas do 1.º ciclo, 25% do 2.º ciclo e 32% do 3.º “estão subdimensionadas, isto é, não atingem o limite mínimo de alunos” por sala. 

Municipalização da educação: quietinhos, não respirem, já está!


SANTANA CASTILHO, Público, 11/02/2015.
Nuno Crato, Poiares Maduro e os autarcas experimentalistas trataram a Educação como se fosse uma grande rotunda e os professores como pacientes sujeitos a raio X: quietinhos, não respirem, já está!
É o mais generoso que se pode dizer quando se analisa o processo e a proposta de Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências, com que pretendem pôr em prática o que é comummente designado por municipalização da Educação. O processo teve a clareza de um pântano. O documento são 28 páginas de verbo magro e matreirice gorda. Deplorável, para qualquer administração pública decente. Adequado a um Governo a que só falta privatizar o Galo de Barcelos. Passemos a alguns factos ilustrativos da mediocridade, que todos não cabem.
Várias cláusulas da proposta de contrato são ilegais, porque desrespeitam o regime de autonomia, administração e gestão das escolas públicas, fixado em três diplomas (DL n.º 75/2008, de 22 de Abril, DL n.º 224/2009, de 11 de Setembro, e DL n.º 137/2012, de 2 de Julho). É o caso concreto da alteração das competências dos conselhos gerais e dos directores, que só um decreto-lei poderia derrogar. O choque entre a lei e o contrato é mais gritante no caso das escolas com contratos de autonomia. Aqui, são duas portarias (a n.º 265/2012 e a n.º 44/2014) implodidas pela autocracia dos contratantes.
Pelo escândalo que gerou, caiu o convite escabroso para que as câmaras cortassem professores, até ao limite máximo de 5% do número considerado necessário, a troco de 12.500 euros por docente abatido. Mas porque os agiotas não dormem em serviço, a Cláusula 40.ª ampliou o cinismo da poupança a todos os recursos educativos e regulamenta a partilha de 50% dos despojos. Chamam-lhe “incentivos à eficiência”.
O pessoal não docente passa a ser gerido pelas autarquias (Cláusula 19.ª), abrindo-se a porta à utilização do mesmo em qualquer serviço camarário. A Cláusula 21.ª torna ainda mais fácil a contratação de privados para o funcionamento das AEC. A Cláusula 25.ª congela todos os gastos por quatro anos. A Cláusula 39.ª favorece a desvirtuação do trabalho pedagógico sério em benefício dos resultados nos exames. A definição dos critérios para a organização e gestão da rede escolar fica pelouro da autarquia, via verde para a privatização que se pretende. E o empreendedorismo voluntarista que as autarquias podem iniciar com a decisão sobre 25% dos curricula já esboçou os primeiros sinais com o presidente da Câmara de Óbidos a anunciar Filosofia para os alunos do 1.º ciclo do básico, yoga para os do jardim-de-infância e golfe e eco design para os do secundário.
Serão poucos os que guardarão memória do Guião para a Reforma do Estado, apresentado pelo vice-primeiro-ministro e objecto de reunião magna do Governo na Sala do Capítulo do vetusto Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Redigido em corpo 16 e com espaçamento pródigo para suprir em espaço o que lhe faltava em ideias, o documento teve o mérito de fixar em escrita uma agenda de entrega ao mercado das mais importantes funções sociais do Estado, sendo as propostas para a Educação o paradigma claro da intenção de utilizar fundos públicos para financiar negócios privados: criação de escolas concessionadas, instituição do cheque-ensino e reforço dos contratos de associação.
Por ironia do destino, a pompa do acto foi servida por circunstância curiosa, que os monges de Cister não protegeram: a imprensa, nacional e internacional, com a prestigiada The Economist à cabeça, dava-nos na mesma altura conta da falência completa da alma mater das escolas concessionadas. A reforma inspiradora, a sueca, iniciada há 20 anos, falhara em toda a linha: a diferença de qualidade entre escolas tornou-se um problema nacional; a segregação social, que antes não existia, cresceu preocupantemente; os resultados dos alunos suecos, medidos pelo PISA, desceram exponencialmente; os gastos públicos não diminuíram; e o ministro sueco da educação anunciava o fim da festa e o retorno das escolas à tutela directa do Estado, reconhecendo que a reforma não poupou, não melhorou e segregou, em nome de uma liberdade de escolha que não funcionou.
Os pressupostos fixados na proposta de delegação de competências em apreço, cruzados com as intenções que já foram anunciadas quanto ao cheque-ensino, poderão repetir no país o que se verificou na Suécia, com a criatividade activa dos grupos económicos a explorarem o negócio até que, anos volvidos, se reconheça a sua falência. Com esta municipalização, os autarcas acabam promovendo políticas a que se oporiam se a iniciativa partisse do Governo central, e o Governo central subtrai-se, maquiavelicamente, aos protestos que as suas políticas originariam. É caso para citar Steve Jobs: “Porquê alistarmo-nos na marinha, se podemos ser piratas?”

O mercado municipal

Santana Castilho
PÚBLICO
16/07/2014
A municipalização da educação está a ensaiar os primeiros passos em contexto estratégico favorável, prudentemente escolhido, já que os professores não pensam senão nuns dias de férias, depois de afogados em trabalhos de exames, que culminaram um ano particularmente desgastante. Foi Poiares Maduro, que não o ministro da pasta, que anunciou, na Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local da Assembleia da República, em Março passado, a intenção de o Governo entregar a gestão da educação a dez municípios-piloto. Na altura, não clarificou o que entendia por gestão da educação. Tão-só disse que a intenção do Governo era descentralizar. Mas descentralizar, verbo transitivo que significa afastar do centro, não é panaceia que traga automática melhoria ao sistema. O experimentalismo descentralizador dos últimos anos no que toca à colocação de professores e o cortejo inominável de aberrações e favoritismos que gerou é um bom exemplo de que muitas vertentes da gestão do ensino devem permanecer centralizadas. Justifica-o a pequena dimensão do país, a natureza dos compromissos, legais e éticos, assumidos pelo Estado face a um vastíssimo universo de cidadãos e as economias de escala que as rotinas informáticas permitem. Quanto aos aspectos que ganharão, e são muitos, se aproximarmos a capacidade de decidir ao local onde as coisas acontecem, não deve o poder ser entregue às câmaras, mas aos professores e às escolas. Justifica-o a circunstância de estarmos a falar da gestão pedagógica. Porque quem sabe de pedagogia são os professores. Há um fio condutor para esta proposta, qual seja o de impor à Educação nacional o modelo de mercado, agora de mercado municipal. Trata-se de transformar o acto educativo em produto de complexidade idêntica à rotunda ou à piscina municipal. Quer-se apresentar a Educação como um simples serviço, circunscrito a objectivos utilitários e instrumentais, regulado prioritariamente por normas de eficiência. Querem exemplo mais escabroso que o convite para que as câmaras cortem professores, até ao limite máximo de 5% do número considerado necessário, a troco de 12.500 euros por docente abatido?
Este é mais um passo que concretiza a estratégia empresarial e tecnocrática que o Governo tem para a Educação, bem fixada pela elitização do ensino, que o “dual” postula para as crianças de dez anos que reprovem duas vezes, pela adopção de pedagogias de adestramento, de que a hiperinflação dos exames é exemplo, e pelo contributo generoso para a introdução de linhas de montagem no ensino, que os monstruosos mega-agrupamentos tipificam. A municipalização, com os pressupostos conhecidos de distribuição de competências, implode de vez a propalada autonomia das escolas e abre portas a iniciativas partidárias de que temos sobeja demonstração empírica, via experiência já colhida de intensa introdução de jogos políticos no funcionamento dos conselhos gerais. Cruzada com as intenções (e o financiamento cativo em sede de Orçamento do Estado) que foram anunciadas quanto ao cheque-ensino, poderá repetir no país o que se verificou na Suécia, com a criatividade activa dos grupos económicos a explorarem o “negócio” até que, anos volvidos, se reconheça a sua falência.
Diz-se que a generalização só se efectivará se uma avaliação, cujo modelo é desconhecido, a recomendar. Os exemplos, velhos e recentes, atestam o valor que a intenção tem. Veja-se o que se acabou de fazer com a avaliação dos centros de investigação. Recorde-se como a experiência do ensino dual passou, vertiginosamente, sem qualquer avaliação, de 10 para 300 escolas. E olhe-se, com um sorriso complacente, o “empreendedorismo” voluntarista que já se esboça: o presidente da Câmara de Óbidos já anunciou Filosofia para os alunos do 1.º ciclo do básico, yoga para os do jardim-de-infância e golfe e “eco design” para os do secundário.
Embora a lei não o permita e de momento apenas se fale numa autorização para os municípios recrutarem pessoal docente para projectos específicos locais (lembremo-nos da contratação de professores de Inglês a quatro euros à hora, feita por empresas intermediárias, nos tempos de José Sócrates), a eventual passagem para as autarquias da responsabilidade de gestão e pagamento aos professores traz à colação a falência técnica de muitas câmaras, os atrasos, muitos, verificados para com professores de actividades extracurriculares e o receio de novas discricionariedades ditadas pelo caciquismo e pela promiscuidade entre câmaras e órgãos unipessoais de direcção das escolas.
Os que se têm movido para desregular o sector por esta via, sem que nenhuma fundamentação empírica o justifique, dão um passo substancial. A saúde move-se já no mesmo sentido, dando razão ao pensamento de Foucault, que nos ensinou que os governos ditos liberais promovem a dissipação do Estado pulverizando mecanismos de controlo e tutela por toda a parte. Ou dito de outro modo: a apetência do Governo por ter cada vez menos responsabilidades sociais vai de passo síncrono com a ânsia caciqueira de mais poder por parte dos autarcas. Com esse engodo, os autarcas acabam promovendo políticas a que se oporiam se a iniciativa partisse do Governo central. E o Governo central subtrai-se, maquiavelicamente, aos protestos que as suas políticas originam. E há quem fale de ausência de estratégia!


