31/01/2016

Lusitânia Romana: Origem de Dois Povos - Exposição no Museu Nacional de Arqueologia

A Exposição no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, recua dois mil anos para nos trazer uma província fundada pelo primeiro dos imperadores romanos, Augusto. Um território periférico que exportava minério e conservas de peixe, que o mito fez terra de nereides e cavalos velozes.
É através do olhar do outro, o invasor, que a conhecemos. Foram os gregos e depois os romanos, que a conquistaram passados 200 anos, que fizeram o retrato dos povos que ali encontraram. Dois milénios depois a Lusitânia continua a ser, nos livros, o extremo ocidental de um império que já não existe, finisterra que exportava minério e conservas de peixe, com uma porta aberta para o oceano.
Província que tinha em Mérida a sua capital – Augusta Emerita, assim se chamava, mandada construir em 25 a.C. pelo próprio Augusto, primeiro grande imperador romano – era vista como o fim do mundo conhecido. Periférica pela geografia, a Lusitânia foi fundada entre 16 e 13 a.C. e foi ganhando importância, primeiro por causa dos minérios do sul da Península Ibérica e depois, com a conquista da Britânia e o apoio às legiões nela envolvidas, como território em que o Mediterrâneo e o Atlântico se encontravam.
Lusitânia Romana: Origem de Dois Povos, viaja até este território pouco conhecido do império romano, que ocupava grande parte de Portugal, entre o Douro e o Algarve, a atual Extremadura espanhola e uma pequena porção da Andaluzia.
Ao todo reúne 207 peças, provenientes de 14 instituições portuguesas e cinco espanholas, distribuídas por dez núcleos que procuram contar quase 700 anos da história desta península que hoje se vê dividida entre dois países e que, na Antiguidade, deveu aos romanos a sua unidade política, cultural e administrativa.
Mais do que uma exposição de arqueologia, diz António Carvalho, diretor do MNA, Lusitânia Romana é uma mostra de antiguidade clássica, em que a escultura assume um papel de relevo. “Dificilmente voltaremos a reunir num mesmo local peças tão importantes para tantas instituições”, sublinha o arqueólogo, fazendo referência à presença de vários “tesouros nacionais” portugueses e espanhóis, que prometem “fazer o retrato de um território singular sobre o qual se sabe ainda muito pouco”, quando comparado com outros que integraram aquele que foi o primeiro império global da história.
“A Lusitânia é uma construção romana – ela não existe antes como território único”, explica o arqueólogo Carlos Fabião. O que os romanos encontraram ao chegar foi uma multiplicidade de sociedades tribais, com os seus chefes, muito ligadas à natureza. É pelo menos este o retrato difundido, um retrato que é preciso questionar. “Nós nunca sabemos como é que os lusitanos, os povos que aqui viviam, se viam, não temos acesso a uma autorrepresentação. O que deles conhecemos é o que nos dizem gregos e romanos, que falam de uma gente mais ou menos selvagem, que tinha uma relação muito próxima da terra”. O filósofo e geógrafo grego Estrabão (c. 63 a.C. – 24), por exemplo, faz referência ao temperamento guerreiro das populações, desorganizadas a combater, mas rápidas a reagir a ataques e a lançar emboscadas ao inimigo. “Estrabão fala de uma quase guerrilha, que conhece bem o terreno e que é capaz de surpreender.” E fala também de populações simples, que bebem cerveja em vez de vinho, comem pão de bolota e usam manteiga e não azeite quando cozinham.
Os relatos mais pormenorizados sobre Viriato, o mítico herói da resistência indígena contra os ocupantes, também se devem a um grego, Diodoro da Sicília (c. 90 a.C. – a 30 a.C.), que o descreve como um chefe justo, corajoso, sóbrio e amado pelos seus homens, mas que acaba assassinado por três dos seus colaboradores mais próximos, graças a um suborno de Roma. “Este Viriato é uma construção filosófica que tem muito pouco a ver com a figura histórica, de que não se sabe praticamente nada, a não ser que era um líder tribal que fez frente aos romanos”, diz Carlos Fabião. “Este herói é um produto da cultura clássica, um defensor da pátria – aqui e em Espanha, é preciso não esquecer que Viriato não é um exclusivo português – antes de ela existir. É uma construção absolutamente anacrónica.”
Verdadeiro ou não, o que sabemos ou julgamos saber dos lusitanos tem muito a ver com esta narrativa ficcional, a de um Viriato que faz parte do panteão dos heróis que combateram Roma. O que a exposição do museu de Arqueologia nos mostra é uma Lusitânia que é produto não do confronto, mas da integração, traçando o perfil de um território que, mesmo depois de conquistado, manteve boa parte da sua organização social, dos seus hábitos e até dos seus deuses.
