02/09/2020

Algumas villae do século IV na Lusitania, segundo Jorge Alarcão: Cardílio, Milreu e Torre de Palma

Na villa de Cardílio (Torres Novas), a remodelação do séc. IV terá consistido fundamentalmente na destruição das primitivas termas, que se achavam do lado noroeste, e na edificação de um novo complexo termal, agora do lado sudoeste.

A entrada na residência far-se-ia por [1]. À esquerda ficavam duas grandes salas, talvez intercomunicantes. Infelizmente, não sabemos por que lado tinham acesso. Se a entrada nelas se fazia por [1], podemos pensar que o proprietário recebia aqui quem viesse apenas tratar de negócios e quem não quisesse admitir na privacidade da sua residência. O destino das salas poderia ser outro se o acesso se fizesse pelo corredor a oriente. O peristilo tinha um espaço central ajardinado e debruado por um canal: a água que neste corria expandia-se em quatro angras simétricas.
O mosaico da sala [2] tem uma legenda: Viventes Cardilium et Avitam felix turre, “Cardílio e Avita vivam felizes na torre” ou “A torre será feliz enquanto viverem Cardílio e Avita”. Turris, “torre”, seria o nome próprio da villa de Cardílio ou um nome comum que poderia aplicar-se, no séc. IV, a qualquer villa de grandes dimensões? Noutras villae do séc. IV observam-se efetivamente torres; não é, porém, o caso da villa de Cardílio, onde não é pelo menos óbvia a existência de qualquer torre.
Do lado oposto do peristilo, em [3], havia um ninfeu. De um dos cantos do peristilo partia um corredor que levava a um átrio [4]. Este era o centro da parte mais íntima da casa, cuja organização exata desconhecemos por não ter sido prosseguida, deste lado, a escavação.
A grande destruição que sofreu o lado sul da residência torna problemática a sua reconstituição. Parece-nos possível imaginar aqui diversos compartimentos em torno de um pátio a céu aberto. Neste caso teríamos um “apartamento” para algum filho casado, algum parente próximo ou alguma família visitante. Em muitas das villae do séc. IV, o número de aposentos excede largamente o que seria necessário para alojar uma família nuclear, mesmo numerosa. Talvez fosse comum os proprietários viverem com algum filho casado e com descendência própria, ou com algum irmão ou irmã (também com seus filhos). Os grandes proprietários visitar-se-iam, porém, com frequência, não em visita de horas, mas para permanecerem uns dias. Qualquer destas hipóteses explicará o grande número de alojamentos e a organização destes, como na villa de Cardílio, em “unidades” com alguma autonomia. Reunir-se-iam todos no mesmo triclínio para as refeições, ou nas termas, para o banho, mas retirar-se-iam, à noite, para aposentos que não ficavam contíguos aos do proprietário.
No canto sudeste do peristilo, uns degraus dão acesso a uma área um pouco mais elevada que não foi escavada. Não sabemos o que existiria aí. A pars rustica da villa de Cardílio foi localizada a cerca de 60 metros a sul da pars urbana, mas foi pouco o que dela se escavou.
 
A conservação do peristilo original em villae remodeladas no séc. IV observa-se igualmente em Milreu (Faro), Torre de Palma (Monforte), Torre Áquila, La Cocosa, Monroy ou La Sevillana (estas quatro na província de Badajoz).
 
Em Milreu, a villa foi renovada no séc. IV com assentamento de novos mosaicos, sem que a planta do séc. III tenha sofrido substanciais alterações. Na segunda metade do séc. IV construiu-se, do lado sul, um sofisticado templo.
 
Se nas villae de Cardílio e de Milreu o visitante acedia à pars urbana sem ter de passar pela pars rustica, é outra a organização de Torre de Palma, como se o proprietário tivesse gosto em mostrar a quem o visitasse, e logo desde a entrada, que era dono de vastas terras, grande criador de cavalos, produtor de vinhos e senhor de muitos criados de lavoura.

Entrava-se na villa entre as cavalariças [1], à direita, e o lagar e adega [2], à esquerda, e acedia-se a um
vasto terreiro, trapezoidal, com cerca de 80 m de comprimento e 40 de largura máxima. Seria aqui
grande a azáfama em tempo de colheitas.
Deste terreiro passava-se a um outro, menor, [4]. Apesar de rodeado por uma colunata, não podemos
classificá-lo como peristilo: era antes um jardim, no qual havia um templete.
A parte residencial da villa ficava do lado norte deste jardim. As divisões de mais aparato desenvolviam-
se em torno de um peristilo [5] e nelas, pelos seus mosaicos, o proprietário mostrava que era,
para além de dono de grande herdade, também homem culto e leitor dos clássicos. Um outro peristilo,
menor [6], centrava os aposentos mais íntimos.
Do lado oposto do jardim ficava a residência do villicus ou feitor [7].
Na segunda metade do séc. IV construiu-se uma basílica cristã [8] a cerca de 200 m do centro da pars
urbana. Na mesma data poderá ter sido destruído o templete do jardim.

 

Planta da Villa Cardílio





Planta da Villa de Milreu


Templo da Villa de Milreu

Planta da Villa de Torre de Palma









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