Ministério da Educação quer “escolas municipalizadas”em vários concelhos já no ano lectivo 2014/2015

PÚBLICO
04/07/2014
O Ministério da Educação e Ciência (MEC) está em reuniões consecutivas com mais de uma dezena de municípios nos quais quer avançar com a descentralização de competências na área da educação, ao nível do ensino básico e secundário. O MEC queria que a chamada “municipalização das escolas” (com os municípios a assumir responsabilidades na definição da oferta curricular e, eventualmente, na gestão dos próprios docentes) arrancasse já no ano lectivo de 2014/2015. Porém, embora haja concelhos interessados, o processo está atrasado relativamente ao calendário inicial.
Águeda, Famalicão, Matosinhos, Maia, Óbidos, Oliveira de Azeméis, Águeda, Oliveira do Bairro, Cascais, Constância e Abrantes são alguns dos 16 concelhos que já foram contactados no âmbito deste processo que, além do ministério de Nuno Crato, está a ser negociado no terreno pela secretaria de Estado da Administração Local e pelo ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Poiares Maduro. A ideia era aglomerar um mínimo de 10 municipios na fase-piloto do projecto que deverá durar quatro anos, findos os quais, e dependendo da avaliação que vier a ser feita, a delegação de competências passará a ser definitiva.
As negociações têm, porém, seguido a ritmos diferentes nos diferentes municípios. Enquanto alguns, como Constância se terão posto de fora, outros, como Matosinhos, Óbidos e Águeda mostram-se entusiasmados com a ideia. “A proposta do MEC pareceu-nos muito bem formulada, embora as negociações não tenham sido ainda fechadas. O anterior processo de transferência de competências [nas escolas do básico] correu bem, trata-se agora de aprofundar isto e de alargar o processo ao secundário”, adiantou o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto. O vereador da Educação da autarquia, Correia Pinto, precisou que o que está sobre a mesa é “uma descentralização e repartição de competências entre os municípios e as escolas, ficando o Ministério da Educação com as questões de avaliação do próprio sistema e a definição de orientações que se pretende que sejam nacionais para garantir a equidade do sistema educativo”.
Em Óbidos, o presidente da câmara, Humberto Marques, também se mostra impaciente para pôr no terreno a sua “escola municipal”. De tal forma que já por diversas vezes avisou que com ou sem Governo colocará em Setembro a sua marca no único agrupamento do concelho. Faz notar que, ali, o projecto “nasceu muito antes deste Governo ter pensado em tal coisa”; e, apesar de “acreditar que as negociações chegarão a bom termo”, desta vez prefere "prevenir a remediar". Do pré-escolar ao secundário, os alunos terão direito a uma oferta diversificada de actividades cujos custos podem ter de vir a ser suportados integralmente pela autarquia, admite Humberto Marques. “Um risco” que o presidente da câmara assume, publicitando desde já a oferta de Filosofia para crianças no 1.º ciclo, de ioga para as do pré-escolar, e de golfe e de oficinas de eco-design para os alnos mais velhos, só para dar alguns exemplos.
Mais paciente e sereno, o presidente da Câmara de Águeda, Gil Nadais, prefere sublinhar que tudo está ainda numa fase muito prematura e que, “ainda que entretanto se proceda às alterações legislativas necessárias”, os reflexos nos quatro agrupamentos de escolas “não se vão fazer sentir antes de 2015/2016”. “Estamos a dois meses do arranque do novo ano lectivo, mas nada impede que o contrato seja assinado em Setembro e que a transição de competências se faça de forma gradual”, admite Correia Pinto.
Desde 2008 que 113 municípios aceitaram assumir responsabilidades acrescidas relativamente às escolas do ensino básico e da rede pré-escolar, nomeadamente quanto à contratação e gestão do pessoal não docente, à acção social escolar, incluíndo as refeições, e às actividades de enriquecimento escolar, as chamadas AEC, e à construção, manutenção e apetrechamento dos edifícios. Doravante, e entre outros aspectos, os municípios que assinarem os chamados contratos de educação e formação municipal assumem também poder na definição de currículos escolares próprios - dentro das balizas estabelecidas pelo MEC - não só no básico mas também no secundário. Tudo isto tendo em vista objectivos como a prevenção do risco de abandono e insucesso escolar mas também, por exemplo, a ligação ao mundo do trabalho.
“A câmara de Matosinhos tem 46 escolas que gere em termos de manutenção e conservação, e cujas despesas assumiu, e já tem 700 funcionários não docentes sob sua responsabilidade. Tratar-se-ia aqui de somar mais seis escolas do secundário e mais cerca de 200 funcionários”, concretiza o vereador Correia Pinto, para acrescentar que o mais importante, porém, será a possibilidade de, em conjugação com as escolas, intervir na oferta educativa do concelho, adequando-a à realidade local. “Vamos poder dizer se teremos cursos vocacionados para a área do turismo ou da restauração, que são fundamentais para o concelho, e isso fará toda a diferença.”
Estes contratos que o Governo pretende firmar com os municípios só deverão fazer-se mediante “forte vontade” dos autarcas mas também da direcção das escolas ou dos agrupamentos escolares. Nos casos em que avançar, câmaras e MEC deverão, até 180 dias antes do final do último ano lectivo da experiência, avaliar o projecto-piloto e decidir sobre a sua continuidade em regime definitivo. Mas esta delegação de competências surge desde logo balizada por alguns aspectos. Em primeiro lugar, surge a regra do não aumento da despesa para o MEC. E isto significa, entre outras coisas, que não poderá aumentar o custo médio por aluno no contexto da escola.
A gestão dos recursos humanos, sobretudo dos professores, é uma das questões que se adivinha mais polémica.Embora apontando como positiva a experiência de recrutamento de docentes pelos municípios no âmbito das AEC, o próprio MEC reconhece tratar-se de matéria de grande complexidade, “designadamente jurídica”. É assim a questão que obriga a “maior ponderação e concertação”. De forma um tanto dúbia, o contrato proposto limita-se, e recordando as permissões da lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, quanto à afectação temporária de recursos humanos nas delegações de competências do Estado nos municípios, a reconhecer aos municípios a competência de recrutamento de pessoal docente para projectos específicos de base local. Em casos como o de Matosinhos, o presidente Guilherme Pinto garante que a câmara “não tem nenhum óbice” a assumir a gestão do pessoal docente, desde que assegurado o reforço da tranbsferência financeira para a autarquia, mas ressalva que tal implica que haja entendimento entre Governo e professores. “Não aceitaremos fazer isto contra as pessoas”, precisa Correia Pinto, que vai para a semana reunir com os sindicatos de professores para que o processo seja “partilhado e assumido”. Sobre a tutela dos professores, tanto Humberto Marques, de Óbidos, como Gil Nadais, de Águeda, asseguram que a possibilidade de aquela passar para as autarquias está posta de parte. O último acrescenta, no entanto, “para já”. “Pelo menos numa primeira fase isso está fora de causa, o processo já é suficientemente complexo sem isso”, avalia o autarca de Águeda. Humberto Marques diz que seria “contraproducente indispor os professores quando o que mais importa é que eles estejam motivados para se envolverem no projecto”.
Será uma batalha difícil de ganhar. Mário Nogueira, da Fenprof, começa por apontar o “mau exemplo” das actividades extracurriculares. “Há registo de atraso no pagamento dos salários aos professores contratados pelas autarquias, com alguns destes docentes a terem de trabalhar até três meses sem receber. Noutros casos, assistimos ao recurso a empresas privadas para colocação de docentes. E como seria quanto ao exercício da acção disciplinar? As pessoas têm medo que surjam, aqui e ali, critérios de discricionariedade, sobretudo nos concelhos pequenos em que a relação das pessoas é muito próxima”, opõe-se aquele líder sindical, apontando ainda o “número significativo de câmaras que estão em falência técnica”. O PÚBLICO tentou ainda ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses mas esta garante não ter recebido qualquer documento sobre a matéria, pelo que “não pode pronunciar-se sobre um assunto que desconhece”.


Conclusões do grupo de trabalho para a educação especial

PÚBLICO
11/06/2014
O subsídio de educação especial deverá ser revisto e a legislação sobre educação especial sofrer alterações para que se clarifique que crianças podem ser enquadradas no conceito de “aluno com necessidades educativas especiais” (NEE). Ao Serviço Nacional de Saúde deverá passar a caber sempre a avaliação dos casos, diz o grupo de trabalho nomeado em Janeiro pelo Governo para estudar o assunto. O grupo ouviu mais de 50 entidades, entre as quais organizações representativas de pessoas com deficiência, pais e professores. O relatório produzido foi entregue à tutela e conclui que muitas “crianças que têm dificuldades de aprendizagem” não permanentes “estão a ser encaminhadas para a educação especial”, quando esta devia servir apenas para as crianças com necessidades permanentes. Admite-se, aliás, que assim se explique pelo menos uma parte do aumento, nos últimos anos, das crianças sinalizadas nas escolas portuguesas como tendo NEE — de 46.950, em 2010/11, para 62.100, em 2012/13. “Em 2007 foi feito um estudo de prevalência de NEE entre os jovens e chegou-se a um rácio de 1,8%. O que corresponderia a pouco mais de 30 mil alunos. Ou o rácio não está bem feito, ou então temos alunos [mais 30 mil] que estão para além desse rácio”, disse Pedro Cunha, da Direcção-Geral da Educação, coordenador do grupo de trabalho. O grupo defende um novo conjunto de respostas para os meninos com dificuldades de aprendizagem (como a dislexia, por exemplo) — como a criação “de equipas multidisciplinares de apoio à aprendizagem” que tenham como missão combater o insucesso escolar. Isto para que essas crianças não venham, por falta de intervenção, a tornar-se alunos com NEE. Pedro Cunha lembra: em média, 30% das crianças têm ao longo do seu percurso algum tipo de dificuldade de aprendizagem. É preciso criar respostas.
A lei diz que tem NEE quem apresenta “limitações significativas” decorrentes “de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social”. A lei prevê também que estes alunos estejam em turmas mais pequenas e possam ter acesso a técnicos especializados e a programas de estudo adaptados, por exemplo. Na sessão de apresentação da síntese do relatório estiveram presentes os secretários de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, do Ensino e da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, e da Solidariedade e da Segurança Social, Agostinho Branquinho. Os três começaram por sublinhar nas suas intervenções que os dados recolhidos pelo grupo de trabalho mostram que não houve desinvestimento no sector, “ao contrário do que por vezes se diz”, mas antes “houve investimento”, segundo João Grancho. Um dos exemplos dados foi o aumento dos beneficiários de subsídio de educação especial (13.959, em 2013, contra 11.619, em 2011). Este subsídio serve para ajudar os pais a pagar apoios especializados que as escolas não garantem. Ficou prometido que “não se pretende diminuir o investimento”. O que acontece, contudo, notou Grancho, é que “o conceito de necessidades educativas especiais passou a ser uma grande categoria” e é preciso clarificá-la. Não há calendário para a entrada em vigor das novas regras ou para a apresentação das alterações legislativas, que deverão passar pela harmonização de vários diplomas existentes, afirmou o governante.
A primeira recomendação do grupo, que tinha elementos da Segurança Social e da Educação, e, como missão, “desenvolver um estudo com vista à revisão do quadro normativo regulador da educação especial”, é, então, “manter o âmbito da intervenção dos serviços de educação especial” tal como previsto na lei, “direccionando os apoios especializados para as crianças com alterações de carácter permanente nas estruturas e funções do corpo”, criando respostas “para os alunos com dificuldades na aprendizagem”.
Sugere-se a definição de orientações específicas sobre os “programa educativos individuais” desenhados para os alunos com NEE. Porque “tem de ficar claro que todos os alunos podem aprender” e que “tem de se aproveitar o potencial de cada um”. Pedro Cunha defendeu ainda a criação de “uma nova figura” de certificação do percurso dos alunos com NEE. Actualmente, estes ou fazem os exames como todos os colegas do ensino regular, e, no final, têm um diploma igual; ou “têm um mero certificado que não diz nada sobre o seu percurso” o que coloca problemas no pós-secundário. O grupo de trabalho sugere que seja criado um modelo intermédio que permita, a quem consegue fazer uma parte do currículo nacional, ter “uma certificação parcial onde fiquem expressos os conhecimentos e capacidades adquiridas”. Outro ponto muito sublinhado é a necessidade de “redistribuir competências” entre os ministérios da Educação, Saúde e Segurança Social. Ao Serviço Nacional de Saúde, diz Pedro Cunha, deve caber avaliar que necessidades têm as crianças sinalizadas e prestar os apoios de natureza terapêutica; os apoios sociais cabem à Segurança Social e “os apoios habilitativos/educativos” às escolas. Considera-se ainda que “os apoios de natureza terapêutica/reabilitativa deverão ocorrer noutros contextos mais apropriados”, que não as escolas. Sobre o que deverá mudar no subsídio de educação especial, para além de uma maior intervenção do Serviço Nacional de Saúde, nem Pedro Cunha nem os secretários de Estado quiseram adiantar pormenores. Recorde-se que têm sido várias, nos últimos meses, as manifestações de pais contra os critérios de atribuição actualmente em vigor. Actualizar a formação inicial e contínua dos professores é outra das preocupações — manifestada, também, no parecer conhecido na semana passado, do Conselho Nacional de Educação, onde se considerava ainda que a actual legislação sobre educação especial deixava desamparado “um conjunto considerável de alunos e alunas”.