“Passada a fase inicial do conflito, este território passa a fazer naturalmente parte do império, que é por definição inclusivo.” As elites locais, “indígenas”, revêem-se no modelo romano, que se baseia numa primeira fase no autogoverno. Quem mandava, sublinha, continua a mandar, mas passa a fazê-lo em nome de Roma. “Nenhum império duraria o que o romano durou se se apoiasse apenas no confronto. Nesta província, como nas outras, há integração, aculturação.”
A Lusitânia, lembra por sua vez o diretor do museu de Mérida, é um conceito amplo – tem tanto de cultura como de geografia e para o compreender é preciso “olhar para os objetos, para os monumentos, e ouvir o que eles dizem”.
Nesta exposição, os objetos são esculturas de imperadores divinizados e bustos-retrato de olhar melancólico; são falcatas e espadas, taças de prata amalgamadas que alguém tentou esconder do inimigo e jarros de vidro delicado. São inscrições em que uma mulher homenageia o seu marido e os seus dois filhos mortos e placas em que se festeja a doação de um relógio de sol. São pactos de hospitalidade, lápides que referem um oculista de Córdova e marcos miliários, braceletes de prata dourada e fragmentos de estátuas equestres, moedas e placas de bronze em que um povo lusitano se dá por vencido.
Estes exemplares de cultura material atestam a “fusão” entre o que os romanos encontraram e o que trouxeram para a Península Ibérica, em inscrições como a recuperada em Arronches, no Nordeste alentejano, no final da década de 1990, uma das primeiras peças com que o visitante do MNA se cruzará, e um dos seis únicos textos conhecidos redigidos em lusitano.
“Os caracteres são latinos, mas a língua é lusitana. É um exemplo perfeito de uma mistura, de uma convivência”, diz este arqueólogo que dirige o museu de Mérida. A lápide, cujo texto está traduzido para português contemporâneo, à semelhança das restantes inscrições da exposição, regista uma série de sacrifícios ou oferendas feitas a divindades locais. “Primeiro os romanos subjugam, mas depois instalam-se e aceitam os costumes, que passam a conviver com os seus. Há crianças que continuam a ter os mesmos nomes pré-romanos, mulheres que se vestem e penteiam como sempre se vestiram e pentearam, sem copiar nada de Roma”. Foram precisos 200 anos para que os romanos dessem este território por conquistado. Porquê tanto tempo? A topografia difícil, sobretudo no Norte interior, a falta de interesse estratégico em parte do território – as atenções concentravam-se no Sul da península e nos seus minérios – e as guerras civis em Roma, que afetam a alocação de recursos militares, explicam, em boa parte, a demora, diz o arqueólogo Carlos Fabião.
“Eles demoram a tomar conta do território, mas quando o fazem romanizam-no rapidamente, construindo um rede de cidades segundo o modelo mediterrânico e resolvendo assim o problema da pressão demográfica que se colocava.” Antes dos romanos a Península Ibérica já tinha cidades mas não com a estrutura e a dimensão que vieram a impor. Mérida é construída para ser a capital, de raiz, como a Brasília do século XX, e Olisipo, o nome que davam a Lisboa, transforma-se por completo para ser o porto oceânico de Augusta Emerita. “Eles constroem ou redimensionam uma série de cidades pela província, com valor estratégico por estarem junto a minas, ao mar e aos rios Tejo, Sado e Guadiana”, precisa. Na exposição, pode ver-se até onde ia a sua organização e a complexidade das estruturas urbanas nesta província do império em fragmentos de canos de chumbo para o sistema de abastecimento de águas com a marca de Augusta Emerita, tal como hoje podemos encontrar a da EPAL nas condutas de Lisboa.
“No século IV a Lusitânia está na vanguarda do mundo”, assegura o diretor de Mérida, mencionando as explorações mineiras, a estrutura das cidades e a qualidade da arte que aqui se produzia. “No império as elites circulam muito e isso faz com que os costumes, mas também a arquitetura e as atividades económicas se contaminem”, acrescenta Álvarez Martínez. Fabião não é tão entusiasta em relação ao progresso da Lusitânia, mas lembra que a transformação que traz é “colossal”. Isto porque, sublinha, enquanto primeiro império global, o romano é, por definição, um espaço de inovação, que a história terá dificuldade em acompanhar durante muitos séculos. E para ilustrar esta posição vai buscar dois dados muito concretos: “No século I, Roma tinha já cerca de um milhão de habitantes. Para que uma cidade europeia voltasse a ter este peso demográfico, foi preciso esperar pela Londres do século XVIII. Igualmente impressionante é a concentração de metais pesados na atmosfera – os estudos mais recentes mostram que os valores registados entre os séculos I e III do império romano só voltam a ser igualados na Europa a partir do século XIX, com a revolução industrial.”
