06/06/2014

O dia D foi há 70 anos

Há 70 anos os aliados desembarcaram na Normandia. Foi o Dia D que a 6 de Junho de 1944 mudou o curso da II Guerra Mundial. Foi uma operação militar inaudita, de cunho americano. Poderia ter falhado: a Europa seria outra.
O desembarque foi preparado em segredo na Inglaterra desde 1943, com uma imensa concentração de homens e meios, sob o comando do general americano Dwight Eisenhower, futuro Presidente dos EUA. Havia divergências entre os aliados e muitas incertezas estratégicas.
Depois de atacar a Polónia em Setembro de 1939 — com a cumplicidade de Estaline — a Alemanha de Hitler destroça o Exército francês em Maio-Junho de 1940. Um ano depois invade a União Soviética. Os EUA só entram na guerra em Dezembro de 1941, após o ataque japonês a Pearl Harbor. Até aí, a Grã-Bretanha — embora abastecida pelos americanos — suportou todo o peso da guerra no Oeste, enquanto no Leste a URSS era quase esmagada por Hitler. O avanço alemão será sustido na batalha de Estalinegrado (de 23 de Agosto de 1942 a 2 de Fevereiro de 1943) que marca o primeiro grande momento de viragem. O segundo grande momento será o Dia D — a operação Overlord.
A intervenção americana no teatro de guerra europeu não era evidente. Estava em guerra no Pacífico. Foi uma decisão estratégica do Presidente Franklin Roosevelt. Na conferência Arcadia, em Washington, nos últimos dias de 1941, ele garantiu a Churchill que considerava o III Reich alemão como o inimigo prioritário. Não foi uma decisão ideológica. Era uma decisão estratégica para evitar a hegemonia de Hitler: dominando quase todo o continente e prestes a derrotar a URSS, o Reich tornava-se na maior ameaça para a segurança e os interesses dos EUA. Roosevelt resistirá a todas as pressões para alterar essa opção.
Estaline lançava desde 1942 apelos desesperados para a abertura duma frente oeste que dividisse as forças alemãs. Os americanos não tinham forças preparadas para uma operação de tal envergadura. Mas Roosevelt tinha em mente um desembarque em França. Churchill defendia uma estratégia intermédia, propondo um ataque no Mediterrâneo. Em Novembro de 1942, os aliados desembarcam no Norte de África e, em Julho de 1943, na Sicília, passando depois para a Itália. Os americanos impõem então a Churchill o desembarque em França. Em Dezembro de 1943, Eisenhower é nomeado supremo comandante das forças aliadas e começa a preparar a Overlord. Concentram-se na Inglaterra 1,5 milhões de homens e meios fantásticos para a maior operação anfíbia da História.
Na madrugada de 6 de Junho, uma armada de 4266 barcos de transporte, escoltados por 722 navios de guerra, e quase 200 mil homens — na maioria americanos, britânicos e canadianos — protegidos por 10.000 aviões, iniciam o desembarque. Durante a noite tinham sido lançados 23.500 pára-quedistas na retaguarda das linhas alemãs. A aviação e navios bombardeiam os bunkers e as falésias. Às 6h30 começa o desembarque, em cinco praias: Omaha (americanos), Gold e Sword (britânicos), Juno (canadianos). Os americanos abrirão a um sexto ponto, Utah. Tanques anfíbios cobriam os soldados com a sua artilharia.
Ao fim do dia, 176 mil homens tinham posto o pé em terra, no meio de combates violentíssimos. Morreram nesse dia 4900 G.I. (soldados), um número abaixo do previsto. A seguir, os aliados desembarcam uma média diária de 30 mil homens, 7000 veículos e 30.000 toneladas de abastecimentos.
Os alemães tinham fortificado a costa francesa com uma rede de bunkers com artilharia, minas e obstáculos — o “Muro do Atlântico”. Tinham 100 mil homens na Normandia. Sabiam que o ataque era provável. Hitler estava optimista. Acreditava na eficácia do “muro” e queria atrair o inimigo para uma ratoeira, dizimando nas praias as suas forças, de modo a concentrar o esforço de guerra na Frente Leste e aniquilar a resistência russa.