Fenprof confirma que "professores vivem uma situação asfixiante"

PÚBLICO
23/05/2014
Os professores vivem uma "situação asfixiante", que está a provocar o abandono precoce da profissão por parte de muitos docentes desanimados com as condições de trabalho, disse o secretário-geral da FENPROF, Mário Nogueira. Em declarações à Agência Lusa, o dirigente da Federação Nacional de Professores (FENPROF) comentou desta forma um estudo avançado esta sexta-feira pelo PÚBLICO, de acordo com o qual quase dois terços dos docentes do pré-escolar e dos ensinos básico e secundário admitem estar cada vez menos motivados para o trabalho. "Este estudo vem confirmar aquilo que andamos a dizer há algum tempo. Neste momento aquilo que se sente na sala de aula dos professores é um desânimo, é uma desmotivação estranha", apenas compensada pelo trabalho com os alunos, afirmou Mário Nogueira. O estudo é da Universidade do Minho e começou a ser feito na anterior legislatura, traçando o retrato de "uma escola burocrática onde os docentes se sentem cada vez menos realizados". "Leva a que muitos (professores) cheguem, mais rapidamente do que seria desejável e expectável, a pontos de saturação tal que se vão embora", referiu o dirigente sindical. Para Mário Nogueira, a prova da insatisfação é que milhares de professores, "com cortes muito grandes no cálculo das suas pensões", abandonaram precocemente a profissão. "Não é por acaso que milhares de professores pediram a rescisão dos seus contratos. Segundo o ministério, em pouco mais de um mês, mais de 2.000" docentes, acrescentou. O sentimento de insatisfação dos professores agudizou-se desde 2009, data a que se reporta o estudo que é apresentado esta sexta-feira. Nas conclusões são identificadas duas grandes tendências: a intensificação e a burocratização do trabalho dos professores, bem como a precariedade laboral e o empobrecimento dos docentes. Os números apurados são elucidativos: 61,6% admite que a sua motivação tem vindo a diminuir, desde 2009. No mesmo sentido, 45,5% dos professores inquiridos consideravam que a sua motivação era moderada, ao passo que 17,4% a consideravam baixa, havendo um grupo que admitia ser muito baixa (5,4%). "Temos uma situação que, de facto, é asfixiante para aqueles que querem continuar a exercer a sua profissão de uma forma em que efectivamente o aspecto central do seu desempenho seja o trabalho com os alunos, seja ensinar, porque é para isso que os professores são formados e são preparados, sublinhou o líder da maior estrutura sindical de professores. De acordo com o trabalho, a realização profissional de quase metade dos docentes está em queda e a burocracia e o volume de trabalho aumentaram. "De facto, a burocracia a que hoje os professores estão sujeitos, a sobrecarga de trabalho, a alteração no ponto de vista da organização dos próprios horários, fazem com que estejam absolutamente exaustos e, no plano profissional, esgotados", sustentou Mário Nogueira. Recordou que há oito ou 10 anos, quando um professor chegava à idade da reforma, muitas vezes tinha pena de deixar os alunos e acabava por ficar na escola até ao final do ciclo: citando exemplos em que ficavam até aos 70 anos, a idade limite em que eram desligados do serviço. "Hoje é o contrário, entramos na escola e, às vezes, professores com 40 anos, com poucos anos de serviço, 15-20 anos de serviço, o que dizem é ´eu se pudesse ia-me já embora´", concluiu.


Quase dois terços dos professores admitemque a motivação para estar na escola diminuiu nos últimos anos

PÚBLICO
23/05/2014
Perto de dois terços dos professores do pré-escolar e do ensino básico e secundário em Portugal admitem que a sua motivação em relação ao trabalho tem vindo a diminuir. Esse sentimento agudizou, pelo menos desde 2009, data a que se reporta um estudo pioneiro do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho (UM), que é apresentado esta sexta-feira. Ao mesmo tempo, a realização profissional de quase metade dos docentes também está em queda e a burocracia e o volume de trabalho também aumentaram, aponta o mesmo trabalho.
A ideia de que a classe docente estava hoje desmotivada em face das alterações introduzidas no exercício da profissão pelos últimos dois governos tem sido apontada por sindicatos de professores e dirigentes escolares. “O nosso contributo é que agora há evidência empírica, que nos permite ter uma leitura mais abrangente e uma maior compreensão sobre o que é o trabalho docente e como foram eles afectados”, defende Maria Assunção Flores, coordenadora desta investigação.
Os resultados finais do projecto TEL – Teachers Exercising Leadership (“Os professores e o exercício da liderança”) são apresentados esta sexta-feira, no campus de Braga da Universidade do Minho, e lançados em livro ("Profissionalismo e Liderança dos Professores"), num seminário sobre Profissionalismo Docente, no qual estará presente David Frost, professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que foi consultor do trabalho.
Nas conclusões são identificadas duas grandes tendências: a intensificação e a burocratização do trabalho dos professores, bem como a precariedade laboral e o empobrecimento dos docentes. Os números apurados são elucidativos: 61,6% admite que a sua motivação tem vindo a diminuir, desde 2009. No mesmo sentido, 45,5% dos professores inquiridos consideravam que a sua motivação era moderada, ao passo que 17,4% a consideravam baixa, havendo um grupo que admita ser muito baixa (5,4%).
O estudo começou em Janeiro de 2011, pelo que apanhou todo o período de vigência do memorando de entendimento, mas uma vez que o inquérito aos docentes foi aplicado no primeiro semestre de 2012, os dados dizem respeito a um período anterior ao do pedido de ajuda estarna de Portugal, até 2009. Nesse período, 44,5% dos professores dizem que a sua realização profissional também decaiu, ainda que o número dos que dizem que esta se manteve seja muito aproximado deste (41,7%).
Outras das conclusões a que chegaram os investigadores do projecto TEL é que “o trabalho e a condição docente se deterioraram” nos últimos anos. Para tal contribuíram “mudanças ao nível das políticas e da administração do sistema educativo” como Estatuto da Carreira Docente ou a Avaliação do Desempenho, explica Maria Assunção Flores, que é também presidente da Associação Internacional de Estudo dos Professores e do Ensino e a da direcção do Conselho Internacional da Educação para o Ensino.
Quase a totalidade dos professores considera que a burocracia nas escolas aumentou – 95,4% concordam ou concordam totalmente com a afirmação. O número sobre ainda mais (96,7%) quando a questão colocada se prende com o aumento da carga de trabalho. Três quartos defendem também que aumentou o controlo sobre o seu trabalho e apontam também críticas à comunicação social: 90% dizem que a informação veiculada pelos media tem diminuído o prestígio da profissão docente.
As palavras dos professores são também elucidativas: falam em “tsunami legislativo”, “legislação mirabolante”, a “imagem desgastada” e o “massacre sistemático” da comunicação social e da sociedade. Segundo os professores, a desvalorização da profissão acontece também ao nível das instâncias políticas, influenciando negativamente as relações dos professores com os alunos e as famílias e destes com a escola.
O projecto TEL foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e partiu de um inquérito por questionário aos professores a nível nacional em que participaram quase 3000 docentes, desde o pré-escolar ao ensino secundário. Os resultados foram depois aprofundados numa segunda fase da investigação, com trabalho no terreno, com entrevistas a professores, directores e alunos, em 11 escolas de todo o país.
Traçado o retrato de uma classe profissional vencida, havia uma pergunta a que Maria Assunção Flores, a coordenador do estudo “Os professores e o exercício da liderança” queria encontrar resposta: O que move os docentes neste momento.



Cheque-ensino ou cheque-sobrevivência?