Os minérios – sobretudo cobre, estanho, chumbo, prata e ouro – são a grande exportação da Lusitânia, a par, um pouco mais tarde, dos preparados de peixe, que tinham em Tróia o maior centro de produção do império.
É precisamente à exploração mineira que se refere uma das peças mais curiosas desta Lusitânia Romana: Origem de Dois Povos. Trata-se da Tábua de Vipasca II (ano 117-138), um excerto de legislação que regula a extração de minerais, encontrado em Aljustrel, Beja, com indicações muito precisas em relação às obrigações fiscais, aos deveres do proprietário e às sanções a aplicar a todos os escravos e homens livres que ousassem infringir as regras estabelecidas na província. “Pela leitura desta lei ficamos a saber que, tal como hoje, as riquezas do subsolo pertenciam ao Estado e que a exploração destes recursos também era feita sob concessão. Sabemos até como funcionava a povoação junto às minas, o que dizia o contrato de arrendamento das termas, que preços se deviam praticar e que funções tinha o mestre-escola”, enuncia Carlos Fabião, garantindo que já naquela altura (século II), “a fiscalidade não dormia”.
Na mesma sala em que está esta legislação, pode ver-se também um sarcófago com as estações do ano representadas, do Museu Soares dos Reis, no Porto, restaurado para a exposição, um busto-retrato e ânforas de barro que transportariam peixe salgado. “A exportação de peixe e sal é uma das singularidades da Lusitânia, a que se junta a sua ligação ao Atlântico”, explica António Carvalho, defendendo que nesta província se encontra um mar que os romanos dominam – o seu Mare Nostrum, o Mediterrâneo – com um Atlântico que gostariam de controlar.
“Com Augusto [63 a.C. – 14] os romanos vêm para ficar.” Imperador habituado à guerra, Augusto era sobretudo um homem de paz, diz o diretor do MNA, que manda o seu genro fundar Mérida transformando em colonos os veteranos da 5.ª e da 10.ª legiões, que lhe são muito próximas. “É verdade que há membros da elite romana que são mandados para a Lusitânia como se fossem mandados para o degredo, de castigo, mas não era assim que Augusto olhava para esta província. Os primeiros colonos estão entre os seus soldados preferidos, os seus diletos, daí o nome de Augusta Emerita. É claro que estamos num espaço periférico, que não é tão atraente como a Gália, a Sicília ou a Mauritânia, mas é uma terra que não destoa do resto do império, de bons mármores e bons cavalos.”
Nota Carlos Fabião, no entanto, que a ideia de que nas lezírias do Tejo corriam alguns dos mais velozes cavalos do império não passa de um mito, algo que perdurou no tempo, acrescenta o diretor do museu de arqueologia, devido à existência de grandes hipódromos em Mérida e Lisboa (na zona do Rossio) e da carreira de sucesso de um auriga nascido na Lusitânia, Caio Apúlio Diócles, que ganhou quase 1500 das mais de 4000 corridas em que participou.
“Também se dizia que aqui havia tritões e nereides e houve até uma embaixada de homens de Lisboa que foi contar isto a Roma, ao imperador Tibério. O que não é mito é que este território ajudou a aproximar o império do Atlântico”, conclui Carlos Fabião.
Lusitânia Romana: origem de dois povos
Busto do imperador Vespasiano.

05/01/2016

Projecto Bosch analisa obras atribuídas ao pintor flamengo para definir o seu legado real

Filipe II de Espanha, I de Portugal (1527-1598), era um católico fervoroso, um monarca instruído e culto. Dono de um vasto império, era também um amante das artes. Apesar da complicada situação financeira de Espanha, cujas guerras que travava em várias frentes exigiam muito dinheiro, foram várias as obras de arte que o rei encomendou e adquiriu. Entre elas, pinturas de Jheronymus Bosch.
