07/07/2014

"Páginas Escolhidas" de Samuel Johnson (1709-1784)

Devido às características da colecção em que surge e às escolhas subjacentes, estas Páginas Escolhidas não incorporam o lexicógrafo, o “inofensivo mouro de trabalho” a que Samuel Johnson (1709-1784) se referiu; o biógrafo que nunca deixava de ser crítico (uma das obras que o imortalizaram chamava-se, no seu longo título, raramente referido, Prefaces, Biographical and Critical, to the Works of the English Poets); o exegeta e editor de Shakespeare, a quem devemos mais do que geralmente se presume; o autor de um vasto conjunto de poemas, alguns dos quais terão sobrevivido ao juízo do tempo, ainda que menos do que a sua prosa, sobretudo o ensaio; ou o ficcionista de Rasselas, que antecipa Shelley, ao descrever o poeta como “o intérprete da natureza e o legislador da humanidade”. Mas a antologia traduzida por Miguel de Castro Henriques permite uma visão razoável de uma obra que é, em mais do que um sentido, desmedida. As Páginas colhem o seu material nos textos, mais ou menos breves, que Samuel Johnson escreveu em periódicos como Literary Magazine, Gentleman’s Magazine, The Rambler (este, praticamente da sua exclusiva responsabilidade), ou The Adventurer. É certo que se pode lamentar a ausência de notas que reenviem para a origem dos textos, os comentem e esclareçam, bem como de uma introdução que ajude a compreender o autor e a reler criticamente a sua época. Não obstante, e tanto mais que poderiam adaptar-se ao próprio Johnson as palavras que ele escreveu em Life of Cowley — “O moralista, o político e o crítico misturam a sua influência” —, esta recolha revela algumas das mais importantes vertentes da produção johnsoniana. Desde logo, a crítica — “Existe uma contradição manifesta e notória entre a vida de um autor e os seus escritos” (p. 81) —, mas também a política — “A disputa Americana entre nós e os Franceses é, portanto, uma querela entre dois ladrões que disputam os bens de um viajante” (p. 108). Por outro lado, a religião — “Quando não encontramos socorro em nós mesmos, o que nos resta senão recorrer a um Poder superior e maior” (p. 142) –, sem esquecer certa digressão que se dispersava com gloriosa frequência — “Os assuntos que em si mesmos têm poucas consequências frequentemente tornam-se mais importantes devido às circunstâncias que os rodeiam” (p. 21) —, por vezes de maneira genial. Entre estas, contam-se algumas das zonas de maior tensão e premência da obra e da visão do mundo de Samuel Johnson. Homem do seu tempo, confundiu bastas vezes moral com juízo crítico, simpatia e aversão com mestria artística; no entanto, a sua obra ergue-o, não à dignidade de “pai da crítica inglesa”, título que reservou para Dryden, mas à de um dos mais vigorosos e interessantes praticantes daquela actividade, em qualquer época.
Johnson (1709-1784)

Capa do livro Páginas Escolhidas, antologia de textos de Samuel Johnson,
traduzidos por  Miguel de Castro Henriques.

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