Paulo Guinote
PÚBLICO
12/05/2014
A republicação de um documento orientador para uma alegada indispensável Reforma do Estado trouxe, sem que se tivesse verificado qualquer alteração significativa em relação à versão original, de novo para a discussão pública questões relacionadas com a gestão financeira da rede de ensino e algumas das opções relacionadas com o tema da “liberdade de escolha” em Educação. O guião em causa padece das omissões, equívocos e mistificações que se tornaram comuns neste tipo de documentos com origem no Governo, em agências ou organizações que surgem a fazer propostas em seu nome, sejam consultores privados, sejam “especialistas” do FMI. Como me parece ser já pacífico que estes “estudos” se destinam a cumprir uma agenda política que resulta dos poucos compromissos pré-eleitorais que o Governo parece interessado em manter, concentrar-me-ei apenas em dois pontos que julgo fundamentais e que revelam até que ponto pode ir a tentativa de mistificação da opinião pública e quais são as efectivas prioridades da governação em funções, deixando de lado aspectos como a desmontagem das reais motivações da defesa de uma municipalização alargada do sector ou o vazio real da proposta relativa às escolas independente.
Avancemos logo até à página 60 do documento “Um Estado Melhor” e à passagem em que se justifica a necessidade de alargar os contratos de associação com operadores privados, num momento em que a rede pública está a ser sujeita a um nível enorme de cortes, com o seguinte argumento atribuído quase a um senso comum: “como é sabido, os rankings educativos têm revelado a importância destes contratos”.
Ora bem… se há coisa que os rankings têm revelado é que as escolas com contrato de associação e que, mesmo que com alguns artifícios e atalhos à mistura na selecção e avaliação dos alunos, têm de seguir regras próximas das escolas da rede pública tradicional, demonstram bastante dificuldade em destacar-se em termos de resultados comparativamente às escolas públicas com melhor desempenho. O que os “rankings educativos” provam é que as escolas privadas de topo, com acesso restrito através de práticas de forte selectividade nas matrículas, praticando um evidente skimming educacional e um modelo de gestão não permitido às escolas públicas, têm bons resultados. É objectivamente falso que as escolas com contrato de associação dominem os rankings e quem escreve “como é sabido” neste documento com chancela do “Governo de Portugal” sabe que isso é mentira, pelo que não se trata de incompetência mas de desonestidade pura e dura.
Mas existe algo que considero bem mais grave e que é a absoluta incoerência em relação à forma de aplicação dos dinheiros do Estado, defendendo-se a existência de cheques-ensino em nome de uma teórica “liberdade” quando se defendem outros princípios, antagónicos, em relação a outros aspectos da vida em sociedade.
Lá por fora, por exemplo, nos EUA, é notória a coincidência entre os pro choice em Educação (e Economia) e os no choice em tudo o mais. Por exemplo, o essencial do grande lobby friedmaniano a favor do cheque para escolher a escola da sua fé e credo é absolutamente contra o apoio do tipo cheque-alimentar para os mais desfavorecidos da sociedade, porque diz que eles assim se habituam e ficam uns parasitas sociais.
Por cá, existe algo parecido. Basta repararmos que a mesma gente que nega o subsídio de desemprego ou abono de família ou os reduzem gradualmente até à extinção, assim como critica todo o tipo de suporte financeiro do género rendimento mínimo – a que poderíamos chamar legitimamente cheque-vida ou cheque-sobrevivência – é quem defende que seja dado um cheque-ensino a quem dele só tem necessidade em muitos casos para alimentar o seu estatuto “diferenciado”.
A verdade é que quem nega cerca de 300 euros para a sobrevivência de uma família com os pais e um filho ou pouco mais de 400 euros para uma família com pais e três filhos é em tantas situações quem quer esse valor para pagar o convívio social e heráldico da sua própria e desafogada descendência.
Ou seja, quase todo o CDS, uma parte significativa do PSD e outra eventualmente menor e menos explícita do PS. É mesmo muita gente e provoca uma enorme dose social de hipocrisia. Porque estas pessoas são pro choice e a favor da “liberdade” e do “cheque” do Estado quando se aplica aos seus gostos e diletâncias, mas nega-a a quem precisa de tal para satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência.
Será que os defensores da liberdade em Educação no actual Governo e em seu redor não são rigorosamente os mesmos que determinam que: “O acesso à prestação RSI está dependente de o valor do património mobiliário e o valor dos bens móveis sujeitos a registo, do requerente e do seu agregado familiar, não serem, cada um deles, superior a 60 vezes o valor do indexante de apoios sociais. (€ 25.153,20).”
Não são as mesmas pessoas que entram pelo discurso do “parasitismo social” a quem necessita dos apoios sociais do Estado e chegam a fazer acusações e nem sequer se preocuparem em procurar um emprego? Para quando a aplicação dessa lógica às suas próprias vidas? Se têm meios e querem uma educação diferenciada porque não pagá-la em vez de pedirem um cheque ao Estado que tanto afirmam abominar?
Mas que raio de “liberalismo” é este?
Será que um cheque destinado a assegurar a sobrevivência material de muitas famílias não deveria ser uma prioridade muito mais importante do que um cheque para pagar os bibes e batas das bibás?




25 de Abril, salas de aula – contributo para uma reflexão

ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
PÚBLICO
06/05/2014
Dois livros de Maria Filomena Mónica, intitulados A Sala de Aula e Diário de Uma Sala de Aula, com chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos, recém-publicados, pretendem ser um contributo para que se evite aquilo a que, nas palavras da sua autora, é o “colapso do sistema educativo”.
Num artigo do PÚBLICO, de 20 de Março, a manchete era suficientemente alarmante, justificando debate sério: “Escola pública não dá garantias de ensinar os alunos a ler e a contar.” É uma das conclusões a que, na sua investigação, chega Maria Filomena Mónica. As causas, diz, são várias: a sala de aula reflecte, no fundo, a decadência a que chegámos. O diagnóstico – e este é mais um, a ter em conta – está feito. Mas os erros sucedem-se e repetem-se, como se cada ministro desconhecesse em absoluto o resultado de políticas anteriores.
Maria Filomena Mónica não hesita, e bem, em apontar os erros a quem tutelou a pasta da Educação, desde 1974. Depois do Estado Novo, as escolas e os docentes não estavam preparados para a entrada de uma massa de alunos para os quais a escola nada significava. É certo que o abandono escolar era, em 1974, uma realidade cruel, acrescida de uma taxa de analfabetismo que rondava os 35%. Os professores, diz-se nestes dois livros, estariam habituados a ensinar os filhos das classes mais abastadas, não os filhos das classes médias. Com sucessivos ministros empenhados em debitar leis, decretos e portarias, e outros documentos de um rigorismo ininteligível, a profissão docente, passados quarenta anos, é hoje o quê? Em síntese: uma profissão que se burocratizou. Em tese: uma profissão que nada tem que ver com a transmissão dos saberes. Formata-se, não se educa; padroniza-se, não se aprofundam conteúdos inter e transdisciplinares. Não admira que, maioritariamente, os alunos, do secundário à universidade, deplorem os currículos que emanam do ministério.
As aulas são, como escreve uma aluna, mais ou menos isto: “Barulho (vozes, risos, cadeiras e mesas arrastadas) [...], há pessoas sentadas nos parapeitos das janelas – com os pés em cima das cadeiras onde deveriam estar sentadas – a conversar.” Espelho da mentalidade vazia que grassa por entre docentes e discentes? A sala de aula reflecte a degradação (depravação, diria Cesário!) dos usos e costumes? Sim. Num dos diários que Maria Filomena Mónica analisa, lê-se: “Duas alunas pintam as unhas e quatro desenham gráficos nos diários. Um grupo joga às cartas. [...] Os telemóveis não param de tocar.” A socióloga, em face da realidade escolar, sintetiza: “É uma escola criminosa, indigna, estúpida. Que não suscita a curiosidade para aprender, que não ensina as crianças a pensar. [...] Tornou-se um desperdício de dinheiro.” Maria Filomena Mónica, ao aplicar uma adjectivação dura e directa – a escola é “criminosa”, “indigna”, estúpida”, é o lugar onde não se pensa –, vem dar força ao que, noutros momentos, foram meras constatações de quem, como professor, não ignora o que, agora, se diagnostica.
Mas, problematizando, essa escola que não se soube preparar para acolher, depois de 1974, as massas; essa escola onde hoje a classe docente não tem qualquer poder, não será, além de vítima das sucessivas medidas ministeriais, causadora da sua própria degradação? É certo que, enquanto instituição que deveria zelar por uma sólida formação, a escola nem ensina a ler nem ensina a contar. Oiçamos a Maria Filomena Mónica: “A cultura que os alunos adquirem ao longo de 12 anos é má. Há a ideia de que a escola tem de dar coisas que os alunos compreendem facilmente, como as telenovelas, os discos da Taylor Swift ou os livros do Harry Potter. Simplesmente para isso eles [os alunos] não precisam da escola.” A consequência é simples: os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória “mal sabem ler e muito menos sabem interpretar o que lêem ou construir frases com sujeito, predicado e complemento”. A pergunta impõe-se: se os nossos alunos não sabem sequer o elementar, tal fica a dever-se exactamente a quê? Ao facto de os professores não terem tempo para a investigação e para a leitura? Eventualmente. Mas, sejamos francos, se os alunos não sabem ler e escrever, interpretar (inferir!), tal não resulta também da má preparação científica de quem ensina? Ninguém desmente que o ministério desconhece o terreno social em que interagem professores e alunos. Deixar em paz quem ensina, libertar a docência da profusão de regras e da burocracia, eis uma medida que qualquer ministro sensato deveria tomar. A par disso seria bom que as acções de formação, que tantos professores frequentam, fossem sobre leccionação de conteúdos insertos nos curricula e não acções sobre Powerpoint, sobre “estratégias de motivação” e “avaliação”, eufemismo para designar, no fundo, acções de formação que visam, de facto, padronizar os professores, formatá-los de modo a que a escola seja uma instituição que certifica, via exames, uma suposta aprendizagem de competências...
Entre 1974 e 2014, o que se fomentou foi, a meu ver, um pedagogismo de tal modo provinciano que ensinar é, sobretudo, “inventar estratégias”. O ranking escolar é paradigmático quanto à ideologia mecanicista que se impôs. Uma lógica de concurso, eis a que levaram os exames, com a concomitante – e nefasta – consequência entre estudantes e escolas, a saber: a desenfreada competitividade, corrompendo o espírito do acto de ensinar. A ideologia oca do nosso sistema de ensino mascara o vazio das aprendizagens com a aridez dos currículos e a subsequente ideia do professor como alguém que deve ser um “técnico” ou, quando não, do entertainer. Tal acontece por culpa do ministério? Sem dúvida. Retirou-se à figura docente o poder simbólico do saber e, sintomaticamente, falar-se hoje do professor como mestre pode levar ao escárnio. A mentalidade reinante que vê no docente ora um entertainer, ora um “técnico da educação” desvirtuou também a figura do professor. Reduziu-se, assim, o acto de ensinar à mera elaboração de fichas preparatórias para exame. Dar respostas-tipo, eis o que também desmotiva muitos professores que não se revêem no mercado lógico em que o ensino se tornou.
Queixam-se os professores, e com razão, da carga horária; dos programas escolares impraticáveis, seja pela extensão, seja pelo ridículo de muitas propostas didáctico-pedagógicas. Queixam-se das turmas com excessivos alunos e da lógica dos agrupamentos, não se percebendo que as diferentes fases do crescimento sociocognitivo de crianças não se compagina com a amálgama, a barafunda a que os agrupamentos levam. Lamentamo-nos de os alunos falarem e escreverem um português de caserna... Mas não estaremos nós perante a inescapável realidade de um sistema global que propositadamente anulou as diferenças reais entre quem aprende e quem ensina? Não espanta. Educados por uma televisão ditatorialmente banal, vítimas de uma cultura onde impera a vaidade, a tirania da ignorância e a boçalidade, os nossos estudantes sabem bem o que é andar na escola: é fazer cultura de café, é o jogar às cartas, o pintar as unhas. E, muitos deles nos perguntam, com dedo acusador: “De que me serve, se tudo é secante, andar na escola e empenhar-me?”