Filipe II, que não chegou a conhecer o artista que morrera em 1516, comprou-as crendo que tinham saído das mãos deste mestre que poucas vezes assinou e datou as suas criações. Agora, uma equipa de peritos internacional, a do Projecto de Investigação e Conservação Bosch, está prestes a publicar o relatório em que concluiu, entre outras coisas, que três das pinturas das colecções reais espanholas que hoje pertencem ao Museu do Prado, em Madrid, e que até aqui eram atribuídas ao artista flamengo, não foram, muito provavelmente, por ele executadas: Mesa dos Pecados Capitais, Extracção da Pedra da Loucura e Tentações de Santo António Abade.
Metade das obras que a pinacoteca espanhola expõe como sendo do pintor serão assim, de acordo com este grupo de investigadores, da autoria de alguns dos seus seguidores. Os conservadores do Prado, que fazem questão de mencionar que o museu tem a maior colecção de Bosch do mundo, contestam as conclusões, como seria de esperar. E é por isso que este relatório do Projecto Bosch, uma monografia de dois volumes, já instalou a polémica, mesmo antes da sua publicação, agendada para 1 de Fevereiro.
A equipa, liderada por Matthijs Ilsink, historiador de arte do Noordbrabants Museum, em Hertogenbosch (Holanda), terra onde o pintor nasceu, entre 1450 e 1460, tem vindo a estudar e a documentar as obras atribuídas ao artista flamengo desde 2010 com o objectivo de determinar, de forma tão definitiva quanto possível, quais foram executadas por Bosch, famoso pelas suas representações singulares do inferno e do paraíso. Uma tarefa que, apesar de enquadrada por processos científicos, não está livre de contestação.
Entre as obras cuja autenticidade voltou a ser confirmada está o tríptico Tentações de Santo Antão (c. 1500), que pertence à colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, que foi cuidadosamente examinado em 2011 e que será emprestado a Madrid para a exposição com que o Prado assinalará os 500 anos da morte do pintor ( Bosch: A exposição do centenário, entre 31 de Maio e 11 de Setembro de 2016).
O gabinete de comunicação do museu do Prado lamentou que o autodenominado Projecto de Investigação e Conservação Bosch tivesse enviado as suas conclusões do relatório sem contar com os contributos da pinacoteca madrilena. Acrescentou que os técnicos do museu foram usados como meros "adereços" em todo o processo. Trabalharam com material maravilhoso, mas não souberam tirar proveito dele, referindo a análise minuciosa de cada uma das obras, feita recorrendo, por exemplo, à macrofotografia e à refelctografia de infravermelhos, técnicas que permitem aceder a pormenores da pintura invisíveis a olho nu e mesmo ao que está por baixo das camadas de tinta.
Segundo especificou o historiador de arte Ron Spronk, que pertence à equipa de peritos, à Queen’s Gazette, a revista da Universidade de Queens (Canadá), onde lecciona, o estilo do desenho subjacente (aquele que a pintura esconde) e a qualidade global da Mesa dos Pecados Capitais, por exemplo, não são comparáveis aos de outras obras que estão no cerne da produção de Bosch.
Pilar Silva, que será a comissária geral da exposição que o museu do Prado inaugura em Maio, não pode discordar mais, dizendo que os argumentos usados pelos peritos do Projecto Bosch para retirar a autoria a três das pinturas do Prado são simplesmente "para rir". E explica porquê, nas páginas do ABC, pegando precisamente na Mesa dos Pecados Capitais: "[Os peritos] não gostam do desenho, dizem que é diferente dos que fazia. Mas todos os desenhos de Bosch são diferentes. E a paisagem [também] não lhes parece da época, mas não sabem quando foi feito ao certo. Apontam para depois da sua morte. Depois de dizerem tudo o que lhes ocorre, terminam reconhecendo que não a estudaram directamente."
Mas não foi só o Museu do Prado que recebeu más notícias: o Museu de Belas Artes de Gent, na Bélgica, viu a autoria de Cristo Carregando a Cruz igualmente posta em causa. Ainda assim, o historiador Ron Spronk defende que as “descobertas não diminuem a qualidade ou a importância destas obras”. Da análise feita a Cristo Carregando a Cruz, os investigadores determinaram que a obra tem muito poucas semelhanças com outras de Bosch para ter sido pintada pelo próprio ou até mesmo por um seguidor que com ele tivesse trabalhado directamente.
Ao The Art Newspaper, publicação especializada em notícias do mundo da arte, uma porta-voz do museu de Gent disse que a notícia não é uma “surpresa”, visto que a autoria vinha a ser debatida há décadas. Agora o museu belga quer reunir-se com a equipa para “fazer trabalho de investigação adicional”. “Qualquer que seja o resultado, ninguém duvida que Cristo Carregando a Cruz continua a ser uma obra-prima da pintura tardo-medieval e um dos maiores tesouros do museu de Gent. E se as reacções no museu e nas redes sociais servem de indicação, parece claro que os visitantes vão continuar a adorar esta impressionante peça de arte medieval, independentemente de quem a pintou”, acrescentou a porta-voz.
