Na última sala da exposição encontramos uma obra inédita, uma colagem sobre cartão com 15 por 24 centímetros que a família encontrou na casa de Manhufe. Vemos três pernas com meias de senhora sobrepostas, um "S" que identifica as máquinas de costura Singer, a palavra “woman”, material retirado da revista feminina americana McCall’s. É provavelmente um dos seus últimos trabalhos, uma nova pesquisa sobre a relação entre arte e publicidade. A colagem é mostrada entre as suas pinturas mais conhecidas, as da fase final, que pertencem todas à Fundação Calouste Gulbenkian (à excepção da da colecção Ilídio Pinho), que organiza com o Grand Palais esta exposição. Retoma o tema do feminino. Percebe-se a sua identidade. Muitas destas pinturas já têm marcas publicitárias. Aqui vê-se a utilização das palavras como símbolos gráficos, que já vinham de trás misturadas com os seus próprios elementos de promoção pessoais.
Helena de Freitas ainda pensou pôr esta colagem inédita – há mais duas semelhantes que estão em mau estado de conservação, que não foram recuperadas a tempo – ao lado de um trabalho do artista alemão Kurt Schwitters, mas não conseguiu o empréstimo necessário. E cita uma frase de Amadeo para falar desta busca identitária – “eu nem a mim próprio me imito” – para falar de um artista muito livre que não queria ser cubista, nem futurista, mas que, paradoxalmente, também dizia ser tudo isso. Helena de Freitas diz que é preciso não nos esquecermos de que estamos a falar de um artista jovem, “que estava a atingir a maturidade quando morreu”.
A exposição que a Gulbenkian mostra em Paris é muito diferente da que Lisboa viu em 2006 e ultrapassou os cem mil visitantes. Esta é para falar de Amadeo a quem não o conhece ainda. Não há só uma mensagem, mas muitas: “Que é uma personagem muito complexa. A mensagem é a pluralidade, o sentido experimental.”
A exposição começa, aliás, com a famosa frase “Tenho mais fases do que a lua”, ao lado de um diaporama com várias fotografias do artista em várias poses. Se o título é apenas o nome do pintor, o subtítulo podia ser “um dos segredos mais bem guardados do modernismo”, e é por aí que tem passado o marketing da exposição. Um dos segredos, relativiza a comissária, e não “o segredo”.
Como se trata exactamente de mostrar alguém que é desconhecido, a exposição “é muito focada no trabalho de Amadeo”, diz a comissária, estando apenas representados outros artistas internacionais com quem teve relações pessoais, como Brancusi, o casal Delaunay e Modigliani. Entre as mais de 200 obras de Amadeo, há uma dezena de outros artistas. “Na exposição sente-se o espírito de Amadeo com toda a sua complexidade. Ele é capaz de desenvolver experiências diferentes em simultâneo na sua obra.”
Depois da introdução, o visitante descobre logo três das oito pinturas que foram ao Armory Show (1913), em Nova Iorque. Paysage, Le Saut du Lapin e Château Fort, e que pertencem ao Art Institute of Chicago. Se se olhar para o lado esquerdo, está também Avant la Corrida, que além dessa exposição esteve antes em Paris, no X Salão de Outono, em 1921, exactamente no Grand Palais (hoje integra a colecção de arte moderna da Gulbenkian). As quatro pinturas não estavam juntas desde 1987, uma vez que Le Saut du Lapin não foi à grande exposição de Lisboa em 2006.
Mas como é que se internacionaliza um artista cuja obra está quase toda em Portugal, principalmente na Fundação Calouste Gulbenkian, e que tem apenas cinco obras em museus estrangeiros? Além do Art Institute of Chicago, há uma obra no Centre Pompidou e outra no Muskegon Museum of Art, também nos Estados Unidos, se falarmos das colecções institucionais. “Essa é uma pergunta delicadíssima. Acho que a viúva, por ter escolhido um museu português, acabou por condicionar a visibilidade do artista”, porque são as instituições internacionais mais conhecidas que acabam por construir e legitimar o discurso da história de arte. “Mas para um artista ser conhecido tem de ser visto. Ele foi, de facto, esquecido e está aqui para ser descoberto. E apesar de os franceses estarem sempre a perguntar quem fez primeiro, isso não me preocupa nada, porque a obra é muito boa e o artista é muito sólido”, diz a comissária.
O filme de Christophe Fonseca, Amadeo de Souza-Cardoso: O Último Segredo da Arte Moderna pega na história do pintor que está a ser descoberto para agarrar o público. Há vários especialistas internacionais que entram na narrativa, que o realizador considera “arrebatadora”.
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Obras de Amadeo na exposição do Grand Palais. |
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