Sobre os maus resultados nos exames

Maria de Lurdes Rodrigues
PÚBLICO
17/07/2013

Perante os maus resultados nos exames nacionais, o ministro da Educação promete atuar.
No entanto, nos últimos dois anos o Ministério da Educação acabou com os programas que tinham como objetivo a melhoria dos resultados escolares e o sucesso dos alunos. Nomeadamente:
• acabou com o Plano de Ação para a Matemática;
• acabou com os apoios ao Plano Nacional de Leitura;
• acabou com a exigência de planos de recuperação para os alunos com notas negativas;
• acabou com a exigência de aulas de substituição;
• acabou com a obrigatoriedade do estudo acompanhado;
• acabou com a maioria dos cursos de educação e formação destinados aos jovens com mais de 15 anos e sem o 9.º ano;
• acabou com várias disciplinas, diminuindo o tempo de trabalho na escola para todos os alunos.
Pergunta: quais foram as medidas alternativas ou equivalentes entretanto lançadas? Resposta: nenhuma. Pelo contrário, os programas Mais Sucesso e as Bibliotecas Escolares vivem em permanente ameaça de redução de recursos e, já no próximo ano letivo, as crianças do primeiro ciclo, as tais que devem preparar-se para o exame da 4.ª classe, terão menos aulas, porque foi diminuída a componente letiva do horário dos seus professores.
Não há milagres. Os maus resultados nos exames surgem na sequência daquelas decisões. Quando se diminui o tempo de trabalho, o tempo de estudo e a exigência, os resultados dos exames só podem ser negativos.
Vejo os resultados dos exames nacionais com grande apreensão. São milhares de estudantes que estão a ser empurrados para fora da escola. O Ministério da Educação não só não tem uma estratégia política clara para fazer cumprir a escolaridade obrigatória, como, pelo contrário, no que faz promove, objetivamente, o insucesso e o abandono escolares.

MEC ganha batalha em relação à prova de avaliação para os professores contratados

PÚBLICO
03/04/2014
Uma das duas sentenças que levaram à suspensão da aplicação da prova de avaliação de conhecimentos e competências, destinada a docentes sem vínculo à função pública, foi revogada pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, na sequência do recurso apresentado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC). João Louceiro, da Federação Nacional de Professores (Fenprof), disse ao PÚBLICO que o teor do acórdão e a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo serão analisados pelos juristas da organização. Entretanto, avisa que "seria de uma insanidade total o MEC" exigir a realização da prova aos professores que queiram candidatar-se a dar aulas para o ano. Em causa está a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, que, nos últimos dias de Dezembro, deferiu a providência cautelar interposta por um dos sindicatos da Fenprof, determinando a suspensão da eficácia do despacho n.º 14293-A/2013, do ministro Nuno Crato, e intimando o ministério “a abster-se de praticar qualquer acto conducente à realização da prova de avaliação de conhecimentos”. Num acórdão com data de 31 de Março, o Tribunal Central Administrativo do Norte concede, agora, provimento ao recurso entretanto apresentado pelo MEC, revoga aquela decisão e declara improcedente a providência cautelar. Ainda não é conhecido o resultado do recurso do MEC relativamente à segunda sentença favorável à Fenprof, a do tribunal do Funchal, que também determinou a suspensão do despacho do ministro. Este está a ser analisado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul. Em declarações ao PÚBLICO, João Louceiro, da Fenprof, afirmou que a direcção daquela organização "tem a noção de que a contestação da prova não se esgota nos tribunais" e garante "que a luta pela sua eliminação definitiva continua". Na sua perspectiva, ainda que o segundo recurso seja favorável ao ministério, "o MEC terá de reconhecer que não existem condições para exigir a realização da prova, este ano, aos docentes que queiram candidatar-se a dar aulas no próximo ano lectivo", como determina a legislação em vigor. "Face a diversas acções de uma contestação legítima dos professores, o MEC foi incapaz de assegurar condições de equidade àqueles que quiseram realizar a componente comum, em Dezembro. Para além disso, na sequência das providências cautelares, os procedimentos administrativos estão atrasadíssimos", frisou.
Esta questão preocupa o dirigente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), César Israel Paulo, que apelou ao ministro da Educação e Ciência para que “deixe desde já claro que, seja qual for o desenrolar do processo nos tribunais, não vai exigir a realização da prova a qualquer docente com menos de cinco anos de serviço que queira candidatar-se a dar aulas no próximo ano lectivo”. “Não dar desde já essa garantia seria colocar uma bomba-relógio nas escolas, lançar o caos, com evidente prejuízo para os alunos, o que o ministro da Educação não deseja, com toda a certeza”, disse, em declarações ao PÚBLICO.
Em resposta a um pedido de esclarecimento do PÚBLICO sobre esta questão, o MEC limitou-se a afirmar, através do gabinete de imprensa, que "o requisito de ter aprovação na prova de avaliação de conhecimentos e competências só poderá ser exigido se for possível verificá-lo até ao inicio das candidaturas". Não estão definidas datas para os concursos.

Escola pública não garante mobilidade socialnem dá garantias de ensinar os alunos a ler e a contar

PÚBLICO
20/03/2014
A escola pública deixou de funcionar como “veículo” de mobilidade social. Tornou-se “criminosa, indigna e estúpida”. E a culpa, aponta Maria Filomena Mónica, autora de um livro sobre as salas de aula que é lançado nesta quinta-feira em Lisboa, é dos sucessivos ministros. “O melhor que tinham a fazer era começar por deixar os professores em paz”, aconselha.
Há miúdos que ameaçam fisicamente os professores, alunas que são iniciadas no haxixe pelos próprios pais. Há disputas com telemóveis, contínuos que receiam os alunos. Há portões de escola que mais parecem “chaminés de fábrica”: “Hoje em dia um charro é tão comum como um cigarro nas escolas”, descreve uma aluna. Há professores que gastam aulas a gritar e que depois desistem. E que, além de directores de turma, são classificadores de exames, coordenadores de disciplina e distribuidores do serviço lectivo e que, por isso, se desgastam em reuniões que lhes roubam tempo para as salas de aula. E há frases como esta, proferida por uma professora que, ao fim de páginas de diário em que dá conta da sua frenética batalha, desmorona: “Não tenho uma posição optimista face ao futuro das escolas públicas. Bem pelo contrário, temo que estejamos a assistir, a muito curto prazo, à sua decadência total”.
A socióloga Maria Filomena Mónica andou meses a procurar resposta para a pergunta "O que se passa dentro das nossas salas de aula?" e as respostas que obteve, a partir dos diários de duas professoras, quatro alunas e uma mãe, confirmaram os seus piores receios. “É uma escola criminosa, indigna, estúpida. Que não suscita a curiosidade para aprender, que não ensina as crianças a pensar. Nesse sentido, a escola tornou-se um desperdício de dinheiro”, diagnosticou, a propósito do lançamento dos livros A sala de Aula e Diários de Uma Sala de Aula, ambos editados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Para evitar mal-entendidos, a socióloga esclarece à partida que estudou a escola pública porque a quer melhor. “Os pais que não se convençam que aquilo só se passa nas escolas públicas. Conheço miúdas das privadas que me fariam relatos igualzinhos ou piores”, ressalva. E o que nos mostram os relatos que se estendem por aquelas centenas de páginas é o de uma escola de massas que perdeu a oportunidade de funcionar como “elevador social” das classes mais desfavorecidas. “Nos anos a seguir ao 25 de Abril, acreditava-se que a escola devia servir de instrumento de mobilidade social. A prova de que isso não funcionou é que continuamos com a maior taxa de desigualdade social da Europa: o rendimento médio dos 20% mais ricos é sete vezes superior ao dos 20% mais pobres, enquanto a média europeia é de quatro”, argumenta.
O pior é que nem enquanto transmissora do “saber ler e contar” a escola está a cumprir o seu papel. “A cultura que os alunos adquirem ao longo de 12 anos é má. Há a ideia de que a escola tem de dar coisas que os alunos compreendem facilmente, como as telenovelas, os discos da Taylor Swift ou os livros do Harry Potter. Simplesmente para isso eles não precisam da escola. Eles vão lá por si. E o resultado é que muitos dos jovens que frequentam a escolaridade obrigatória mal sabem ler e muito menos interpretar o que lêem ou construir frases com sujeito, predicado e complemento directo”, acusa a socióloga.
Para ajudar a perceber como se chegou a este ponto, a socióloga recua várias décadas. Em 1926, havia cerca de 63% de analfabetos. Esses eram os tempos em que apenas 13% dos jovens permaneciam na escola após a quarta classe e em que os alunos “não diziam palavrões, não cuspiam no chão e mal levantavam os olhos quando eram chamados ao quadro”. Em 1974, a taxa de analfabetismo tinha descido aos 35% mas continuava a ser a mais elevada da Europa. Muitos alunos deixavam a escola aos nove, 10 anos. As universidades eram “uma ilha frequentada por privilegiados”. Quando o Estado Novo ruiu, nem as escolas nem os docentes foram preparados para acolher os alunos até então estranhos à escola. Hostis a regras, pouco propensos a qualquer tipo de actividade intelectual, postos perante professores “habituados a ensinar os filhos das classes médias”. Com o ministério da 5 de Outubro a debitar consecutivamente “leis, decretos e portarias que ninguém entendia, pela simples razão de que não eram inteligíveis”, a deserção das classes médias para o ensino particular que se seguiu “agravou os problemas”.
Pelo meio, algumas estatísticas animadoras: “Entre 1991 e 2001, o abandono da escola por crianças com idades entre os 10 e os 15 anos, ou seja, do 5.º ao 9.º ano do básico, baixou dos 13% para os 3%. Mas mesmo isto, segundo a autora, deriva quase só “das preocupações do Ministério da Educação com a posição do país nas tabelas internacionais”.
Em 2011, porém, a taxa de abandono precoce em Portugal continuava a ser de 23,2%, contra uma média europeia de 13,5%. Colocada em perspectiva, a ideia de se prolongar a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, apresentada dois anos antes, em Agosto de 2009, pelo então primeiro-ministro, José Sócrates, “nasce da verificação de que é melhor ter os jovens na escola do que na rua”, segundo Filomena Mónica.
“Em 30 anos passamos de uma situação em que a 'mortalidade escolar' tinha lugar aos 10 anos, porque as crianças tinham de ir trabalhar, para outra em que os alunos são obrigados a ficar na escola até aos 18 porque não têm onde trabalhar”, sintetiza a socióloga. Que não discorda do princípio. “A mudança em si podia ser boa se esse grau de ensino fosse bem organizado, isto é, se houvesse, no caso do ensino vocacional, empresas que pegam nos alunos, como se faz na Alemanha. Mas é utópico pensar-se que vai haver aqui ensino vocacional como o alemão. Portanto, desconfio que este alargamento serve apenas para tirar estes miúdos das ruas e das estatísticas do desemprego e, mais uma vez, por causa das estatísticas internacionais”. No fundo, ergueu-se “mais um andar sobre um edifício “em vias de colapso”.
Os culpados, segundo Maria Filomena Mónica, “são todos os ministros que se sucederam na pasta depois de 1974”, porque “foram eles, e não os professores, que não souberam enfrentar o problema da massificação da escola; foram eles, e não os professores, quem elaborou os programas; e foram eles, e não os professores, quem levou as classes médias a retirarem os filhos do ensino público”.
Sem soluções prontas a aplicar, Maria Filomena Mónica aconselha o ministro Nuno Crato a deixar de tratar os professores “como uns estafermos incapazes”. “O que está a acontecer com a escola de massas é a proletarização da profissão docente e uma tentativa, caída de cima, de robotizar a profissão, com os professores a tentarem sobreviver, ignorando sempre que podem, e podem pouco, os disparates que caem de paraquedas, directamente do ministério”. Por acreditar que os professores precisam de se sentir acarinhados “quer pelo poder quer pela sociedade”, a socióloga considera que o melhor que Nuno Crato podia fazer pela escola pública era deixar os professores em paz. “Deixá-los preparar lições, dar aulas e corrigir os exames dos alunos, em vez se os pôr a preencher relatórios que não servem para nada”.