Mas a investigação não trouxe apenas más notícias. O tríptico Juízo Final, que integra o catálogo do Museu Groeninge (Bruges, Bélgica) e que já esteve exposto em Lisboa em 2011, foi pintado apenas por Bosch e não teve a participação da sua oficina, como se julgava.
Porém, a grande surpresa até agora revelada é um desenho, Paisagem do Inferno, que pertence a um coleccionador privado. Os peritos não têm dúvidas - esta obra recheada de almas perdidas, criaturas fantásticas e monstros bizarros saiu da mão do mestre. Segundo o The Art Newspaper, até aqui julgava-se que fora produzido na oficina do pintor por um dos artistas que com ele trabalhavam. “[Este desenho] não é apenas uma imitação bem-sucedida, como alguns lhe chamaram. Este é muito, muito bom”, garantiu ao jornal o líder da equipa, Matthijs Ilsink.
Depois de ver Paisagem do Inferno no catálogo de desenhos de Bosch de Fritz Koreny (Brepols Pub, 2012), Ilsink decidiu contactar o proprietário para o analisar. Como o The Art Newspaper faz saber, os investigadores recorreram a reflectografia de infravermelhos e a fotografia digital de alta resolução para documentar a obra. Quanto ao papel, à caligrafia e às tintas, compararam-nos aos de desenhos que integram colecções em Berlim, Viena, Paris e Roterdão, que serão indiscutivelmente de Bosch.
A equipa percebeu, então, que existem ligações entre figuras de Paisagem do Inferno e as do desenho subjacente de outras obras. Ilsink aponta como exemplo o homem retratado no cesto em Paisagem do Inferno, que é semelhante a uma figura escondida pela camada cromática do tríptico O Jardim das Delícias, uma das mais célebres obras de Bosch que pertence à colecção do Prado.
O historiador lembra ainda que o pintor mudava muitas vezes de ideias enquanto pintava – os desenhos subjacentes provam-no -, afirmando que “alguém que fizesse uma imitação das suas obras não teria acesso a estas versões anteriores”, veria apenas a camada pintada.
O programa que assinala os 500 anos da morte de Bosch, cuja data de nascimento não é conhecida ao certo, arranca a 13 de Fevereiro com a exposição Jheronymus Bosch: Visões de Génio, co-organizada por Matthijs Ilsink no Noordbrabants Museum. Será aqui que Paisagem do Inferno vai estar, pela primeira vez, num museu.
À exposição do museu holandês segue-se a do Prado, que está a ser promovida como a mais importante exposição de sempre dedicada ao artista, com mais de 60 obras do mestre e de outros artistas. Na exposição estarão 23 pinturas do autor das Tentações de Santo Antão - um número impressionante quando são 27 as que lhe são geralmente atribuídas, explica a comissária, Pilar Silva, ao ABC. Os desenhos também lá estão: dos 11 por regra reconhecidos como sendo de Bosch, seis poderão ser vistos em Madrid, ao lado de outros cuja autoria não é certa.
Por detrás da atribuição de uma obra há sempre procedimentos complexos e demorados. É um longo processo. A análise que a tecnologia permite não é suficiente pois a informação que resulta da análise do laboratório dá pistas e só funciona comparativamente. O processo depende da própria obra, da matéria e da conservação, factores que podem dificultar ou facilitar a atribuição. O facto de a investigação, os exames, não sugerirem que determinada obra é de outro pintor, não dispensa a comparação visual. Tem de se olhar para a obra e compará-la a outra, observando elementos como o traço e as cores.
A atribuição de uma obra valoriza-a sempre e a rejeição da autoria retira-lhe peso no mercado. Contudo, as obras cuja autoria é questionada continuam a ter interesse iconográfico e não deixam de ter qualidade.
Jheronymus Bosch
O tríptico Juízo Final, do Museu de Groeninge, em Bruges, esteve em Portugal entre Julho e Setembro de 2011, mas à data era atribuído a um dos seguidores do pintor.
Jheronymus Bosch
Mesa dos Pecados Capitais é uma das obras do Museu do Prado cuja atribuição da Bosch é agora posta em causa.
Jheronymus Bosch
Segundo os peritos do Projecto Bosch, Extração da Pedra da Loucura também não foi pintada pelo mestre flamengo.