08/04/2016

O enigma da rota de Aníbal pelos Alpes há mais de 2000 anos

Foi há mais de 2000 anos que o general cartaginês Aníbal Barca e o seu exército, com elefantes e cavalos, atravessou os Alpes e invadiu a Península Itálica, derrotando as forças romanas. Um dos maiores enigmas da história é a rota escolhida em 218 a.C. para a difícil travessia dos Alpes. Afinal, que caminho seguiu Aníbal? Um grupo de investigadores de vários países e várias áreas científicas anunciou esta semana uma descoberta que ajuda a responder a esta questão. Tão surpreendente (ou até mais) quanto a conclusão é a forma como conseguiram chegar até ela: foi através da análise do chão, onde se encontraram sinais dos dejectos dos milhares de animais que Aníbal levava com o seu exército, que se chegou ao rasto do general cartaginês nos Alpes. São as primeiras provas apresentadas e que apontam para uma rota a sul.
A história é apaixonante e resume-se assim: há muitos, muitos anos, um corajoso general cartaginês chamado Aníbal Barca iniciou uma difícil viagem que alguns diziam ser impossível. Com o seu exército de 30.000 soldados e com 15.000 cavalos e 37 elefantes partiu da Hispânia (nome dado pelos romanos à Península Ibérica) decidido a invadir a Itália. Pelo meio, havia a “impossível” travessia dos Alpes. Aníbal não só conseguiu atravessar os Alpes como entrou em Itália e conseguiu que a invencível força de Roma caísse derrotada a seus pés. E assim se fez História.
Porém, já se sabe, os investigadores nunca estão satisfeitos e querem também o impossível: ter todas as respostas, para todas as perguntas. Com eles, a história nunca acaba. Um dos maiores enigmas desta história é a rota que Aníbal escolheu por entre os Alpes. É imperioso saber isso, argumentam os investigadores, para identificar locais de interesse arqueológico e para os estudar. E, claro, para desvendar esse enigma.
A travessia de Aníbal remonta a 218 a.C., altura da Segunda Guerra Púnica. Cartago, na actual Tunísia, era o principal rival militar de Roma. Passados mais de 2000 anos, os historiadores, geólogos, arqueólogos e outros investigadores terão chegado a um consenso sobre três possíveis caminhos escolhidos por Aníbal. Agora, uma equipa de investigadores de vários países (incluindo o geólogo português Pedro Costa) encontrou provas que apontam para uma das rotas (a que está situada mais a sul) como a mais provável.
Estes investigadores, que publicaram dois artigos científicos na revista Archeometry, analisaram o chão de uma zona já considerada “suspeita”, um pântano numa planície próxima da Passagem da Traversette (Col de la Traversette, em francês) e relativamente perto do Monte Viso. O local desta pequena depressão que acumula água foi escolhido por garantir que estaria preservado, não teria sido vítima de derrocadas de pedras nem tinha sofrido grande alteração ao longo do tempo. A cerca de 3000 metros acima do nível do mar, os investigadores escavaram naquele. Camada por camada, foram usando a datação por radiocarbono para dar “uma idade” a cada fatia do chão. Chegaram à camada que correspondia a uma datação de há 2200 anos. Era um pedaço de terra mais escuro, mais denso. Tinha sinais de contaminação e vestígios de dejectos de animais, muito superiores aos que é provável encontrar num “chão normal”. Em vez de um limite máximo de 5% dos vestígios do ADN de um grupo de bactérias anaeróbicas (Clostridia) que é característica do estrume de cavalo, encontrou-se ali (e só naquela densa fatia de terra) mais do dobro, cerca de 12 %. Acima ou abaixo daquela camada, a presença de Clostridia caía significativamente. Mais: outros elementos da equipa olharam para química dos sedimentos e detectaram outros biomarcadores fecais (a molécula epicoprostanol, por exemplo) relativamente bem preservados que atingiam um máximo na fatia de terra com a data da travessia de Aníbal. Os resultados constituem a primeira prova química e biológica da passagem de uma elevado número de mamíferos, possivelmente indicando a rota do exército de Aníbal nesta altura.
Está desvendado o enigma da rota de Aníbal? Não, ainda não. Falta saber o resto do caminho que fez. Aparentemente, esta descoberta descarta a hipótese de uma das rotas, situada mais a norte dos Alpes. Porém, não afasta totalmente um outro caminho que passaria algures pelo meio. “Só” aponta para uma mais provável escolha de Aníbal pela rota mais a sul, proposta há meio século pelo biólogo britânico Gavin de Beer. Esta rota, aliás, era a aposta já conhecida do principal investigador desta equipa. William Mahaney, investigador do Departamento de Geografia da Universidade de York (em Toronto, no Canadá), é o primeiro autor dos dois artigos do grupo internacional de investigadores e já escreveu vários artigos e até romances científicos sobre o assunto.
Os artigos agora publicados colocam Mahaney e a equipa mais perto de um final feliz mas a história ainda não acabou. Para já, adianta Pedro Costa, Mahaney e alguns elementos da sua equipa terão sido desafiados a tentar fazer a mesma rota de Aníbal em 2017, acompanhados por uma equipa de uma cadeia de televisão. Falta agora fazer análises mais detalhadas aos sedimentos encontrados na camada do chão que guarda o rasto de Aníbal para poder dizer, com a maior certeza possível, que se trata de dejectos equinos e não humanos.
E o que aconteceu a Aníbal? Dizem que acabou, vários anos mais tarde, por ser traído e envenenado por um dos seus companheiros da histórica viagem e vitória. Afinal, o maior perigo para Aníbal não estava numa impossível travessia pelos Alpes, com elefantes e cavalos, nem na invencível força dos romanos.
Travessia dos Alpes por Aníbal
Cientistas nos Alpes à procura do rasto do exército de Aníbal.

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