Ministério quer contratação mais rápida nas escolas e mais autonomia curricular

PÚBLICO
12/02/2014
O Ministério da Educação e da Ciência (MEC) vai “tomar medidas para agilizar e tornar mais eficaz a contratação de professores” e também dar às escolas com contrato de autonomia, já no ano lectivo de 2014/2015, “maior flexibilização” na gestão do currículo e oferta formativa. Segundo Nuno Crato, foi solicitado ao presidente do Conselho das Escolas um parecer deste organismo sobre as competências da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares que “podem e devem ser transferidos para os agrupamentos e escolas não agrupadas”: “Com base nesse parecer e num debate mais geral, pretendemos que todas as escolas, independentemente de terem ou não contratos de autonomia, vejam alargado o seu poder decisório e as suas responsabilidades já em 2014/2015”.
Contratação de professores
No âmbito da “crescente autonomia das escolas”, o MEC “irá também tomar medidas para agilizar e tornar mais eficaz a contratação de professores”: “Sendo importante a consolidação dos projectos educativos das escolas pela sua qualidade, vamos promover alterações legislativas, no sentido de dar às escolas um instrumento que proporcione a estabilidade necessária na contratação de escola”, declarou o governante. Neste caso, as medidas aplicam-se não só às escolas com contrato de autonomia – “que têm acesso à contratação de escola caso os horários não sejam preenchidos pelos professores dos quadros” -, mas também para todos os outros agrupamentos de escolas que, “tendo um horário não preenchido no concurso de mobilidade interna ou na reserva de recrutamento, podem disponibilizá-lo para contratação de escola”. A contratação de escola terá de ser mais eficaz e mais rápida, de forma a poder servir atempadamente as necessidades dos nossos alunos, que não devem esperar por processos decisórios demorados para a regularização das actividades lectivas”, defendeu o ministro, acrescentando que se pretende que “não se repitam alguns atrasos que existiram”. Estas medidas ainda serão, no entanto, alvo de um processo de negociação sindical, “por forma a serem integradas no diploma regulamentar dos concursos”.
Flexibilização curricular
Já as medidas relativas à flexibilização curricular são dirigidas às escolas com contratos de autonomia – actualmente são 212 – , às escolas abrangidas pelo Programa de Territorialização de Politicas Educativas de Intervenção Prioritária e àquelas com contrato de associação, tendo já sido enviado para publicação o diploma que permitirá a estes estabelecimentos de ensino “tomar mais decisões de gestão do currículo e da oferta formativa”, já no ano lectivo de 2014/2015. Estas escolas passam, assim, a poder “gerir de forma flexível” a carga horária das disciplinas ao longo do ano e do ciclo de estudos e também a distribuição das disciplinas, que podem ser alocadas em anos diferentes ao longo do ciclo de estudos. Para além de poderem gerir até 25% da carga horária de cada disciplina, com excepção das disciplinas de Português e Matemática, abre-se ainda a possibilidade de as escolas criarem novas disciplinas e actividades. “Esta liberdade de gestão da carga lectiva deve ter sempre em conta o cumprimento integral das metas curriculares e programas, bem como a carga horária lectiva total semanal e anual estabelecida para cada ano na matriz nacional”, ressalvou o governante. Quanto aos professores que vão assegurar as novas disciplinas, Nuno Crato salientou que as escolas “têm de pensar nos recursos que têm disponíveis” e, caso seja necessário, “solicitar recursos adicionais”. “Os recursos que são atribuídos às escolas são atribuídos em função do número de alunos e de turmas”, explicou, frisando que uma eventual contratação de professores para estas disciplinas será sempre feita em função das necessidades das escolas. “Antes do início de cada ano letivo sabe-se ou pelo menos existe uma estimativa bastante rigorosa de quantas turmas [de cada ano] a escola vai ter e, em função disso, são alocados os recursos necessários”, afirmou, frisando que as escolas devem “planear atempadamente”, a criação destas disciplinas. O governante salientou ainda que “o facto de ser dada autonomia às escolas para utilizarem esta maior liberdade curricular, não as obriga a utilizar a liberdade curricular. As escolas podem, se quiserem, manter as coisas a funcionar como estão neste momento”.


Professores dizem que metas de História e de Geografia do 9.º ano terão de ser corrigidas

PÚBLICO
07/01/2014
Dirigentes das associações de professores de História e de Geografia consideraram nesta terça-feira que as metas curriculares relativas ao 9.º ano das respectivas disciplinas, homologadas na sexta-feira pelo ministro da Educação, “representam um retrocesso” e “terão de ser corrigidas”. “Em relação à proposta, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) fez algumas alterações que tornam esta última versão menos má, apenas isso - mais ano menos ano terão de ser corrigidas”, comentou Emília Sande Lemos, da Associação de Professores de Geografia (APG), sobre as metas curriculares (que definem os conhecimentos e as capacidades essenciais a adquirir pelos alunos em cada ano de escolaridade, especificados em objectivos e em descritores). Quatro dias depois da homologação dos documentos – que segundo o MEC foram ajustados com base nos contributos recebidos na fase de consulta pública – Marta Torres, da Associação de Professores de História (APH), fez uma avaliação semelhante à da professora de Geografia. Ou seja, “notou melhorias, mas francamente insuficientes”. E sublinhou que “as consequências serão graves se a correcção não se verificar”, já que, diz, “para tentar cumprir as metas” no tempo disponível para a disciplina – objectivo que considera “inalcançável” –, “os professores passarão a debitar a matéria, e a fazê-lo à pressa, apelando à memorização e prescindindo da análise de diferentes fontes históricas, do debate e da reflexão”. “Não é assim que se formam alunos criativos, críticos e intervenientes na sociedade”, comentou Marta Torres, em declarações ao PÚBLICO. No mesmo sentido, Emília Sande Lemos lamentou que as metas “não deixem espaço e tempo aos alunos para ‘meterem as mãos na massa”, o que na sua perspectiva “é a melhor forma de garantir uma aprendizagem duradoura”. “Geografia no 9º ano tem, no máximo, 135 minutos por semana, o que significa que cada aula de 45 minutos corresponde a uma média de 2,4 objectivos, cada um dos quais implica a aprendizagem de vários conceitos. Não sobrará tempo para a aplicação”, disse. As metas curriculares e as alterações a programas têm sido criticados por associações de professores. Nesta terça-feira foi o de Matemática do Ensino Básico, que esteve em debate na comissão parlamentar de Educação. O ministro, Nuno Crato, nem admitiu a possibilidade de o revogar, como pede o Bloco de Esquerda, e acusou o PS de "aproveitamento político" dos resultados PISA (a avaliação de alunos da OCDE) por associar a melhoria registada entre 2003 e 2009 ao anterior programa, que só foi completamente implementado em 2010. No sábado também foi homologada a versão final das Metas Curriculares de Ciências Naturais do 9.º ano. A dirigente da Associação de Professores de Biologia e Geologia, que acompanhou o processo, disse não ter tido ainda oportunidade de verificar se o MEC procedeu às alterações sugeridas.


