Um pescador diz ter resgatado do fundo do mar uma escultura em bronze do deus Apolo em Agosto de 2013. Longe de compreender o seu real valor, levou-a para casa de carroça e, menos de 24 horas depois, viu-a ser confiscada por uns primos ligados às milícias do Hamas que, convencidos da sua importância, a puseram à venda no eBay por meio milhão de dólares (365 mil euros). Graças à intervenção de um coleccionador consciencioso, a peça haveria de ir parar às mãos das autoridades civis deste grupo que controla parte dos territórios palestinianos, que a deixaram à guarda do seu Ministério do Interior. Agora, só o Hamas sabe onde está. Apetece perguntar: esta é uma descoberta arqueológica verdadeira ou mais um conto da Faixa de Gaza? A agência de notícias Reuters, que faz o relato da descoberta e das peripécias que a rodearam com algum detalhe, garante que a escultura ainda não foi vista ao vivo por arqueólogos e historiadores, que até aqui têm tido acesso apenas a fotografias com má definição em que, curiosamente, a divindade greco-romana aparece pousada sobre um lençol colorido com pequenos Estrunfes. “É muito, muito raro encontrar uma estátua que não em pedra ou em mármore”, disse Michel de Tarragon, historiador associado da Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. “É única. Eu diria até que, num certo sentido, sem preço. [Quererem saber quanto vale] é como se me perguntassem quanto custaria a Mona Lisa do Museu do Louvre.” É também este especialista que lança as primeiras dúvidas em relação ao local em que a escultura terá sido resgatada, alertando para o facto de as marcas que exibe serem mais coincidentes com a possibilidade de ter estado sepultada em terra firme e não no fundo do mar. “Está muito limpa”, diz Tarragon, faltam-lhe evidências de corrosão do metal e não tem quaisquer crustáceos a cobrir-lhe a superfície ou parte dela, o que habitualmente acontece quando as peças passaram muito tempo debaixo de água salgada.
A estátua com 1,80 metros representa Apolo de pé, com um braço estendido com a palma da mão virada para cima e o outro ao longo do corpo. O rosto tem traços muito delicados – como convém a um Deus associado à beleza e à juventude –, os olhos seriam azuis (um tem ainda uma pedra dessa cor, a do outro terá caído) e o cabelo é encaracolado, cheio de detalhes.
Apurar sem sombra de dúvidas onde foi resgatada é particularmente importante por dois motivos, lembra ainda o historiador da Escola Arqueológica Francesa de Jerusalém: em primeiro lugar, porque a localização é crucial para determinar a que autoridade pertence; em segundo, porque é altamente improvável que uma escultura desta natureza, encontrando-se ainda no lugar para onde foi criada, fosse peça isolada. Para Tarragon, a escultura pode ser apenas a ponta do icebergue de uma monumental descoberta arqueológica.
Um território com mais de cinco mil anos de história, por onde passaram egípcios, romanos ou cruzados, visitado por Alexandre, o Grande, e pelo imperador Adriano, esconde certamente sob a areia camadas e camadas de testemunhos das suas diferentes ocupações. Vestígios que, em virtude da violência e da calamidade social em que vivem há décadas os territórios ocupados, se encontram na sua esmagadora maioria por descobrir. Nunca houve escavações sistemáticas com o adequado enquadramento científico. “Naquela época, uma escultura era integrada num complexo – um templo ou um palácio”, acrescenta Tarragon, dizendo que é provável que se venham a descobrir muitos outros artefactos no mesmo local, o que torna todo este episódio rocambolesco muito “sensível”.
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