Vergílio Correia, um dos arqueólogos que descobriu a cidade romana de Conímbriga, foi professor em Coimbra e deixou mais de 40 livros publicados e dezenas de artigos em jornais e revistas de que foi fundador, director ou simplesmente colaborador, como a Águia, a Terra Portuguesa, Arte e Arqueologia e o Diário de Coimbra.
Vergílio Correia: Um olhar fotográfico, mostra esquissos, desenhos, diários de campo, cartas, livros, artigos e um núcleo de cerca de 30 fotografias feitas por este republicano convicto, reputado antropólogo e historiador de arte, entre 1929 e 1934, núcleo em que se sobressai a sua preocupação em documentar o trabalho de camponeses, operários e artesãos. O acervo exposto permite voltar a olhar para o seu percurso singular e resulta da combinação de dois arquivos relativos ao académico de Coimbra: o que pertence ao Centro de Estudos Vergílio Correia, em Condeixa-a-Nova, em que se destacam quase mil negativos em vidro que até há bem pouco tempo estavam nas mãos da família e que estão hoje a ser estudados por Miguel Pessoa e Lino Rodrigo; e o que a TT comprou na primeira metade da década de 2000, que foi recentemente disponibilizado ao público e cujos fundos a investigadora Vera Mariz e o historiador de arte Vítor Serrão começaram a explorar há pouco mais de um ano.
Nascido na Régua em 1888, Vergílio Correia forma-se em Direito por pressão familiar e chega a trabalhar um ano como notário, profissão que abandona de imediato para consagrar a vida ao conhecimento, contribuindo para a formação de gerações enquanto professor na Universidade de Coimbra e dedicando-se à escrita em áreas menosprezadas por muitos (como as artes decorativas e as artes populares), e a inventários e museus (foi conservador de Arte Antiga e director do Machado de Castro). Intelectual sem actividade política, mas acérrimo defensor dos valores republicanos da liberdade e do acesso à educação e à cultura, maçon e agnóstico, chegou a estar preso no Aljube oito dias quando, no começo da década de 1930, foi acusado de apoiar o comandante Aragão e Melo, opositor à ditadura, e de dar abrigo a um refugiado político. À data da prisão já era director do Museu Machado de Castro e um académico respeitado.
Sem deixar de escrever sobre o tear ou o carro de bois, na história de arte deixou obra em temáticas diversas, da tumulária gótica à talha barroca, passando pela escultura e a pintura do Renascimento, a acrescentar aos dois volumes do Inventário Artístico de Portugal a que esteve ligado e em que a fotografia desempenha um papel primordial (escreve o grosso do tomo dedicado ao Distrito de Coimbra, mas é o seu colaborador directo, António Nogueira Gonçalves, quem escreve o da Cidade de Coimbra). Editados pela Academia Nacional de Belas Artes, no âmbito de um programa de levantamento de todo o território que começa a ser desenhado em 1938, os volumes do Inventário têm em Vergílio Correia um dos primeiros autores. O seu trabalho é o resultado de campanhas concretizadas com notável dedicação por um homem de uma cultura superior que dominava, de modo invulgar, a História da Arte, a Arqueologia ou a Etnografia, sem esquecer a Fotografia. E para o provar basta constatar, acrescenta, como em apenas um trimestre de 1939, Correia e o irmão, seu colaborador, fazem 900 registos de monumentos e obras de interesse arqueológico, artístico ou histórico, percorrendo 1500 quilómetros.
Quando morreu, aos 55 anos, na sequência de uma queda do eléctrico, em Coimbra, tinha o ano todo planeado, incluindo uma viagem a Itália. Estava empenhado em dar continuidade ao Inventário Artístico de Portugal e, muito provavelmente, ainda não desistira de escrever uma grande monografia sobre Conímbriga. Não é por acaso que o escritor Miguel Torga, no seu Diário, lhe chama «Vergílio dos Cacos».
Vergílio Correia (Peso da Régua, 19 de Outubro de 1888 – Coimbra, 3 de Junho de 1944). |
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