Um abraço aos professores portugueses

SANTANA CASTILHO
Público 02/01/2014
Há crónicas que nascem de jacto, outras que se arrastam. Comecei por ensaiar uma retrospectiva sobre o ano que terminou. Abandonei. Digitei linhas e linhas sobre o ano que vai seguir-se. Não gostei. Parei e recordei. Porque é mau que percamos a memória colectiva.
Recordei escolas fechadas aos milhares, Portugal interior fora.
Recordei os protestos, onde hoje vejo esquecimento.
Recordei as falsas aulas de substituição, com que Maria de Lurdes Rodrigues iniciou a proletarização dos professores. Perdeu em tribunal mas abriu um caminho sinistro. E hoje vejo Crato, oportuno, trilhá-lo com zelo.
Recordei a divisão dos professores em titulares e outros. Caiu a aberração mas persiste a tentação. De que outra forma se explica a disponibilidade para examinar colegas a três euros por cabeça?
Recordei o altruísmo anónimo por parte de professores, que testemunho há décadas, no combate nacional ao abandono escolar precoce. Vejo, atónito, o novo desígnio governamental de promover o abandono docente precoce.
Recordei a indignação nas ruas e a contemporização nos memorandos e nos entendimentos. E hoje vejo o desalento de tantos que desacreditaram.
Recordei dois que acabam de partir e senti raiva por tantos que, vivos, são mortos para a profissão. E pergunto-me se, algum dia, muitos com nome responderão pelos futuros que destruíram.
Recordei a infame guerra em curso aos professores, a quem, em fartas partes, se deve o notório aumento das qualificações dos portugueses. Mau grado desencontros e desencantos.
Recordei dados recentes (2013 Global Teacher Status Index, Varkey GEMS Foundation) de um estudo que apurou a atitude das sociedades desenvolvidas relativamente aos seus docentes. E vi o estatuto social dos professores portugueses no último terço da tabela, bem atrás da maioria dos seus parceiros europeus. E vi, sem espanto, que apenas 12% dos portugueses encorajam os filhos a serem professores (o segundo pior resultado do universo estudado).
Recordei, a propósito, que a International Association for the Evaluation of Educational Achievement realiza, cada quatro anos, dois estudos conceituados internacionalmente: o TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study) e o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study). Portugal participou na edição de ambos de 1995, tendo ficado nos últimos lugares do ranking. Ausente dos estudos de 1999, 2003 e 2007, voltou a ser cotado em 2011. Entre 50 países, ficou no 15º lugar em Matemática e 19º em ciências. Entre 45 países, foi 19º no PIRLS. Em valor absoluto, os resultados foram positivamente relevantes. Foram-no, ainda mais, em valor relativo: de 1995 para 2011, foi Portugal o país que mais progrediu em Matemática e o segundo que mais avançou no ensino das ciências; se reduzirmos o universo aos países da União Europeia, estamos na 12ª posição em ciências, 7ª em Matemática e 8ª em leitura; se ponderarmos estes resultados face ao estatuto económico e financeiro das famílias e dos estados com que nos comparamos, o seu significado aumenta e deita por terra o discurso dos que destratam os professores. Estes resultados, é bom e actual recordá-lo, são fruto do trabalho dos professores portugueses.
Recordei outro estudo, promovido por Joana Santos Rita e Ivone Patrão, investigadoras do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, segundo o qual metade dos professores portugueses sofre de stress, ansiedade e exaustão. E vi que as causas apuradas são o excesso de trabalho e de burocracia e a pressão para o sucesso. E vi, vejo, o que o ministro Crato tem por sucesso: caminhos que desprezam a natureza axiológica da Educação, tentando impor-lhe o modelo de mercado, fora ela simples serviço circunscrito a objectivos utilitários e instrumentais, regulada apenas por normas de eficácia e eficiência. E recordei, então, uma carta a um professor, transcrita num livro de João Viegas Fernandes (Saberes, Competências, Valores e Afectos, Plátano Editores, Lisboa, 2001):
“… Sou sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídas por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados…
… Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes, Eichmanns educados. A leitura, a escrita e a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas".
Basta um esforço ínfimo de memória para qualquer se aperceber de quanto deve aos professores. Chega uma réstia de inteligência para qualquer perceber que um ataque aos professores é um ataque ao futuro colectivo. Porque tenho a graça de ter voz pública, começo 2014 com um abraço aos professores portugueses.


Balanço de 2013 na área da Educação em Portugal

Público
31/12/2013
Relatório do PISA
Os resultados da avaliação do estado da literacia dos alunos de 15 anos pela OCDE trouxeram boas notícias para Portugal. O relatório do último PISA (Programme for International Student Assessment) revelou que o país está a conseguir melhorar os seus resultados a Matemática à média de 2,5 pontos ao ano e que desde 2009 subiu três posições no ranking da organização, aproximando-se da média internacional.
Em 2003, Portugal estava abaixo do Luxemburgo, dos Estados Unidos, da República Checa, da França, da Suécia, da Hungria, da Espanha, da Islândia ou da Noruega. Em 2012, “alcançou-os”. Também em Ciências e na Leitura se registaram melhores resultados. A OCDE nota que em Portugal se assistiu a uma reforma curricular que “melhora a atitude dos alunos” em relação “à escola, em geral, e à Matemática, em particular”.
Cortes no ensino superior
Este ano ficou marcado por um clima de tensão entre o Governo e os reitores das universidades, que se queixam de um corte em excesso de cerca de 30 milhões no OE de 2014 para o ensino superior. O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Rendas, anunciou um corte de relações com a tutela e a demissão do cargo. Depois desta tomada de posição, o CRUP acabaria por ser recebido pelo ministro da Educação e Ciência e pelo próprio primeiro-ministro. Na sequência destes encontros e apesar de o CRUP manter “fundadas reservas quanto às políticas” do Governo para o ensino superior, Rendas resolveu manter-se no cargo até Março de 2014, altura em que fará nova avaliação da situação. Os reitores esperam que até essa data o Governo encontre uma solução para o problema.
Contestação ao ministro Nuno Crato
Em 2013, Nuno Crato teve um único momento de consenso, no dia em que, mais de oito meses depois de ter ordenado uma auditoria à Universidade Lusófona, declarou ser sua “convicção” que a licenciatura de Miguel Relvas, seu colega de Governo e braço direito do primeiro-ministro Passos Coelho, não era válida. Relvas acabaria por se demitir. O ministro da Educação esteve à altura do cargo e fez tudo para devolver ao ensino superior a seriedade que este merece.
Em Dezembro, em entrevista à RTP1 e após o fracasso da realização da prova dos professores, é o mesmo ministro que lança suspeitas sobre o ensino superior, mais concretamente sobre a formação inicial dos professores nos politécnicos, ao dizer que esta tem “características diferentes e critérios de exigência muito diferentes” que as universidades. No dia seguinte, Nuno Crato veria rectificadas as suas palavras pelo seu próprio gabinete, depois dos politécnicos pedirem a sua demissão.
Ao longo do ano, os partidos da oposição também o fizeram. E os sindicatos repetiram-no, primeiro por causa da mobilidade especial, depois devido à prova para os professores contratados. A inabilidade para negociar levou a que se concretizassem as ameaças de greve às avaliações no final do 3.º período e aos exames. A época dos exames nacionais ficou marcada pelas imagens de alunos em protesto em várias escolas porque não fizeram a prova de Português.
A média de todos os exames do secundário subiu para 10,4 (numa escala de 1 a 20) mas no 9.º ano foi a pior de sempre. Pela primeira vez, os alunos do 4.º ano foram submetidos a um exame, também envolto em polémica com alunos de nove anos a serem deslocados para outras escolas e a assinarem declarações em como não levariam telemóveis para o exame.
Em Setembro, o regresso às aulas foi confuso com alunos sem turma; sem apoios específicos para os estudantes com necessidades educativas especiais (NEE); e com professores por colocar – o desemprego entre os docentes aumentou pelo quarto ano consecutivo. Os pais e filhos com NEE manifestaram-se a exigir uma educação verdadeiramente inclusiva; e a Confederação das Associações de Pais declarou que “não tinha memória de um início de ano escolar com tanta instabilidade”.
O ministro da Educação e da Ciência termina o ano isolado. Os educadores de infância e professores do básico e secundário estão zangados por causa da prova de avaliação das suas competências; os reitores têm “profundas reservas” quanto às políticas pensadas para as universidades (prevê-se uma redução de cerca de 60 milhões no Orçamento do Estado) e os politécnicos mantêm o pedido de demissão. Apenas o ensino particular e cooperativo se congratula, afinal, viu o apoio do Estado reforçado com 19,4 milhões para apoiar a medida do cheque-ensino.
Até a OCDE veio contribuir para o isolamento do ministro e das suas políticas ao revelar os resultados do PISA, um estudo que mostra que os alunos de 15 anos portugueses melhoraram as suas competências na literacia matemática, científica e em língua materna, fruto do trabalho realizado na última década. O ministro começa por não comentar os resultados mas acaba por fazê-lo na mesma entrevista à RTP1 que lhe valeu a ira dos politécnicos, afirmando que foram as suas críticas, no tempo em que era um comentador admirado pelos professores, que contribuíram para estes resultados.
No final do ano, centenas de professores e investigadores das áreas da educação assinam uma petição que entregam à tutela em defesa das políticas levadas a cabo anteriormente e da escola pública. Mas não obtêm qualquer resposta.
A seguir em 2014
- O novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo abriu a possibilidade de haver um cheque-ensino, ou seja, uma ajuda financeira às famílias para optarem pela escolha privada. O modelo de implementação está ainda a ser trabalhado pelo Governo.
- Depois dos mudar o programa de Matemática no ensino básico, o Ministério da Educação prepara-se para fazer o mesmo em relação aos de Matemática e Português no secundário. Em Janeiro estes serão homologados e saber-se-á qual a influência das críticas das associações de professores na proposta que esteve em consulta pública.
- A 20 de Novembro, a Comissão Europeia deu dois meses ao Governo português para comunicar as medidas tomadas para rever as condições de trabalho dos professores contratados, sob pena de remeter o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Os sindicatos calculam que existam cerca de 12 mil docentes em condições de reclamar a entrada no quadro.
- A prova de conhecimentos e capacidades para os professores que se quiserem candidatar a aulas no próximo ano, já não é para todos os professores, mas apenas para os que têm menos de cinco anos de serviço. Ainda assim, o ministério terá de repetir a componente comum, depois de uma primeira fase marcada por boicotes, e poderá encontrar as mesmas dificuldades quando realizar as componentes específicas ou disciplinares, entre Março e Abril.


