27/01/2014

Nova bibliografia relativa à I Guerra Mundial

Ainda há muitos livros a serem publicados sobre a I Guerra Mundial. Muitos deles com uma qualidade excepcional, não apenas por reorganizarem ou sintetizarem, de modo mais claro ou inovador, a vasta informação já existente sobre este momento central da história contemporânea, mas também por oferecerem interpretações originais.
É obrigatório começar por destacar os três volumes da Cambridge History of the First World War (2013), coordenados por um dos principais especialistas do tema, o excelente historiador Jay Winter (Universidade de Yale). Os três volumes oferecem uma erudita fusão entre síntese e novidade. Estamos perante o mais completo compêndio sobre o que interessa saber sobre a I Guerra Mundial: causas e origens, actores e consequências. De facto, nos seus 73 capítulos (sem contar com as introduções e os exaustivos ensaios bibliográficos) deparamo-nos com um sem-número de perspectivas críticas actualizadas e com uma série de novas interrogações e renovadas interpretações. A diversidade de temas, a pluralidade e a profundidade das análises, e a solidez das interpretações são impressionantes. O primeiro volume, intitulado Global War, parte da premissa de que uma “guerra global requer uma história global”. O que é cumprido com rigor e pormenor. O segundo volume, intitulado The State, centra-se na análise do impacto que o conflito teve nas instituições do Estado e na sua relação com a sociedade civil num contexto de sucessivos estados de excepção. O terceiro volume, intitulado Civil Society, oferece um riquíssimo conjunto de textos que ilumina o papel de várias instituições e práticas sociais no conflito mundial. Esta obra colectiva perdurará por certo como a obra de referência sobre este tema.
Igualmente rica é a Encyclopédie de la Grande Guerre, 1914-1918. Histoire et Culture (2004), publicada de novo, numa versão revista e aumentada, sob coordenação de Stéphane Audoin-Rouzeau e Jean-Jacques Becker. Trata-se de um instrumento de trabalho indispensável, com dezenas de textos escritos por especialistas de renome internacional. Temas como os do uso de armas químicas, o do uso de contingentes militares recrutados no interior dos impérios coloniais europeus, o das múltiplas formas de recusa de participação no conflito, o do papel dos intelectuais, entre muitos outros, são explorados com rigor e clareza.
O magnífico livro de Christopher Clark The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914 (2013) merece uma recomendação entusiástica. Informado, original e polémico, The Sleepwalkers consegue equilibrar uma lúcida análise do conjunto de causas estruturais que explicam a emergência do conflito — por exemplo, o sistema de alianças internacionais, as rivalidades imperiais, a excessiva militarização ou a natureza pouco democrática das sociedades envolvidas — com a difícil demonstração da irracionalidade político-diplomática predominante. Mobilizando um sólido conjunto de argumentos que devia ser obrigatoriamente lido por políticos, militares e “estrategos” de serviço, Clark mostra o papel central que as ilusões de grandeza, os erros de percepção e interpretação (baseados em escassa, apressada e mal apurada informação), as suposições infundadas (que muito ficam a dever à malfadada centralidade dos “especialistas” em cenários), os preconceitos e os estereótipos sobre os inimigos (em muito devedores dos mais ignaros racismo e xenofobia) ou a cultura do medo desempenharam. O sonambulismo tem custos imprevisíveis, e inaceitáveis. Como em muitos momentos históricos marcados pela aceitação da desumanidade — aprender a aceitar o desumano ficou mais fácil para muitos a partir desta altura —, é crucial interrogar a responsabilidade das “elites” envolvidas.
Uma reflexão erudita sobre o papel das elites políticas europeias, sobretudo sobre os seus processos de tomada de decisão, é precisamente o que nos oferece Margaret MacMillan, no esplêndido The War That Ended Peace: The Road to 1914 (2013), que deve ser lido em conjunto com o seu Paris 1919: Six Months That Changed the World (2003). A combinação de uma certa cultura de expectativa positiva face à guerra, de uma paranóia generalizada — sobre o outro, sobre a “degeneração” social e societal —, de uma megalomania institucionalizada (ainda por cima em sociedades crescentemente militarizadas), de um jingoísmo popular e ainda de um punhado de julgamentos e decisões mais do que questionáveis foi fatal. Uma coisa fica clara para MacMillan e para os que a lêem: a violência e a mortandade eram evitáveis, existiram responsáveis concretos, mas não culpados únicos.
Para os cultores da história contrafactual, que tanto tem de estimulante exercício intelectual como de perigoso instrumento de revisionismo histórico, recomendamos o livro de Richard Ned Lebow, Archduke Franz Ferdinand Lives!: A World without World War I (2014). Lebow oferece-nos vários mundos plausíveis partindo da supressão de um único dado histórico: o assassinato do arquiduque Francisco Fernando em Sarajevo, em 1914. Que mudanças significativas seriam plausíveis nas trajectórias biográficas de inúmeras personalidades da época e nos desenvolvimentos geopolíticos globais? Por exemplo, como pensar a inexistência de um Estado de Israel face à inexistência do Holocausto, face à inexistência do nacional-socialismo na Alemanha? The Plot Against America, de Philip Roth, talvez seja mais entusiasmante, mas o livro de Lebow constitui uma história alternativa que demonstra como pequenos acontecimentos (e pequenas irresponsabilidades) podem provocar consequências tão nefastas e duradouras como as que a I Guerra Mundial desencadeou.
Uma última nota de leitura sobre um livro que só será publicado em meados deste ano, mas que promete transformar-se num notável exemplo do modo como se pode repensar a história da I Guerra: Empires at War, 1911-1923, coordenado por Erez Manela e Robert Gerwarth. O objectivo é duplo: primeiro, redefinir a cronologia do conflito, da invasão italiana da Líbia até aos inúmeros e violentos conflitos que se prolongaram até 1923, na sequência da desagregação da Rússia Czarista e dos Impérios Austro-húngaro e Otomano; segundo, demonstrar que se tratou de um antagonismo global entre Estados-império e não entre Estados-nação. Pelo conjunto de contribuições a que já tivemos acesso, podemos garantir que esta obra rapidamente se tornará numa referência obrigatória para todos os que se interessam pelo período histórico.
 

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