Nos últimos anos, tem-se debatido a espécie a que pertenciam os humanos de Sima de los Huesos. Primeiro, pensava-se que eram representantes do Homo heidelbergensis, um suposto antepassado directo dos neandertais. Parte da morfologia do crânio e os dentes desta população de Espanha já eram idênticos aos dos neandertais. Mas em 2013, a equipa de Svante Pääbo veio baralhar aquela ideia. Os cientistas fizeram a sequenciação mais antiga de sempre de ADN humano, neste caso de ADN mitocondrial — o material genético que existe nas mitocôndrias, as baterias das células, que se herda pela via materna. E a sequenciação indicava que aqueles humanos estavam mais próximos dos denisovanos (uma espécie descoberta na Sibéria, que em 2010 veio tornar a evolução humana mais complexa) do que dos neandertais.
Os resultados eram surpreendentes. “O facto de o ADN mitocondrial do homem primitivo de Sima de los Huesos partilhar um antepassado comum com os denisovanos e não com os neandertais é inesperado, uma vez que o seu esqueleto tem características derivadas dos neandertais”, disse na altura Matthias Meyer, que participou no estudo.
Há ossadas e vestígios na Europa e Ásia associados à anatomia e à cultura tipicamente neandertais com idades entre os 40.000 e os 300.000 anos. Por outro lado, os humanos modernos (a nossa espécie), que evoluíram em África, migraram para a Europa e Ásia há menos de 80.000 anos, reproduzindo-se com os humanos que existiam naqueles continentes, mas sobretudo substituindo-os. Há 28.000 anos os neandertais extinguiram-se. Finalmente, a genética mostrou que, há 50.000 anos, existia outra população humana na Ásia, os denisovanos. Conhecem-se só dois dentes e um pedaço de falange, pelo que a sua anatomia é um mistério.
Assim, há muitas questões que estão por responder. Quando se deu a separação dos antepassados dos humanos modernos, dos neandertais e dos denisovanos? Qual o lugar dos humanos de Sima de los Huesos nesta árvore evolutiva? E como integrar informações que aparentemente se contradizem, como é o caso de os humanos de Sima de los Huesos terem uma anatomia semelhante à dos neandertais e um ADN mitocondrial mais perto do dos denisovanos?
Os novos resultados dão algumas respostas. A equipa de Svante Pääbo conseguiu obter ADN nuclear (no núcleo das células e menos frequente do que o ADN mitocondrial, já que cada célula só tem um núcleo mas milhares de mitocôndrias) a partir de um dente incisivo e de um fémur de dois indivíduos diferentes. Mesmo assim, a quantidade de ADN nuclear obtida foi apenas 0,07% do genoma humano total, mas permitiu compará-lo com o genoma das outras espécies humanas. “As sequências [genéticas] assemelham-se mais com as dos neandertais do que com a dos denisovanos, mostrando que os humanos de Sima de los Huesos estavam relacionados com os neandertais e não com os denisovanos”, explica-nos Matthias Meyer.
Os novos dados são compatíveis com a estimativa da separação da linhagem dos neandertais e a dos denisovanos “entre há 381.000 e 473.000 anos”, explica-se no artigo. Este cálculo foi feito com base na comparação dos genomas dos dois tipos de humanos, que permitiu estimar o momento da divergência entre ambos, ao ter-se em conta o número de mutações genéticas que vão surgindo ao longo do tempo nas populações humanas. “Este rácio de mutações também sugere que a separação entre os humanos arcaicos [que deram origem aos neandertais e denisovanos] e os humanos modernos ocorreu entre há 550.000 e 765.000 anos”, segundo o artigo.
Mas mantém-se uma pergunta. Por que é que o ADN das mitocôndrias dos primeiros neandertais de Sima de los Huesos tem mais semelhanças com o ADN mitocondrial dos denisovanos e menos com o ADN mitocondrial dos neandertais que apareceram mais tarde? Uma hipótese avançada no artigo é que o ADN mitocondrial dos neandertais que depois povoaram a Europa — portanto, descendentes dos neandertais de Sima de los Huesos — seja fruto de cruzamentos que entretanto aconteceram com uma população desconhecida de humanos, vinda de África.
“Não há provas genéticas de uma migração vinda de África ocorrida entre a altura dos humanos de Sima de los Huesos (há 430.000 anos) e a chegada dos humanos modernos (entre há 40.000 e 80.000 anos)”, diz Matthias Meyer. “Poderemos testar essa hipótese se obtivermos mais informação do ADN nuclear dos humanos de Sima de los Huesos e a compararmos com o ADN dos neandertais mais recentes.”
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Arqueólogos escavam em Sima de los Huesos. |
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Um esqueleto dos 28 indivíduos cujos os ossos foram encontrados no poço de Sima de los Huesos, em Atapuerca. |
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Ilustração dos primeiros neandertais que viviam em Atapuerca, perto de Burgos, Espanha, há mais de 400.000 anos. |
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