PISA 2012 e as narrativas sobre a educação nacional

PAULO GUINOTE
04/12/2013
Já sei que muita gente considera que estes testes valem o que valem, e admito sem problemas que não são bíblias para ler, decorar e colocar os mandamentos em prática fundamentalista, mas é errado deitá-los fora como absolutamente imprestáveis e como se, quando lidos os resultados em termos de tendência e contextualizando-os com o tipo de políticas educativas numa perspectiva de médio-longo prazo, nada se pudesse extrair com sentido de toda a sua enorme massa de informação.
Os resultados de 2012, em termos globais, parecem bastante claros quanto ao “sucesso” de um certo modelo de reformas assentes numa liberalização pouco regulada do “mercado da Educação”. Os países apontados como sendo os mais progressistas nesse campo (Suécia, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, entre outros onde é complicado inserir os EUA pela sua enorme diversidade) são dos que apresentam uma pior evolução na última década (cf. Tabela 1 A e gráfico I.2.15 sobre a mudança média anual). O que em vários casos está em linha com os TIMMS e PIRLS 2011. Não estamos a falar de quedas ocasionais ou pontuais, mas de tendências de uma década.
Já os países ou regiões em alta (a maioria do Extremo Oriente) têm características culturais muito próprias em termos de auto-disciplina e prossecução de objectivos de uma forma rigorosa e, repito-me, altamente disciplinada, não sendo o modelo de gestão da escola o determinante mas sim o da organização das aulas.
Estes testes, nos seus resultados globais, seriam bastante úteis para Portugal repensar alguns aspectos mais recentes das suas políticas educativas que alguma desaceleração nos ganhos aconselharia a quem não seguisse um programa em que se mistura a ideologia e os interesses.
No caso português verifica-se uma melhoria dos resultados desde 2003 em termos relativos (vamos recuperando em relação à média), mas uma certa estagnação ao nível dos resultados absolutos, havendo mesmo uma pequena quebra em Ciências.
Os alunos que fizeram estes testes entraram para o primeiro ano de escolaridade por volta de 2003 e apanharam em cheio, já no 2º e 3º ciclo, com muitas das reformas que se introduziram a galope no nosso sistema educativo, com escasso planeamento e fraca fundamentação empírica, desde 2007. Os que fizeram os testes de 2009 tinham entrado cerca de 2000 e só apanharam com um pouco dessas reformas, mesmo na ponta final da sua escolaridade básica de 9 anos (os PISA são feitos com alunos com 15 anos, no 8º ou 9º ano). Os que fizerem os de 2016 serão os filhos directos da combinação entre as reformas de Maria de Lurdes Rodrigues e de Nuno Crato.
Aí poderemos apurar as consequências do que do que tem sido feito em matéria de redução da rede escolar, gestão escolar, engenharia curricular e demais tropelias, desde que esses alunos entraram para o 1º ciclo.
Será que algum dia um governante assumirá essa paternidade ou limitar-se-ão a atirar as culpas para outros e chamar seu apenas o sucesso de curta duração, como uma certa ex-ministra gosta de fazer, reclamando apenas o que correu bem e renegando tudo o resto?
Existem ainda diversos detalhes que podem ir sendo seleccionados nos vários volumes do relatório final, alguns deles especialmente contrários a certas “narrativas” sobre as características do nosso sistema público de ensino, nomeadamente no que se relaciona com a qualidade do seu desempenho tendo em conta o contexto sócio-económico e a comparação entre os resultados das escolas públicas e privadas que, quando descontados os efeitos daquele contexto, não são consideradas estatisticamente significativas.
Para além de que é feita a demonstração (quadro IV.1.3) de que o desempenho dos alunos portugueses está em linha com o de muitos países onde a equidade sócio-económica é muito maior. Isto não esquecendo que Portugal surge entre os países com um nível acima dos 80% de competição entre escolas (quadro IV.1.18), o que contraria directamente o discurso sobre a falta de liberdade de escolha entre nós.
Diz-se muito que este MEC é adepto da examocracia, da medição, da comparação estatística dos resultados e desempenhos. Atendendo ao que nos dizem os PISA 2012 (como os PIRLS e TIMMS) eu gostaria que assim fosse, pois, nesse caso, muitas medidas erradas que já estão em implementação seriam travadas. Porque muito do que foi ganho desde meados dos anos 90 está em risco de se perder.
Mas não tenho especial esperança que aos nossos actuais governantes interesse mudar a narrativa que entranharam como sua.


Reflexão outonal sobre o ensino ou o valor da autenticidade

LUÍS REIS TORGAL
(Professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
27/11/2013
Ainda acreditei que Nuno Crato pudesse vir a ser, apesar deste Governo neoliberal de que fazia parte, um verdadeiro ministro de Educação e Ciência. Afinal não tem passado de mais um ministro adjunto do Ministério das Finanças
Há uns dias, ou semanas, escutando, descuidadamente, o programa Antena Aberta da RDP1 ouvi uma senhora que, criticando o ministro da Educação e Ciência, manifestava a suspeita de que tivesse sido formado numa “universidade de um vão de escada”.
É assim que se levantam as falsas suspeitas e calúnias, em breve transformadas para alguns em “certezas”. Não, ao contrário de outros ministros, secretários de Estado e adjuntos de ministérios, que fizeram os seus cursos em universidades particulares de menor crédito e mesmo assim assumem a imagem de “especialistas”, Nuno Crato é um matemático conceituado formado na Universidade Técnica de Lisboa. Mais: em livros muito interessantes e bastante citados, defendeu a qualidade do ensino das matérias fundamentais e criticou o exagero do pedagogismo, vício formal que abalou o conhecimento, divulgando ironicamente um termo que fez história, que atribui a Marçal Grilo: “eduquês”. Da minha parte há muito que falava de uma espécie de “pan-pedagogismo”, que reduzia o conhecimento à forma de o veicular e esquecia o seu conteúdo essencial.
Mas o certo é que um cientista com boa formação e com estas concepções de ruptura não pode ser ministro de um governo destes, numa Europa destas, que procura exclusivamente formas de economizar (que não é o mesmo que produzir riqueza, pois o “negócio” não pode existir sem o “ócio”, ou seja, sem a cultura). Deste modo, acabou por contrariar uma autêntica política de educação e de ciência, pois não o é o que se passa nas nossas escolas, do pré-escolar ao ensino superior, apesar do esforço individual de alguns dos seus educadores e professores: falta de docentes do ensino especial, de psicólogos e de assistentes sociais, fundamentais na lógica de uma educação inclusiva e em meios sociais cada vez mais desestruturados; professores com centenas de alunos, acumulando aulas sobre aulas; mega-agrupamentos que transformam os professores em “docentes-turbo”, sem qualquer vantagem financeira (ao contrário do que sucedeu antigamente na universidade), percorrendo quilómetros a suas próprias expensas para conseguirem dar as suas aulas em várias escolas; secundarização do ensino de adultos que, apesar dos seus defeitos (a corrigir), tinha as suas virtualidades; aumento da burocracia a todos os níveis de ensino; requintados métodos para ir matando a “escola pública”, que alguns dizem ser um chavão, apenas com o objectivo de esconderem finalidades da política liberal: enfraquecer a “escola de todos” e — ressalvando honrosas excepções — enriquecer, à nossa custa, “escolas de elites”, particulares e ditas cooperativas, de empresários de ocasião, de empresas poderosas e da Igreja (que deveria pôr a mão na consciência, nesta altura em que parece ser governada por um papa que advoga a sua pobreza); universidades sem dinheiro e sem a possibilidade de refrescar o corpo de professores (ao contrário do que sucede com os políticos, cada vez mais jovens e menos aptos, formados nas diversas “jotas”); um corpo de investigadores cada vez mais precário, que, depois de se doutorar, percorre o calvário do pós-doutoramento e do pós-pós-doutoramento; cursos organizados apressadamente, com a mira quase exclusiva da ascensão profissional; crise das humanidades e de ciências fundamentais em prol de estudos tecnológicos e de gestão, que são apresentados como cursos com futuro, mas onde igualmente não se obtém emprego; professores e estudantes, mesmo universitários, que deixaram de pensar e perderam o espírito crítico, não comparecendo sequer em colóquios onde poderiam debater questões, actualizar-se e ir sempre fazendo despertar a sua vontade de descobrir e de reflectir, pelo que é cada vez mais evidente, entre os últimos, o desejo de se divertirem em praxes e tradições inventadas, em vez de intervir na sociedade…
Enfim, ao contrário do que sucede, uma verdadeira política de educação — que passa pelo ministério e pelas escolas e seus professores e estudantes — exige uma reflexão e um debate, um conhecimento da realidade, e não apenas seguir o curso do economicismo. Por isso se desconfia de qualquer medida. Por exemplo, ninguém acredita na boa intenção das novas provas de avaliação inventadas pelo ministério para os docentes sem vínculo. É legítimo que se julgue (como está a suceder) que pretendem apenas concorrer para o despedimento “com justa causa” de algumas centenas de docentes, num tempo em que se tornou banal desempregar os que trabalham, sem que isso faça perder o sono aos governantes. Tudo em nome de um “sistema”… É também em nome dele que — como sucede com os outros funcionários públicos — os docentes no activo vêem cada vez o seu ordenado mais minguado, bem como os pensionistas, alguns dos quais dedicaram à escola a sua vida inteira, ordenado ou pensão que não lhes permite inclusivamente ter acesso aos bens de cultura, de que precisam como pão, para ensinar, investigar e… para viver.
Por tudo isto recordo constantemente a discussão que sobre o ensino se verificou nos anos 30 do século passado, em tempo de outra crise não menos grave e com um final ainda pior. Joaquim de Carvalho, célebre pensador e historiador da filosofia e das ideias, de quem a Fundação Gulbenkian publicou há pouco tempo as obras, num célebre artigo do Diário Liberal, de 8 de Novembro de 1933, intitulado “Reflexão outonal sobre a universidade de todo o ano”, salientava a situação crítica do professor que, devido às condições existentes, era “inexoravelmente compelido à burocratização do magistério, ao ensino fácil e à repetição — coisas terríveis para mestres e alunos”. E concluía: “Para mestres, porque lhes cerram o intelecto à imaginação criadora e os convertem em provincianos do Espírito, e para os estudantes, porque lhes geram a sensação de que a aprendizagem não exige esforço diário e a ciência é como os frutos maduros, que estão acolá à espera de quem os colha.”
A grande questão consiste, na verdade, na falta de pensamento crítico, o que deveria ser o primeiro objectivo de uma verdadeira reforma do ensino. Por isso volta também a estar actualizado o pensamento de filósofos como Ortega y Gasset que, falando sobre a “missão da universidade” e da necessidade da sua reforma, dizia, em 1930, que o maior vício dos tempos que corriam era a falta de “autenticidade”, ou seja, ser aquilo que se diz ser e se pode ser. Essa falta de “autenticidade” nas instituições de ensino era afinal criadora do mito de uma escola renovada e a causa da destruição da escola existente e do seu sonho de uma “escola nova”.
Ainda acreditei que Nuno Crato pudesse vir a ser, apesar deste Governo neoliberal de que fazia parte, um verdadeiro ministro de Educação e Ciência. Afinal não tem passado de mais um ministro adjunto do Ministério das Finanças, de um governo sem autenticidade, de um país sem identidade e de uma falsa Europa que perdeu o sentido da comunidade.

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