Em colaboração com colegas cabo-verdianos e portugueses, estudantes e trabalhadores locais, Marie Louise Stig Sørensen e Christopher Evans têm trabalhado, desde 2007, não só para resgatar do esquecimento a mais antiga construção religiosa europeia a ser erguida nos trópicos, como também parte do passado histórico da população cabo-verdiana.
Quando as ilhas de Cabo Verde foram descobertas pelos portugueses em 1456 — décadas antes de Cristóvão Colombo descobrir a América —, não estavam habitadas. As dez pequenas ilhas que compõem o arquipélago são feitas de rocha vulcânica e até àquela altura não havia lá nem árvores, nem pessoas, nem mamíferos. Mas aquilo que começou por ser um local estratégico para o comércio com a África subsariana transformou-se, no século XVI, num centro global de comércio de escravos africanos — principalmente com destino à nova colónia portuguesa do Brasil. Estas ilhas foram um ponto de partida para a primeira vaga de globalização, integralmente baseada no tráfico de escravos.
Os portugueses transformaram as ilhas num dos principais centros do tráfico transatlântico de escravos, trazendo com eles plantas cultiváveis, animais domésticos e pessoas — comerciantes, missionários e milhares de escravos. Os escravos eram seleccionados e vendidos antes de serem despachados para as plantações espalhadas por todo o mundo atlântico. Uma vez que o arquipélago de Cabo Verde se situa mais ou menos a meio caminho entre a costa de África Ocidental e o Brasil, a descoberta do Brasil e o estabelecimento de plantações ali fez explodir o comércio que passava por Cabo Verde.
A Cidade Velha, instalada num pequeno vale fluvial pautado por campos de cana-de-açúcar e palmeiras, foi a primeira cidade que Portugal fundou em África, na sua aventura dos Descobrimentos. E durante 300 anos, foi não só a capital de Cabo Verde, como também chegou a ser a segunda cidade mais rica do império português. A Cidade Velha foi declarada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO em 2009.
Em 2006, Sørensen e Evans foram convidados pela Universidade Jean Piaget de Cabo Verde a realizar escavações na Cidade Velha com o apoio do Ministério da Cultura daquele país. O principal objectivo consistia em localizar a Capela da Nossa Senhora da Conceição, que se pensava ser a igreja original da Cidade Velha — e, como tal, candidata a ser uma das primeiras igrejas cristãs dos trópicos.
Konstantin Richter, historiador de arquitectura [da Universidade Jean Piaget] tinha reparado numa plataforma com argamassa que batia certo com o mapa que indicava a localização da igreja. A seguir foi localizada a fachada da igreja e após duas campanhas de escavações preliminares concluíram que tínham encontrado a igreja. Agora, os cientistas deram por acabada a escavação e a conservação do monumento, que deverá passar a poder ser visitado pelo público.
Os primeiros vestígios da Capela da Nossa Senhora da Conceição remontam à década de 1470, com uma construção de maiores dimensões datada de 1500.
Foi possível recuperar a totalidade da planta de superfície da igreja, incluindo a sacristia, a capela lateral e a varanda lateral. Construída por volta de 1500, a sua porção mais complicada é o coro situado na extremidade oriental, onde se erguia o altar-mor, e que foi sofrendo múltiplas reconstruções devido aos estragos causados pelas cheias sazonais.
Para além da igreja, os arqueólogos descobriram várias lápides de dignitários locais da época. Uma delas é a de Fernão Fiel de Lugo, traficante de escravos e tesoureiro da cidade entre 1542 e 1557. Os cientistas também descobriram um cemitério, cavado no chão da igreja, onde estimam que mais de um milhar de pessoas foi enterrado antes de 1525 — uma autêntica “cápsula do tempo” dos primeiros 50 anos de vida colonial na ilha. Já foram realizadas análises que indicam que cerca de metade eram corpos de africanos e que o resto dos sepultados provinha de várias partes da Europa. Uma escavação está prevista para analisar esses restos mortais de forma a conhecer melhor a população fundadora do país e as primeiras fases da história dos escravos que por lá passaram.
Com base nos textos históricos, sabemos que houve uma sociedade ‘crioula’ que se desenvolveu rapidamente, com terras herdadas por mestiços que tinham direito a desempenhar cargos oficiais e os restos mortais agora descobertos constituem uma oportunidade de testar esta representação das primeiras gentes de Cabo Verde.
As escavações revelaram ainda faianças e azulejos vindos de Portugal, objectos de pedra provenientes da Alemanha, porcelanas chinesas e cerâmicas oriundas de várias partes da África Ocidental. Foi, aliás, essa a razão — em parte graças a circunstâncias fortuitas — da entrada na equipa da investigadora Tânia Casimiro, arqueóloga portuguesa especialista de faiança portuguesa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É ela que faz o registo, identificação e estudo de toda a cerâmica identificada nas escavações.
Konstantin Richter, historiador de arquitectura [da Universidade Jean Piaget] tinha reparado numa plataforma com argamassa que batia certo com o mapa que indicava a localização da igreja. A seguir foi localizada a fachada da igreja e após duas campanhas de escavações preliminares concluíram que tínham encontrado a igreja. Agora, os cientistas deram por acabada a escavação e a conservação do monumento, que deverá passar a poder ser visitado pelo público.
Os primeiros vestígios da Capela da Nossa Senhora da Conceição remontam à década de 1470, com uma construção de maiores dimensões datada de 1500.
Foi possível recuperar a totalidade da planta de superfície da igreja, incluindo a sacristia, a capela lateral e a varanda lateral. Construída por volta de 1500, a sua porção mais complicada é o coro situado na extremidade oriental, onde se erguia o altar-mor, e que foi sofrendo múltiplas reconstruções devido aos estragos causados pelas cheias sazonais.
Para além da igreja, os arqueólogos descobriram várias lápides de dignitários locais da época. Uma delas é a de Fernão Fiel de Lugo, traficante de escravos e tesoureiro da cidade entre 1542 e 1557. Os cientistas também descobriram um cemitério, cavado no chão da igreja, onde estimam que mais de um milhar de pessoas foi enterrado antes de 1525 — uma autêntica “cápsula do tempo” dos primeiros 50 anos de vida colonial na ilha. Já foram realizadas análises que indicam que cerca de metade eram corpos de africanos e que o resto dos sepultados provinha de várias partes da Europa. Uma escavação está prevista para analisar esses restos mortais de forma a conhecer melhor a população fundadora do país e as primeiras fases da história dos escravos que por lá passaram.
Com base nos textos históricos, sabemos que houve uma sociedade ‘crioula’ que se desenvolveu rapidamente, com terras herdadas por mestiços que tinham direito a desempenhar cargos oficiais e os restos mortais agora descobertos constituem uma oportunidade de testar esta representação das primeiras gentes de Cabo Verde.
As escavações revelaram ainda faianças e azulejos vindos de Portugal, objectos de pedra provenientes da Alemanha, porcelanas chinesas e cerâmicas oriundas de várias partes da África Ocidental. Foi, aliás, essa a razão — em parte graças a circunstâncias fortuitas — da entrada na equipa da investigadora Tânia Casimiro, arqueóloga portuguesa especialista de faiança portuguesa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É ela que faz o registo, identificação e estudo de toda a cerâmica identificada nas escavações.
Ruínas da igreja cristã mais antiga jamais descoberta na África subsariana. |
Lápides de traficantes de escravos portugueses reveladas durante a escavação. |
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