A favor dos aliados jogou a intoxicação do inimigo — operação Fortitude — que convenceu os alemães de que o ataque seria a norte, no Pas-de-Calais, o que os levou a aí fixar 17 das 50 divisões disponíveis. Jogaram também a favor dos aliados as divergências entre os generais alemães e a confusão criada pelas ordens contraditórias de Hitler. A Resistência francesa colaborou, sobretudo na sabotagem das comunicações.
A enorme superioridade de meios dos aliados criou o mito de que o sucesso estava garantido. Pelo contrário, foi uma acção de alto risco e incertezas, a começar pela meteorologia. Uma coisa são os planos cuidadosamente elaborados e outra são os imprevistos e as surpresas no terreno, diz Antony Beevor, historiador do Dia D. Apesar do minucioso planeamento, a acção revelou desordem, improvisação e erros tácticos que quase custaram a vitória aos aliados. Decisiva terá sido a sua esmagadora superioridade aérea.
Para os americanos, Omaha — a Bloody Omaha — ficou impregnada na memória colectiva. As nuvens impediram o apoio aéreo. E um erro de informação sobre as tropas alemãs presentes quase foi fatal. A situação tornou-se tão desesperada que o general Bradley encarou a retirada. Morreram lá 2200 americanos.
Seguem-se semanas de batalhas sangrentas, por vezes selvagens. “A batalha da Normandia que se seguiu foi ganha à custa de um esforço quase sobre-humano”, acrescenta Beevor. Paris será libertada a 25 de Agosto. O Reich capitulará a 8 de Maio de 1945.
O Dia D passou a simbolizar a vitória na II Guerra Mundial. A primeira celebração formal faz-se em 1954, sob o signo da viva memória dos horrores guerra. Foi uma homenagem aos anglo-americanos. Eisenhower, embora convidado, preferiu enviar uma declaração em que lembrou o papel do marechal Jukov, supremo comandante russo na Europa. As cerimónias passam a ser feitas de cinco em cinco anos.
Em 1964, o Presidente De Gaulle envia ministros à Normandia, mas não comparece. Irá, em Agosto, às cerimónias do desembarque na Provença. Não perdoou aos americanos a sua marginalização do Dia D. Por outro lado, as relações entre Paris e Washington degradavam-se. De Gaulle reconhecera a China de Mao. O 30.º aniversário teve maior dimensão. Mas a forma moderna surge em 1984, pela mão de François Mitterrand e Ronald Reagan, na presença da rainha Isabel II e outros chefes de Estado aliados. No fim da Guerra Fria, teve uma forte marca de exaltação da aliança atlântica.
Acabada a Guerra Fria muda o tom. Em 1994, celebra-se a “reconciliação europeia”, na presença de Bill Clinton e outros 11 chefes de Estado. Embora convidado, o chanceler alemão, Helmut Kohl, acha prematuro comparecer.
Duas barreiras foram passadas em 2004, sob a presidência de Jacques Chirac: a presença do alemão Gerhard Schroeder e do russo Vladimir Putin. As dissidências da guerra e do pós-guerra pertenciam à História. Já não se comemoravam vitórias. Celebrava-se a paz.
Voltando ao início: quem ganhou a guerra? Em Agosto de 1944, o Reich tinha 2,1 milhões de soldados na Frente Leste e 1 milhão na Frente Oeste. Os russos lembram o preço que pagaram para suster Hitler: 21 milhões de mortos. A Guerra Fria e a denúncia dos crimes de Estaline ajudaram a desvalorizar este facto.
Foi certamente na estepe russa que Hilter começou a ser travado. Mas a Overlord não foi apenas a operação que permitiu acabar com o III Reich. Mudou decisivamente o curso da guerra.
Imaginemos o cenário de um fiasco. Hitler ficaria livre da ameaça americana por algum tempo. Concentraria as forças no Leste. E se conseguisse esmagar os russos? Ou se, inversamente, as divisões de Estaline tivessem prevalecido sobre Hitler, que rosto passaria a ser o da Europa? Não há resposta senão em termos de História contrafactual.
Disse-se acima que a opção europeia de Roosevelt se deveu a uma pura análise estratégica. A sua lucidez serviu a Europa. Sem a potência americana e sem o sacrifício dos seus soldados a Europa — ou metade dela — não se teria tornado num lugar agradável. Os G.I. não morreram só pela América, morreram também pela Europa.
II Guerra Mundial
Veterano de guerra em praia da Normandia


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